Plantas de celulose e plantios de árvores: uma dupla no poder

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O desapossamento, o desmatamento e a poluição causados pela indústria da celulose e do papel estão relacionados a uma dinâmica de crescimento, concentração e intensificação do capital que tem caracterizado a indústria desde a Revolução Industrial. Crucial para esta dinâmica são as tentativas da indústria e seus aliados para remodenizar a infra-estrutura tanto política quanto física, captando subsídios, gestionando demandas, centralizando o poder, e evadindo, digerindo e regulamentando a resistência. Nesse contexto, a pretensão de que a indústria ajude a sociedade a satisfazer suas necessidades pré- existentes "mais eficientemente" faz pouco sentido.

Eis aqui algumas suposições freqüentes embora falsas a respeito da indústria do papel e da celulose:

- Companhias de papel e celulose não modificam as metas e necessidades da sociedade, pelo contrário, as deixam intocadas; elas apenas fornecem prosperidade, bens e empregos que ajudam a sociedade a fazer melhor o que já está fazendo.

- É apenas a exigência de serem eficientes e competitivas que faz que tais empresas aumentem o tamanho das instalações de celulose e papel e procurem lugares no mundo afora onde seja possível baixar os custos de produção.

- Qualquer rompimento social e ambiental que resultar dessa expansão requer, no mínimo, alguns ajustes no aparato mercantil ou sistema regulador estatal, mas não uma reconsideração da escala industrial, das relações estruturais ou políticas com a sociedade.

A despeito dessas reclamações, a exigência da indústria para uma expansão mundial em grande escala não pode ser explicada apenas por " questões econômicas". Mas também não se trata de uma conspiração política de pessoas com inteligência superior reunidas em salas de corporações transnacionais agindo com a descuidada tranqüilidade de sua onipotência. Estruturas sociais sensíveis às necessidades das elites da celulosa e do papel são construídas, expandidas e melhoradas apenas através de esforços políticos de uma multidão de agentes com diferentes interesses e motivações, que trabalham juntos de uma forma ad hoc e às vezes descoordenada em interação com um entorno sempre variável de resistência e de diferentes qualidades de terra e materiais naturais.

A evolução da tecnologia da celulosa e do papel sempre esteve relacionada não só com o lucro ou a eficiência como também com a tentativa de pequenas elites de reestruturar o poder em seu favor.

A passagem do uso de tecido ao uso da madeira como matéria prima reforçou a confiança dos fabricantes de papel em plantas de grande porte e altamente automatizadas. O equipamento para picar a madeira em cavacos e os moedores de pedra usados para processar toras produziam celulose demais para as pequenas plantas de papel poderem absorbê-la. Quanto mais a indústria do papel e da celulose investia em grandes maquinários de celulose e papel adaptados ao uso da madeira, integrados com a indústria madeireira e desligados de qualquer outra fonte de matéria prima, menos o comércio considerava outras formas de tratar a questão. Hoje, 90 por cento da polpa de papel é obtida da madeira, tanto moendo a madeira quanto cortando-a em lascas e posteriormente colocando-a em ebulição com produtos químicos fortes. Este processo requer grandes quantidades de água fresca e energia e consome, ao ano, cerca do equivalente da madeira que cobriria 20 mil quilômetros quadrados de terra arborizada.

Entre os magnatas dos jornais de início do século 20 da América do Norte e da Grã- Bretanha foi estabelecida uma rivalidade por status para construir as cada vez maiores máquinas de papel, rivalidade que contribuiu ainda mais ao crescimento em escala. Por volta de 1975, os fabricantes de grandes máquinas investiram em ferramentas adequadas a elas. Esse fato dificultou ainda mais a produção para aqueles que não fossem grandes investidores em papel. E o acesso à corrente dominante do conhecimento sobre a fabricação do papel ficou restrito não apenas ao capital mas aos grandes capitais. Hoje em dia, a maior parte da polpa da madeira usada na fabricação de papel para impressão de jornais, para embalagem e para escrever brota de um pequeno número de plantas espalhadas que sobressaem por causa do custoso maquinário computadorizado que tem um valor de US$ 1 bilhão ou mais per capita.

