A Indonésia tem um grande problema com a atividade madeireira ilegal. O novo Ministro Florestal, Malam Sambat Kaban chama o corte ilegal de ‘câncer violento’. ‘Se esse ‘vírus’ não for erradicado logo...’ diz, as florestas do país apenas sobreviverão por mais 15 anos. Ele cita as estatísticas, que 60 milhões das 120 milhões de hectares de florestas do país já tem sido degradadas ou destruídas, principalmente nos últimos 20 anos. Aproximadamente 2,8 milhões de hectares estão ainda sendo destruídas todo ano. Sua resposta é a aplicação da lei e o reflorestamento, mas as ONGs locais dizem que a principal solução seria fechar as excessivas fábricas de pasta, as serrarias e as fábricas de compensados, que têm a capacidade de devorar aproximadamente 80 milhões de metros cúbicos ao ano.
Com base em comparações do ‘corte anual permitido’ do país com o volume de madeira que realmente entra às fábricas, as ONGs e os pesquisadores que monitorizam o corte na Indonésia estimam que pelo menos 60-80% da madeira da Indonésia é ‘ilegal’. Mas isso é apenas em termos de um requisito legal – adquirir uma licença para cortar a madeira. Depois de analisar as quase 900 leis que referem às florestas na Indonésia e verificar se são aplicadas, a gente percebe que o volume de corte ‘legal’ é bem menor.
Uma pesquisa realizada pelo “World Agroforestry Centre” (Centro Mundial de Sistemas Agroflorestais) (ICRAF) mostra que, para começar, a condição legal das áreas de florestas sob a jurisdição do Departamento Florestal é extremamente incerta. Somente 12% das áreas de florestas já tem sido declaradas áreas protegidas pelo Estado –o processo através do que as áreas de florestas são classificadas, seus limites são levantados e ajustados por equipes interdepartamentais e depois são registradas oficialmente como Florestas do Estado. A pesquisa do ICRAF também mostra que, apesar de que esse procedimento tenha sido levado a cabo, a condição legal das ‘florestas’ pode ser controvertida, já que muitos dos procedimentos requeridos para estabelecer os limites têm sido levados a cabo apressadamente sem devida consulta com os líderes dos povoados locais, para verificar que as florestas indicadas não se superpõem com áreas onde os povos têm direitos.
Apesar do fato de que o Departamento Florestal não se tem preocupado com analisar o processo legal que lhe outorga a autoridade para emitir concessões, a grande maioria das florestas do país têm sido entregues a companhias para corte e plantações. Estima-se que aproximadamente 600 concessões madeireiras (HPH) têm sido emitidas até agora na Indonésia, sendo o maior número de licenças ativas aproximadamente 450, em finais da década de 80. Desde a década de 90 tem havido uma acentuada diminuição no número de HPH ativas. Hoje há aproximadamente 270. A principal razão da diminuição é que muitas partes da Indonésia já tem sido totalmente cortadas. A maioria dos concessionários também não se tem preocupado com analisar o processo legal de ‘delineamento’, um procedimento destinado a esclarecer que suas concessões não se superpõem com as terras de outros usuários. Os dados do ICRAF mostram que somente 8% das concessões florestais têm sido delineadas devidamente pelas companhias às que lhe foram outorgadas licenças madeireiras, o que significa que a maioria das concessões deveriam perder os direitos.
Enfrentado com a crítica global da prevalência do corte destruidor e a ilegalidade, o Governo da Indonésia tem iniciado uma série de iniciativas para reprimir essas ilegalidades, que incluem a assinatura de um Memorando de Entendimento (MdE) em 2003 sobre “Cooperação para Melhorar a Aplicação da Legislação Florestal e a Governança e para Combater o Corte Ilegal e o Comércio Internacional de Madeira Cortada Ilegalmente e de Produtos Madeireiros Ilegais” assinado entre o Governo do Reino Unido, representado pelo Departamento de Assuntos Ambientais, Florestais e Rurais e o Departamento para o Desenvolvimento Internacional (DFID) e pelo Ministério Florestal indonésio.
De acordo com o MdE, os funcionários aduaneiros britânicos e os encarregados de compras deveriam estar autorizados para rejeitar madeiras ou produtos madeireiros indonésios que não evidenciem serem legais. O DFID está financiando esforços na Indonésia para satisfazer esse requisito. Mas que leis deveriam os fornecedores cumprir e como evidenciariam isso? Depois de dois anos, a busca de um sistema viável para ‘verificar a legalidade’ ainda não mostra resultados, devido não tanto ao fato de que as pessoas não tenham tentado, quanto ao fato de que ninguém pode achar uma concessão madeireira que possa passar a prova.
