Em 13 de dezembro de 2004, o Congresso paraguaio aprovou a Lei nº2524 "de proibição na Região Oriental das Atividades de Transformação e Conversão de Superfícies com Coberta Florestal". Posteriormente, essa lei ficou conhecida como a Lei de Desflorestamento Zero. A Lei estabelece como objetivo principal "propiciar a proteção, recuperação e a melhora da floresta nativa na Região Oriental". Portanto, a partir da data de promulgação da presente Lei e por um período de dois anos, fica "proibida a emissão de permissões, licenças, autorizações e/ou qualquer documento juridicamente válido que ampare a transformação ou conversão de superfícies com coberta de florestas nativas a superfícies voltadas para o aproveitamento agropecuário em quaisquer modalidades, ou a superfícies destinadas a assentamentos humanos".
Os decretos no Paraguai têm suas histórias e por decreto, inúmeras ações foram declaradas, proibidas, permitidas ou promovidas sendo algumas delas benéficas e outras com resultados catastróficos para a cidadania. O Decreto- Lei 2524/04 não foge do esquema usado para elaborar e aceitar leis nesse país. Esta situação nos leva a considerarmos alguns itens relacionados com a efetividade de tal Lei para "propiciar a proteção, recuperação e melhora da floresa nativa" bem como o contexto temporal e social em que surge a Lei:
- Em 2 de novembro de 2004, um mês antes da promulgação da Lei 2524, a Secretaria do Ambiente decide através da Resolução nº1133 que "as Licenças Ambientais ou Declarações de Impacto Ambiental concedidas pela Secretaria do Ambiente (SEAM) no Contexto da Lei de Impacto Ambiental, para planos de uso da terra, não contemplam a Autorização de Desflorestação, ficando sob exclusiva responsabilidade do Serviço Florestal Nacional a aprovação de desmatamentos propostos nos planos de uso da terra". Assim. A SEAM deixa em mãos do Serviço Florestal Nacional (repartição do Ministério da Agricultura e Pecuária) a responsabilidade de conceder as permissões para desflorestamentos.
- A região Oriental tem menos de um milhão setecentas mil hectares de florestas remanescentes das mais de oito milhões quinhentas mil hectares que tinha há quarenta anos. Este desflorestamento foi incentivado pelo próprio governo através de planos de extensão da fronteira agrícola, créditos para os grandes latifundiários e com a especulação imobiliária por trás da construção de estradas e duas grandes represas, ações todas elas contextualizadas dentro de planos e créditos oferecidos especialmente para essas atividades por instituições financeiras internacionais tais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco Mundial e com a assessoria técnica da FAO, na maioria dos casos. Muitos desses planos e projetos continuam até hoje sem qualquer mudança.
- A Lei tem um período de vigor, inicialmente, de dois anos, tempo que não permite visualizar mudanças, melhoras ou recuperação alguma na maioria das áreas que têm sido desflorestadas e que hoje estão ocupadas por latifúndios pecuários ou monoculturas de soja.
- A Lei não menciona a Região Ocidental do País (que representa 61% do território), coberta em grande parte por florestas sobre solos sumamente frágeis e onde o desflorestamento avança a grandes passos, provocando desertificação, pobreza e expulsão de comunidades indígenas de seus territórios ancestrais.
- A Lei surge em um momento de grande tensão social e de mobilizações camponesas que procuram reivindicar seu direito à terra.
A rápida promulgação desta Lei, junto aos itens acima citados, provocam em nós a dúvida sobre o verdadeiro objetivo do decreto e acima de tudo sobre a sua efetividade para deter o desflorestamento, quando as verdadeiras causas não são analisadas, quando ainda hoje as autoridades responsáveis de promover e cobrar o cumprimento das leis são as primeiras que as descumprem.
Exemplos disso tudo surgem todos os dias. Um deles foi no dia 28 de janeiro deste ano, pouco depois de um mês de ter sido aprovada a lei, quando um "honorável" Deputado da Câmara Baixa do Congresso ordenou a liberação de um caminhão que transportava toras (madeira sem serrar) de forma ilegal. Mesmo que o caminhão, o motorista e as toras não tivessem documentos, o deputado ordenou a liberação e ameaçou a fiscal que tinha detido o caminhão com a remoção do cargo. Estas ações do deputado provocaram a reação da sociedade civil que está exigindo que seja desaforado. Contudo, será muito trabalhoso já que o deputado envolvido pertence ao partido que está no poder e que tem maioria no Congresso.
Tudo o que foi acima mencionado e outros inúmeros casos de abuso de poder e de desídia das autoridades ao tratarem temas ambientais e acima de tudo sociais nos fazem duvidar desta Lei e de sua efetividade como mecanismos para deter o processo de desflorestamento, já que, além do mais, apenas apresenta como alternativa a proibição, sem mencionar processos de uso sustentável, ordenamento territorial e recuperação das áreas que têm sido desflorestadas.
Por: María José López, Sobrevivência, e-mail: bosques@sobrevivencia.org.py , www.sobrevivencia.org.py