O processo de Aplicação da Legislação Florestal e a Governança na África (AFLEG) seguiu rapidamente o processo da Ásia –apesar de que, na época (e ainda hoje), os resultados práticos do FLEG na Ásia têm permanecido elusivos.
O AFLEG foi proposto e impulsionado pelo Departamento de Estado dos EUA e apoiado financeiramente pelo Banco Mundial, apesar de que nunca ficou claro o objetivo exato ou os resultados esperados do processo. O único ‘evento’ definido ia ser uma ‘cúpula’ interministerial do AFLEG, mas inclusive as preparações para isso foram caóticas. A cúpula ministerial foi adiada repetidamente, evidentemente porque o possível anfitrião –o governo camaronês- ‘não estava preparado’, bem como por causa dos receios de 9/11 de possíveis ataques terroristas.
As ONG e alguns governos tinham apontado antes da reunião que era muito difícil prever de que forma produziria a conferência resultados significativos, a menos que levasse em conta a ampla variedade de diferentes circunstâncias experimentadas em um continente africano altamente diverso. As ONG e alguns governos alegaram que seria necessário que uma declaração ministerial ou plano de ação distinguisse, por exemplo, a destruição ‘ilegal’ de árvores por bodes ou para lenha nos semidesertos de, por exemplo, Níger, da necessidade de abordar o crime internacional altamente organizado onde se enloda grande parte da indústria madeireira nas florestas tropicais da Bacia do Congo.
Da forma em que aconteceu, nada disso foi escutado. A declaração Ministerial com 30 pontos para a ação emitida pela cúpula –que finalmente se realizou em Yaoundé em outubro de 2003- foi extremamente geral, essencialmente impossível de implementar, e condenada pelas ONG africanas.
Com a ajuda da Rainforest Foundation, Forest Monitor e CED do Camarões, ONG da região da Bacia do Congo prepararam uma série de estudos de casos específicos, mostrando exemplos dos problemas que os governos da região necessitavam abordar. Uma das conclusões principais às que chegaram vários autores do relatório foi que simplesmente ‘fortalecer a aplicação’ das leis florestais da África não seria muito útil, porque as leis são em grande parte anti-ambientais, anti-pobreza e anti-comunidade. Apesar de que esse documento seja considerado amplamente como a contribuição mais importante para a reunião, não obteve qualquer resposta –nesse momento nem depois- de nenhum dos governos nem das agências internacionais que apoiavam o AFLEG [http://www.rainforestfoundationuk.org/s-Congo%20Basin%20Forests%20and%20the%20Law].
Logicamente, a cúpula Ministerial deveria ter sido o começo do processo, em vez de sua efetiva conclusão. As declarações ministeriais em qualquer contexto geralmente devem ser tratadas com grande precaução; na Bacia do Congo, tem havido um longo e deprimente histórico de valiosas declarações Ministeriais sobre manejo florestal e conservação que resultaram em zero ação. O processo AFLEG não parece ser a exceção; depois da reunião parece que não tem acontecido quase nada.
O Departamento para o Desenvolvimento Internacional do governo do Reino Unido tem financiado a IUCN para liderar um processo de acompanhamento com ‘múltiplas partes interessadas’, mas não resulta claro o que foi atingido, se alguma coisa já tem sido atingida. Enquanto isso, a União Européia tem objetivado alguns países africanos, incluindo Camarões, para discussões bilaterais sobre ‘acordos de associação voluntária’, apesar de que esses acordos requereriam consenso sobre uma definição de ‘legalidade’ o que, no contexto africano, é provável que resulte extremamente problemático.
Deixar de lado as dúvidas a respeito de se o AFLEG pode fornecer alguma ação significativa, inclusive dentro de sua própria competência limitada, um enfoque desse tipo esquece completamente o tratamento de todos os problemas sérios e subjacentes do manejo florestal em muitas partes da África; inclusive as operações madeireiras legais são ambientalmente, socialmente e economicamente insustentáveis. A necessidade mais urgente é de reforma dos sistemas de posse florestal que, atualmente quase universalmente marginalizam os pobres e os dependentes das florestas em favor de grandes interesses madeireiros industriais.