Pergunte quais são as leis mais importantes ao decidir o que constitui atividade madeireira ‘legal’ e obterá diferentes respostas de diferentes pessoas. Os silvicultores estão mais preocupados com que as regulamentações sobre o manejo técnico e as licenças de corte estejam em ordem. Os conservacionistas se focalizam na atividade madeireira que viola as leis sobre áreas protegidas e espécies ameaçadas e em perigo de extinção. As pessoas que tentam reprimir a corrupção florestal salientam as leis que controlam hectaragem, procedimentos de licitação, pagamentos de impostos e taxas florestais. Os governos regionais insistem em que as leis florestais (que continuam sendo altamente centralizadas) devem estar de acordo com outras leis, que confiam os recursos naturais às autoridades locais. Os que defendem os povos indígenas e o desenvolvimento sustentável salientam leis que protegem os direitos comunitários, entre as que as leis que exigem a declaração de proteção pelo Estado e delineamento de concessões são críticas, principalmente porque o governo indonésio nunca tem desenvolvido nenhum outro processo para registrar e proteger direitos consuetudinários.
Em 2004, The Nature Conservancy (TNC), com fundos do DFID e USAID, anunciou que estava testando um rascunho de ‘Padrão de Legalidade’ que incorpora as mais importantes dessas leis. TNC também tem experimentado um tipo de madeira com código de barras para que possa ser feito o acompanhamento desde o bloco de corte, rio abaixo e através de usinas e fábricas de compensados até os embarques para exportação. Um consórcio local de ativistas florestais, Pokja Hutam tem alegado que as madeiras de fora dessas concessões se misturam com aquelas das áreas de concessão. Enquanto isso, as auditorias experimentais têm demonstrado que até as companhias colaboradoras, dispostas a serem qualificadas como ‘legais’ não têm sido capazes de mostrar que estão cumprindo com a lei. Os auditores também apontam que determinar se as comunidades dentro de concessões têm consentido o zoneamento florestal e limites das concessões é muito difícil. De fato, muitos órgãos independentes de certificação admitem que provavelmente nenhuma das concessões da Indonésia tenha sido estabelecida com o consentimento das comunidades locais, apesar de que isso seja requerido pela lei atualmente.
Uma resposta do Governo indonésio tem sido implantar o “Badan Revitalisasi Industri Kayu” (BRIK – Organismo de Revitalização da Indústria Florestal da Indonésia), que foi estabelecido em 2002 como um organismo parestatal encarregado da monitorização e verificação da legalidade da madeira. Para poder ter acesso a um certificado de legalidade (ETPIK) emitido pelo BRIK, as companhias devem evidenciar: que todas as madeiras que provêm de suas fábricas estão acompanhadas por licenças de transporte (SKSHH); quanta madeira usou a fábrica; e quanta madeira processada produziu. Usando esses números, o BRIK alega que é capaz de demonstrar que uma fábrica está usando apenas madeira autorizada e portanto pode emitir um certificado. O BRIK tem alegado que as fábricas da Indonésia produzem 50-60 milhões de metros cúbicos de equivalente de troncos legais, apesar de que o Corte Anual Permitido de concessões ativas é apenas 5,5 milhões de m3. O BRIK explica a diferença, estabelecendo que os outros 45-55 milhões de m3 provêm de fontes legais, como conversão florestal, corte de plantações de antigos dendezeiros, seringueiras e de sistemas agroflorestais multiestratificados. Ninguém acredita nisso.
O governo alega que os certificados ETPIK fornecem uma garantia da legalidade das madeiras processadas. As agências de desenvolvimento e os comerciantes de madeira têm diferentes visões. Caracterizam o BRIK como: ‘não transparente’, ‘questionável’ e ‘não crível’. É notório que os cruciais certificados SKSHH, nos que o sistema BRIK inteiro se baseia, estão facilmente disponíveis no mercado negro. Apesar de que o sistema BRIK tem alguns méritos –é altamente informatizado, e portanto, nas mãos adequadas, poderia oferecer uma ferramenta útil para fazer o acompanhamento de madeiras – é improvável que reafirme a confiança de compradores perspicazes.
Em maio de 2005, a ‘Aliança Florestal’ Banco Mundial-WWF anunciou seus novos objetivos para as florestas. Até 2015 eles esperam garantir: 25 milhões de novas áreas florestais protegidas pelo Estado, 75 milhões de hectares de manejo melhorado em áreas florestais protegidas; 100 milhões de hectares de florestas sob certificação; 100 milhões de hectares de manejo florestal comunitário e 100 milhões de hectares de florestas em um processo de certificação passo a passo.
