É a aplicação da lei e o bom governo a resposta?

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As companhias e os governos envolvidos no comércio internacional de madeira tropical têm uma bem merecida má imagem. A maioria de suas atividades tem resultado em vasta destruição de florestas e abusos de direitos humanos em numerosos países, enquanto a corrupção tem estado no centro de muitas de suas práticas. Alguns desses mesmos atores parecem ter vontade –depois de ter sido atingidos por fortes campanhas de ONG- de melhorar seu desempenho tanto na atividade madeireira quanto no comércio internacional de madeira.

Isso tem feito com que os processos de Aplicação da Legislação Florestal e o Bom Governo (FLEG) se encarregassem do assunto particularmente nas florestas da Ásia e da África, enquanto a União Européia também tem lançado uma iniciativa similar para abordar as importações de madeira ilegal em seus países membros.

Como o próprio nome diz, o enfoque FLEG se focaliza principalmente em dois assuntos: a aplicação da lei e o bom governo. O raciocínio por trás disso parece portanto ser que enquanto a legislação florestal seja cumprida e os governos desempenhem sua função adequadamente, o resultado será positivo para as florestas. Em decorrência disso, o comércio internacional será capaz de continuar seu negócio –sob o estandarte da legalidade- com uma imagem limpa.

Esse enfoque se baseia no suposto implícito de que as leis são basicamente boas e os governos são legítimos, simplificando desse jeito o complexo assunto das florestas e dos povos dependentes delas e deixando de lado –ou no melhor dos casos nas margens- o assunto crucial da propriedade das florestas.

Na maioria dos países tropicais, a lei estabelece que as florestas são propriedade do Estado, que portanto tem o direito de outorgar concessões florestais a corporações particulares. Em decorrência disso, as companhias que realizam atividade madeireira nessas concessões estão operando dentro da lei. Se essas companhias atuarem de acordo com as normas (por exemplo, respeitando os cortes permitidos anuais, os limites das concessões e outros requisitos legais) e se os funcionários do governo também atuassem de acordo com a lei na monitorização das companhias madeireiras, o setor florestal será considerado como operando “legalmente” e tendo atingido um “bom governo”.

No entanto, desde uma perspectiva comunitária a situação é totalmente diferente. Para as florestas e os povos dependentes delas, essas leis são ilegítimas e não deveriam ser aplicadas; originam-se no passado colonial e foram depois adotadas pelos governos pós-coloniais para satisfazer os interesses tanto das elites locais quanto das corporações estrangeiras, principalmente sediadas nas antigas metrópoles coloniais. Para eles, a aplicação da legislação florestal e o bom governo implica fortalecer uma situação que opera contra sua vontade e interesses e que eles nunca têm aceitado como justa.

Desde sua perspectiva, a atividade madeireira ilegal e a corrupção das corporações e do governo não são os assuntos principais. A atividade madeireira destruidora de suas florestas pelos estranhos, e os abusos aos direitos humanos envolvidos, é o problema real, independentemente da legalidade ou ilegalidade da operação.

A legalidade não é necessariamente sinônimo de legitimidade. O que necessita ser feito é precisamente isso: fazer com que coincidam. Para que isso aconteça, as leis devem ser mudadas drasticamente. Os governos e a sociedade civil devem reconhecer o direito legítimo das comunidades dependentes das florestas através de legislação adequada que reconheça a propriedade comunitária das florestas.

Reconhecer esses direitos seria o primeiro passo –apesar de que não o único- na direção correta. Somente nesse momento a aplicação da lei poderá ser considerada positiva pelas comunidades locais e somente nesse momento o bom governo fará sentido. Até que isso aconteça, continuaremos considerando grande parte do comércio de madeira tropical “legal” como ilegítimo e as corporações envolvidas como intrusas nas terras de outros povos.