Tailândia : o “projeto de lei de florestas comunitárias” resultou ser uma ameaça de relocação para as comunidades rurais que moram em áreas de florestas de conservação

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Em uma irônica virada, o Projeto de Lei Tailandês de Florestas Comunitárias “, que pretendia ser um marco formal que definisse os direitos das comunidades para co-manejarem as áreas florestais, agora ameaça com reassentar as comunidades rurais, em especial, os povos étnicos que moram nas terras altas e em áreas de florestas de conservação.

No dia 15 de setembro de 2005, uma comissão parlamentar conjunta ao avaliar o
rascunho da lei determinou que as florestas comunitárias eram proibidas nas “principais áreas florestais”. O painel votou em favor da proposta do Ministro de Recursos Naturais e Meio Ambiente, Yongyuth Tiyapairat, que consistia em estabelecer “áreas florestais especiais” onde as atividades humanas, incluindo o estabelecimento de florestas comunitárias, são proibidas.

A decisão do painel estabelece que todos os povoados existentes nessas áreas florestais devem ser reassentados quando o projeto de lei se tornar lei. De acordo com Yongyuth, uma área florestal especial é uma área com um declive de mais de 30 graus, com altos níveis de diversidade biológica e localizado em áreas de planalto.

Existem aproximadamente de 2,8 milhões de hectares deste tipo de áreas florestais no país todo maioritariamente localizadas em florestas de conservação incluindo parques nacionais, santuários de fauna, bacias classificadas e áreas onde a caça é proibida. Não existem cifras claras, mas estima-se que um milhão de famílias em todo o país, inclusive comunidades étnicas moram e cultivam nessas áreas.

Mais de 10 anos de planejamento e negociações entre os funcionários do governo, grupos das comunidades locais e organizações não governamentais (ONGs) levaram à elaboração de um projeto de lei de florestas comunitárias que viria a ser a primeira legistação na Tailândia a reconhecer o status legal das comunidades que moram tanto dentro quanto nas vizinhanças das Reservas Nacionas de Florestas da Tailândia para usarem, manejarem e protegerem suas florestas em cooperação com o Departamento Florestal Real (RFD; por seu nome em inglês).

O projeto de lei florestal é, também, uma das primeiras legislações que aplica um mecanismo constitucional permitindo que os povos locais proponham leis com o apoio de 50.000 assinaturas – as populações locais de toda a Tailândia reuniram 52.698 assinaturas e apresentaram ao Parlamento o projeto de lei de florestas comunitárias no começo de 2000.

A Câmara Baixa do Parlamento aprovou o projeto de lei. Porém seguidamente, a Câmara Alta (o Senado) se opôs ao projeto de lei e introduziu algumas emendas que forçaram a revisão do projeto de lei a ser realizada por uma comissão conjunta formada com integrantes tanto da Câmara Alta quanto da Câmara Baixa do Parlamento.

Permsak Makarabhirom, acadêmico florestal da Universidade Kasetsart e um integrante de outro comissão, ao avaliarem o projeto de lei disseram que a proposta do painel conjunto de criar “áreas florestais especiais” destrói o propósito original do projeto de lei ao excluir as comunidades que moram nas áreas de floresta protegida e violar os direitos das comunidades que dependem das florestas.

“Isso contradiz o espírito da Constituição tailandesa, por exemplo o Artigo 46 que apoia os direitos locais para o manejo dos recursos naturais,” ele disse.

Mais de 8.000 “florestas comunitárias” em todo o país vêm sendo usadas, protegidas e manejadas pelas comunidades locais, algumas delas durante várias gerações. O projeto de lei foi planejado para legalizar essas áreas de floresta comunitária e providenciar o reconhecimento oficial aos esforços na conservação das florestas realizados pelas moradores locais.

Porém, o RDF e alguns grupos de conservação da natureza têm se oposto persistentemente à proposta do projeto de lei de estabelecer as florestas comunitárias dentro das áreas florestais protegidas. No ímpeto de transformar as florestas de reserva em áreas protegidas, o RFD demarcou muitas áreas ocupadas e usadas pela população local como parques nacionais e santuários de vida selvagem. Isso acarretou uma situação na que a maioria das áreas protegidas da Tailândia estão circundadas ou parcialmente ocupadas por uma população local alienada que sente que se apoderaram de seus direitos legítimos de propriedade.

O RFD prefere o reassentamento das populações que moram nas florestas ou a imposição de severas restrições ao uso das florestas. A abordagem do RFD, contudo, não conseguiu, até agora, nem prevenir o desmatamento contínuo das florestas remanescentes tailandesas por conta da atividade madeireira ilegal muito espalhada e que envolve interesses comerciais poderosos nem apoiar as formas de sustento das comunidades rurais.

Além disso, as tentativas prévias do governo de realizar o reassentamento forçado das comunidades que moram em áreas florestais aumentaram em grande medida o empobrecimento das comunidades locais, pioraram os conflitos rurais e causaram maiores perdas de áreas florestais já que os moradores deslocados desmatam áreas florestais em outro lugares.

A agricultura acompanhada com um conjunto de outras atividades que incluem a procura de trabalho sazonal nas áreas urbanas providencia os meios de vida para muitas comunidades rurais. E a potencial geração de rendas nas florestas comunitárias está também amplamente aceita particularmente pelas famílias economicamente mais pobres com rendas limitadas devido às propriedades de terra módicas, falta de educação ou idades avançadas que podem ter acesso a produtos florestais não madeireiros.

Decho Chaiyapap, coordenador das Florestas Comunitárias de Chiang Mai na Tailândia do Norte, uma coalizão de organizações não governamentais (ONGs) e agricultores do norte da Tailândia, disseram que os moradores discordavam da resolução do painel visto que restringe tanto o acesso às florestas quanto a prática da agricultura nessas áreas. “ Não fica claro como a “área florestal especial” seria especificamente definida nem quem o faria. Portanto, nós não podemos dizer ao certo quantas famílias viriam a ser atingidas,” ele disse.

Permanece ainda o questionamento de saber se o painel conjunto tinha o mandato legal para emendar as cláusulas de um projeto de lei que já tinha sido aprovado na Câmara Baixa do Parlamento. Grupos da sociedade civil encaminaharam uma petição ao Primeiro Ministro Thaksin Shinawatra em uma carta que declara que: “As emendas do painel conjunto violam o projeto de lei de florestas comunitárias ratificado no Parlamento que permite que as florestas comunitárias sejam estabelecidas nas áreas florestais protegida.” A carta também afirma que a proposta do painel sobre áreas florestais especiais é uma violação do propósito do projeto de lei no que diz respeito a “apoiar o manejo local das áreas florestais tanto dentro quanto fora das florestas de conservação uma vez que o manejo florestal realizado unicamente pelo estado não apenas provou sua ineficiência como também aumentou a destruição da floresta na Tailândia.”

Por Noel Rajesh, Chiang Mai University, Unit for Social and Environmental Research (USER), e-mail: rajesh@sea-user.org