A atividade madeireira ilegal tem sido possivelmente o assunto mais debatido no setor florestal em nível internacional recentemente e tem estado atraindo cada vez mais atenção nos últimos dez anos. Os governos, as indústrias madeireiras, as instituições financeiras internacionais e as ONG parecem estar de acordo em que esse é um dos mais importantes assuntos a serem abordados. Ele também tem sido discutido em reuniões de alto perfil.
A discussão do G8 estimulou uma série de conferências de Aplicação da Legislação Florestal e Governança (FLEG) coordenadas pelo Banco Mundial, entre outros, na Ásia Oriental (Bali-Indonésia, setembro de 2001) e na África (Yaoundé, outubro de 2003). Outras estão previstas para a Europa e o Norte da Ásia (novembro de 2005) e possivelmente Latino-américa. Entre os países europeus, o FLEGT (Aplicação da Legislação Florestal, Governança e Comércio) está sendo promovido pela Comissão Européia. Atualmente o FLEG da Ásia Oriental se tem transformado em um ‘acordo guarda-chuva’ para tratados bilaterais entre a Indonésia (produtor) e países consumidores como o Reino Unido, a China e a Noruega.
Além disso, um projeto piloto sobre padrão de legalidade está sendo levado a cabo operacionalmente na Indonésia, com o principal apoio do DFID, a pesar das muitas críticas expressadas por ONGs locais, que dizem que está sendo levado a cabo às pressas (vide: http://www.illegal-logging.info/news.php?newsId=914).
O sistema foi desenvolvido para permitir aos países produtores produzir produtos cuja legalidade possa ser verificada independentemente para satisfazer as novas demandas do mercado, especialmente do mercado europeu. Isso foi transmitido às companhias madeireiras na Indonésia e também a outros países produtores. Disseram-lhes que os mercados estavam exigindo madeira legal verificável independentemente dos fornecedores, e, se for possível, madeira sustentável certificada.
Com esse fim, acreditou-se que a auditoria da prática de colheita de madeira seria capaz de garantir aos clientes que a madeira tinha sido extraída de acordo com as leis florestais. Acreditou-se que um novo sistema de acompanhamento de troncos proporcionaria garantias adicionais de que as exportações de madeira eram legais.
Resta a questão: é a legalidade uma ferramenta para promover a sustentabilidade ou simplesmente um mecanismo guiado pelo mercado para garantir um fornecimento de madeira contínuo?
Na realidade, a “atividade madeireira ilegal” não é nova, já que a história florestal registra que o fenômeno poderia tão antigo quanto a própria exploração florestal. Atualmente se transforma em um assunto principal, em particular devido a sua escala massiva e intensidade na última década. Na Bolívia, no Brasil (Amazonas), Camboja, Camarões, Colômbia, Ghana, Indonésia, Myanmar e Extremo Oriente da Rússia, se transforma no problema principal, já que o volume de madeira obtida ilegalmente ultrapassa de longe o da legal.
No entanto, colocá-la fora de contexto poderia levar à simplificação dos complexos problemas que rodeiam o setor florestal. Além disso, poderia induzi-nos erroneamente a uma noção de que é o único problema florestal e garantir sua legalidade deveria ser suficiente para abordar o assunto. Em países com um sistema e quadro legal pouco claros e corruptos como os da Indonésia, os termos, ‘atividade madeireira ilegal’ e ‘aplicação da lei’ são não apenas pouco claros e confusos, mas também potenciais para fazer surgir conseqüências legais adversas para as pessoas comuns, que muitas vezes estão sujeitas a leis injustas.
Em muitos países governados por regimes autoritários, a maioria das leis florestais são injustas e desfavoráveis para os povos indígenas e locais. As leis que regulamentam os parques nacionais, por exemplo, às vezes ignoram os direitos dos povos indígenas e locais, e até unilateralmente reclamam terras consuetudinárias. Na Indonésia, as leis que regulamentam as concessões florestais e madeireiras estão feitas em violação dos direitos humanos e direitos dos povos indígenas sobre a terra ou seu consentimento prévio e informado. Em caso de que a lei seja sustentada, com certeza vai trazer conseqüências adversas para esses povos.