Inclusive assumindo que o AFLEG tem alguns resultados práticos, há sérias preocupações a respeito das prováveis conseqüências no longo prazo. Como a reunião do Reino Unido com os políticos camaroneses recentemente apontou, as companhias que respondem a pressão pública e política são “companhias quase totalmente européias ou internacionais, em vez de indígenas”. Isso apresenta outro perigo –que o ‘debate da legalidade’ poderia ser uma maneira pela que as grandes companhias consolidem ainda mais suas propriedades, na mesma forma que, historicamente, as companhias madeireiras do mundo inteiro têm eliminado sua concorrência em pequena escala através de legislação restritiva, relativa a cortes anuais permitidos, níveis de processamento e mais recentemente ‘sustentabilidade’. O problema tem sido que, uma vez que vastas áreas de florestas têm sido acumuladas nas mãos de poucas companhias, essas companhias tendem a dominar todos os posteriores processos de política, ignorando a democracia, e efetivamente blocando qualquer possibilidade de usos florestais mais diversos.
Mas um problema bem maior no curto prazo é enfrentado pelo processo AFLEG. Apesar da falta de qualquer ação importante sobre a atividade madeireira ilegal em decorrência do AFLEG, tem havido uma tendência das agências internacionais a resumir o debate inteiro sobre florestamento na África em termos do processo ‘FLEG’. Por exemplo, em uma reunião recente entre o governo do Reino Unido e os parlamentares camaroneses, foi estabelecido que “o EU FLEGT é agora o principal mecanismo coordenado, pelo qual governos dos estados membros europeus abordarão os problemas florestais em países em desenvolvimento produtores de madeira” [Exposição de Chatham House em visita a UL pela delegação parlamentar camaronesa – www.illegal-logging.info]. Apesar de que se reconhece que o ‘consenso’ ainda é elusivo, o suposto é que é possível achar soluções técnicas para tratar os problemas.
O que isso omite é a razão subjacente para a evidente ‘ilegalidade’ na indústria madeireira africana; que a indústria é parte integral e essencial de sistemas políticos corruptos patrono-cliente, incluindo os mais altos níveis de autoridade. Para alguns líderes e funcionários superiores africanos, as concessões madeireiras são ao mesmo tempo um meio de transformar bens públicos em riqueza privada, de recompensar amigos políticos e subornar inimigos políticos, de pacificar rebeldes e desafios políticos, de financiar campanhas de ‘eleições’, de sufocar distúrbios civis, de provocar distúrbios civis, de capturar fundos de doadores…
Em alguns países os níveis mais altos do governo estão envolvidos. No Camarões, por exemplo, os repetidos relatórios emitidos pelo Observador Independente oficial do setor florestal –Global Witness- tem demonstrado que a família do Presidente Biya está envolvida em operações madeireiras ilegais, e no entanto, a comunidade internacional não tem podido tomar qualquer medida significativa contra os culpados. No Gabão, constatou-se recentemente não apenas que o Presidente Bongo, sua família e cada ministro importante do governo possui concessões florestais, mas que nenhum deles tem pagado os impostos estabelecidos e portanto estavam operando ilegalmente.
Esses problemas não podem ser abordados através dos ‘acordos de associação voluntária’ do FLEG-T nem na realidade através de nenhum ‘arranjo técnico’. Somente podem ser abordados através de ação política determinada no mais alto nível e vontade de enfrentar parte da elite política mais entrincheirada da África. Lamentavelmente no momento, todos os regimes da Bacia do Congo são os ‘prediletos’ da Europa e por diferentes razões geopolíticas, dos EUA, e há poucas perspectivas de que semelhantes dos Presidentes Biya ou Bongo ou seus sucessores dinásticos, sejam desafiados.
Nesse contexto, o ‘processo AFLEG’ poderia ser percebido como uma tentativa cínica de parecer estar ‘fazendo alguma coisa’ apesar de que se sabe bem por seus partidários que pouco ou nada poderia possivelmente resultar disso. No pior dos casos, ajudar a legitimar grandes companhias madeireiras serviria para socavar as perspectivas de formas alternativas, menos destruidoras, e mais benéficas para o desenvolvimento, de manejar as florestas da África. Em vez de ajudar às companhias madeireiras bandidas da África a comercializar sua madeira, a comunidade internacional deveria estar procurando agora de que forma essas florestas podem ser manejadas para o benefício direto das pessoas que vivem nelas e perto delas e dependem dessas florestas para sua subsistência.
Por Simon Counsell, Rainforest Foundation UK, E-mail: SimonC@rainforestuk.com