Um dos principais veículos do WWF para atingir esse último objetivo é a Global Forest and Trade Network (GFTN), o capítulo local do que na Indonésia é chamado de Nusa Hijau, um projeto de WWF-Indonésia. Como outras partes da GFTN, Nusa Hijau visa a ajudar os concessionários indonésios a vincular-se com compradores enquanto eles gradativamente mas progressivamente melhoram seu manejo florestal através de um ‘enfoque gradual’ da mera legalidade através de um manejo florestal melhorado até uma certificação plena. O processo Nusa Hijau, que usa uma versão simplificada do Padrão de Legalidade TNC/DFID em sua lista de verificação inicial, até o momento não tem conseguido recrutar nenhuma companhia para que seja membro. É o mesmo problema: nenhum concessionário pode provar que é legal. WWF no entanto está disposto a trabalhar com as comunidades locais para ajudá-las a resolverem suas diferenças com os madeireiros.
Um enfoque alternativo está sendo experimentado por Lembaga Ekolabel Indonésia (LEI) que também tem desenvolvido um plano de certificação de madeira nacional, em alguns aspectos similar, mas menos rigoroso que o FSC. De acordo com seu sistema de ‘Verificação da Legalidade da Origem’ (LOV) os auditores, autorizados por LEI identificam as fontes de madeira que ingressam em uma fábrica e a classificam pela origem de concessões florestais, áreas sujeitas a licenças de corte rente, licenças de corte rente em nível de distrito o de fontes desconhecidas. O exercício tem sido pilotado com duas importantes fábricas, a Asia Pulp and Paper e a Indo-Kiat. LEI não considera que LOV seja ‘certificação legal’, mas simplesmente um mecanismo que fornece informação parcial sobre a origem da madeira, já que deixa que os compradores decidam se a madeira dessas fontes é aceitável ou não.
Enquanto isso, o Banco Mundial possui seu próprio ‘Systemic 10 Step Program to curb illegal logging’ (Programa sistêmico de 10 passos para reprimir a atividade madeireira ilegal), conhecido carinhosamente pelas ONGs como os ‘10 Passos do Paraíso’. O passo 2 do plano é ‘identificar as fontes legais de madeira’ através de acordo a respeito da definição de madeira legal. Levando em conta as constatações do ICRAF, o Banco diretamente exige que o Departamento Florestal proceda com o delineamento, demarcação e declaração de proteção pelo Estado das florestas para ‘legitimar e estabelecer certeza para fontes legais reconhecidas’. O problema é que no ritmo atual, o Departamento Florestal não vai poder completar sua tarefa até o ano de 2045!
WALHI, o Forum Ambiental Indonésio e capítulo local de Amigos da Terra, que tem estado pedindo uma moratória à atividade madeireira industrial desde 2001 é céptica a respeito do enfoque inteiro. As moratórias às atividades madeireiras industriais (atualmente estabelecidas em Aceh e Papua) são necessárias no país inteiro, WALHI alega, para permitir espaço para o desenvolvimento de um sistema de manejo florestal transparente e responsável que respeite os direitos comunitários. A atividade madeireira destruidora, apontam, está acontecendo dentro e fora das concessões. A maior parte da perda de florestas dos passados 20 anos tem acontecido por causa das concessões. O desafio não é fazer com que a atividade madeireira seja legal, mas fazer com que seja sustentável. WALHI está preocupado com o fato de que focalizar-se na identificação de ‘atividade madeireira legal’ simplesmente legitima o sistema atual, e perpetuará os negócios que estão sendo feitos às ocultas, pelos quais as concessões são entregues como benefícios para amigos políticos a câmbio de generosos pagamentos aos funcionários florestais e fundos para campanhas eleitorais de partidos políticos. A real economia política da atividade madeireira –para a qual toda a cobertura legal é simplesmente empapelar as fendas- somente pode ser abordada através da detenção do próprio sistema de concessões. De acordo com essa análise, o ‘vírus’ do Ministro Kaban infesta todo o regime florestal e somente a grande cirurgia dá alguma esperança. À medida que todos os doutores estão em desacordo sobre a natureza da doença e sua cura, a prognose para o paciente parece desalentadora.
Marcus Colchester, Forest Peoples Programme: marcus@forestpeoples.org .
Fontes: estudo FPP para TNC vide: http://www.illegal-logging.info/documents.php#144 : Banco Mundial, “A Systemic 10 Step Program to Curb Illegal Logging and Improve Law Enforcement in Indonesia”. (rascunho de agosto de 2005): Jakarta Post 15 de agosto de 2005.