Nigéria: um veredicto referencial contra a queima de petróleo

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Uma produção insustentável para um consumo insustentável. Esse é o caso com o petróleo cru, o pilar da industrialização e do chamado “crescimento” moderno defendido pelo livre comércio globalizado.

Apesar disso, ele tem um grande custo, que continua sendo invisível, “externalizado” pelos macroeconomistas. Mas para as comunidades locais o custo está bem longe de ser externo. Elas o sofrem em seus pulmões, em suas peles, em seus olhos, em seus úteros e em suas vidas e mortes diárias.

Na Nigéria, o petróleo é achado em relativamente pequenos bolsões fragmentados no Delta do Níger. Os poços de vários campos abastecem uma única estação de fluxo através de uma rede de oleodutos. Os principais oleodutos transportam o petróleo para refinarias ou para terminais de embarque e estão complementados por depósitos a granel e estações de bombeamento no caminho. Essa infra-estrutura em si mesma ocupa e atravessa a terra.

Grandes áreas de florestas de mangue são afetadas pela poluição do petróleo e desenvolvimentos relacionados. Os derramamentos de petróleo, que são bem numerosos e continuam mortificando a indústria do petróleo são uma preocupação muito séria a respeito da saúde das florestas de mangue remanescentes de nosso planeta. O petróleo vazado permeia as águas costeiras e cursos de água, cobrindo as raízes dos mangues expostas que respiram ar, fazendo com que seja difícil, ou inclusive impossível, que as lenticelas de respiração das plantas cumpram suas funções essenciais, e portanto sufocando devagar os mangues.

Como o Diretor do MAP (Projeto Mangue em Ação), Alfredo Quarto, escreveu em uma edição de Late Friday News e depois de uma visita para sublinhar a seriedade da poluição do petróleo na Nigéria: “O Delta do Níger contém a terceira maior floresta contígua de mangue do mundo. A área, que foi rica em biodiversidade e cheia de vida marinha, está sendo rapidamente degradada pela produção de petróleo. A região inteira está engulfada no que poderia chamar-se de Guerra do Petróleo -uma guerra incentivada pela avareza descontrolada dos conglomerados multinacionais do petróleo, há muito tempo comprometidos com seus ubíquos camaradas e capangas mafiosos no governo. Durante minha segunda semana na Nigéria, contraí malária -ferido na batalha, diriam vocês- outra vítima nesta guerra não santa contra o planeta. Mas os caminhos para as fontes de petróleo na Nigéria estão alinhados com outras inumeráveis vítimas e refugiados ambientais, cuja própria fonte de vida e sustentação fica totalmente arruinada. No entanto, essa é uma guerra na que não pode haver vencedores -apenas vítimas- já que no final qualquer pessoa que é nativa deste planeta perde. Essas centenas de descontroladas chamas de gás queimando continuamente por décadas estão favorecendo o aquecimento global, iluminando misteriosamente o caminho para o iminente desastre natural, enquanto esses diferentes derramamentos de petróleo e vazamentos de oleodutos estão saturando a terra e os cursos de água, até que, como um residente local disse, “Já não há peixes perto da costa agora, os mangues estão morrendo, nossos cultivos não vão crescer, as águas de nossos poços estão poluídas, e até nossa água de chuva já não é apta para beber!"

No entanto, nem todas são más notícias na Nigéria.

Em julho de 2005, a comunidade Iwherekan no Estado Delta da Nigéria iniciou uma ação contra a Shell Petroleum Development Company of Nigeria Ltd., a Nigerian National Petroleum Corporation e o Procurador Geral da Federação da Nigéria, pedindo ao Supremo Tribunal Federal, Divisão Benin, que declarasse que a queima de gás é ilegal, prejudicial para sua saúde e meio ambiente e que portanto constitui uma violação de seu direito à vida garantido pela Constituição da República Federal da Nigéria e reforçado pela Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.

Em 14 de novembro foi proferida uma sentença histórica. O Supremo Tribunal Federal da Nigéria ordenou as companhias que detivessem a queima de gás no Delta do Níger, já que isso viola os direitos à vida e à dignidade garantidos pela Constituição. O juiz C. V. Nwokorie decidiu na cidade de Benin que a prática prejudicial e esbanjadora de queima por todas as maiores companhias, incluindo a ExxonMobil, a ChevronTexaco, a TotalFinaElf e a Agip, bem como a Shell, em joint ventures com a Nigerian National Petroleum Corporation, não pode continuar legalmente e deve ser detida, já que queimar gás durante sua exploração de petróleo e atividades de produção na comunidade de Iwherekan é uma violação de seus direitos fundamentais à vida (incluindo o direito a um meio ambiente saudável) e à dignidade da pessoa humana.

Mais uma vez, a resistência local tem resultado uma via efetiva para atingir as mudanças.

Artigo baseado em informação de: “Court Declares Gas Flaring Illegal In Nigeria!”, 14 de novembro de 2005, ERA Nigeria, http://www.eraction.org; “Whose energy future? Big oil against people in Africa”, Relatório de Base de 2005, www.groundwork.org.za; “Why Oil & Mangroves Do Not Mix!”, Mangrove Action Project, http://www.earthisland.org/map/oil.htm