Em um contexto legal mais complicado, os planos de ação para combater a atividade madeireira ilegal são problemáticos devido à pouco clara definição do que é legalidade e ilegalidade. Os funcionários governamentais poderiam alegar que algumas práticas, principalmente baseadas em costumes tradicionais, são ilegais de acordo com a lei existente, mas os povos indígenas e locais alegariam, por sua vez que seus direitos consuetudinários existiam antes das leis nacionais. Em países como a Indonésia, o assunto é mais complicado ainda pelo fato de que grande parte das terras de florestas não tem sido declaradas oficialmente protegidas pelo Estado conforme exige a lei (por mais informação, ler: http://www.eng.walhi.or.id/kedai/fsc2n3_book/).
Basicamente, a atividade madeireira ilegal é inerente na atividade madeireira legal. A atividade madeireira ilegal somente será possível quando as operações legais e industriais estejam estabelecidas. Em muitos casos, as operações madeireiras legais aproveitam a atividade madeireira ilegal para cobrir ou legalizar sua madeira obtida ilegalmente (isto é, lavagem de madeira). Portanto é ingênuo analisar o fenômeno como parte separada das operações e sistema florestais em geral, que se alega serem legais mas, de fato, destruidoras.
Os enfoques da atividade madeireira ilegal eventualmente levam a soluções que são práticas ou simplesmente técnicas, como acompanhamento, rotulagem de madeira, cadeia de custódia, etc. Esses enfoques não são apropriados para abordar os problemas estruturais ou fundamentais enraizados em muitos países, como a excessiva capacidade para processamento de madeira, insegurança na posse da terra, corrupção e o sistema de concessionários madeireiros. É como um médico que tenta aliviar os sintomas e não curar a doença completamente. O médico somente quer mostrar que ele pode ‘curar’ um paciente e dizer ‘Olhem, agora ele pode voltar a seu trabalho!’
O setor da indústria, bem como o mercado não está totalmente contra as campanhas da ‘atividade madeireira ilegal’. Pelo contrário, parece estar em favor dessas campanhas que vão outorgar mais legitimidade a sua operação madeireira ‘legal’. Portanto, os assuntos florestais se reduzem apenas ao aspecto da legalidade. Do ponto de vista da sustentabilidade, o termo poderia fazer surgir debates a respeito de qual é mais importante: a legalidade ou a sustentabilidade.
No contexto das florestas da Indonésia, que têm estado sendo degradadas e exauridas rapidamente é muito incerto que legalizar uma operação madeireira ou seus produtos associados possa promover a sustentabilidade. De forma realista, a atenção deveria focalizar-se em assuntos de atividade madeireira destruidora e sustentabilidade. De forma similar, para salvar as florestas críticas e milhões de povos dependentes das florestas deveriam fazer-se perguntas a respeito da existência da própria atividade madeireira comercial. Em resumo, a ‘atividade madeireira ilegal’ poderia limitar os assuntos sobre as operações madeireiras comerciais gerais e poderia excluir o público em geral dos debates sobre a sustentabilidade e sobre se a operação madeireira é destruidora ou não.
Não estou dizendo que deveríamos esquecer completamente a legalidade ou os aspectos legais. Estou dizendo que se continuarmos com os enfoques existentes, que percebem a atividade madeireira ilegal como uma parte separada do sistema madeireiro geral, somente acabaremos legalizando as operações destruidoras. Além das existentes leis injustas, as leis não apenas podem (facilmente) mas serão manipuladas. No final, as expectativas dos clientes de produtos verdes não serão satisfeitas e as florestas apenas continuarão sendo exauridas – de forma mais ‘legal’.
Os países doadores e as Instituições Financeiras Internacionais (IFI) às vezem cumprem um rol duplo no setor florestal. De um lado, incentivam os países produtores para combater a atividade madeireira ilegal; de outro lado, continuam subsidiando ou apoiando financeiramente indústrias ou companhias que claramente contribuem com a degradação florestal, como pode perceber-se nos casos da indústria da pasta e do papel, grandes plantações de dendezeiros e para obter madeira para trituração.
Finalmente, o FLEG e seus processos em andamento vão apenas serem efetivos se puderem: (1) dirigir seus processos de ‘aplicação da lei’ para o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas e locais a seus recursos; (2) iniciar um debate sobre ‘aplicação da lei’ para reprimir a corrupção e diminuir a capacidade da indústria madeireira; (3) formular planos de ação política em vez de planos focalizados tecnicamente; e (4) manter a consistência e coerência das políticas e interesse do mercado com as políticas sociais e ambientais para o investimento dos países do Norte.
Por Longgena Ginting, antigo Diretor Executivo de WALHI/FOE Indonésia, e atualmente Coordenador de IFI de FOEI, E-mail: ginting@foei.org