Uma conseqüência do fato de quase todo novo investimento em celulose ser em grande escala é que cada nova demanda inevitavelmente implica um maior investimento em capacidade produtiva do que, hoje em dia, seria necessário para satisfazê-la. Isso traz como conseqüência um círculo selvagem de auge e fracasso. Em 1993, por exemplo, depois de um sobre- investimento, os preços da celulose despencaram até a metade do que tinham sido quatro anos antes, acarretando perdas descomunais, redução de custos, fechamentos, fusões e mudanças de comando. Não é surpreendente que a indústria sinta a pressão de criar novas demandas de um modo que modere futuras quedas de preços. A produção em grande escala pode ser tanto a causa quanto o efeito dos esforços por reorganizar a sociedade com caminhos favoráveis a uns poucos atores centrais.

As enormes máquinas de celulose que caracterizam a indústria atual devem funcionar 24 horas diarias para pagarem em dia as dívidas decorrentes de sua construção. Isso reforça a necessidade das fábricas de terem segurança, acesso conveniente a grandes fornecimentos de água, madeira- e a enormes e contíguas áreas de terra a seu dispor. Hoje em dia, as enormes fábricas de celulose acham quase impossível compartilhar as paisagens que ocupam com comunidades locais que já possuem uma variedade de atividades agrícolas, pesqueiras e de colheita para a subsistência. Eles trabalham bem melhor com simples e compactas populações de árvores favoráveis à indústria do que com, por exemplo, florestas nativas reservadas para uma variedade de usos.

Ainda por cima, as grandes plantas, atualmente, exigem a construção de caminhos ou canais que conectem diretamente o lugar de corte e a fábrica, substituindo a rede de lentos sistemas de transporte que unem uma área com a outra. Elas privilegiam o crescimento de cidades industriais nas que todos trabalham para a fábrica em detrimento de comunidades com diferentes meios de vida. Isso tudo fornece incentivos para a propagação de uma ideologia que privilegia uma aparente demanda "mundial" de celulose sobre as variadas demandas locais de lotes para cada agricultor, as diversas florestas nativas, água e ar limpos e a manutenção de práticas artesanais de granulação que possibilitam o controle local sobre as florestas nativas e as áreas alagadas.

A indústria do papel e da celulose, freqüentemente, justifica sua preferência pela produção em grande escala, com sistemas monocentrados sobre mosaicos sociais multi-centrados sustentando que eles ajudam a liberar "eficiências" econômicas latentes. Não obstante, a demanda que vai ser satisfeita "eficientemente" deveria ser criada com anterioridade, e as paisagens homogeneizadas através de recursos políticos, antes que a conversa sobre "eficiência" venha a fazer sentido. Do ponto de vista de um agricultor, por exemplo no Sudeste asiático, a engenharia hoje centralizada nos sistemas de celulose e de papel acarreta perdas não compensadas de água, solo, forragem, peixes, transporte ou meios de vida em geral- nesta perspectiva, então, dificilmente significam um ganho em "eficiência".

Como as florestas nativas estão exaurindo e a resistência local foi provocada, as indústrias de celulose e papel estão se tornando, cada vez mais, plantios industriais de árvores para abastecer-se de grandes quantidades de matéria prima fresca e uniforme em menores parcelas de terra, evitando assim conflitos com outros usos do solo. Mesmo que os plantios industriais geralmente forneçam cerca da quarta parte da demanda mundial de polpa de madeira (dado do ano 2000), esta proporção está destinada a aumentar, por causa do desmatamento, das limitações da reciclagem (as fibras só podem ser reutilizadas poucas vezes antes de se transformarem em pó) e da resistência da maior parte da indústria ao uso de outros materiais além da madeira.

Esta mudança de plantios de madeira para celulose fornece maiores incentivos para a indústria deslocar a produção de fibras em estado natural a novas regiões, especialmente ao Sul. Em países como Brasil e Indonésia, árvores do tipo de eucaliptos ou acácias crescem mais rapidamente, a terra é mais barata e as companhias podem ser beneficiadas com mão-de- obra de menor custo e mais severas políticas de repressão que no Norte. Isso tudo garante preços baixos para a madeira, que, como Robert A. Wilson do conglomerado anglo- francês Arjo Wiggins Appleton, observa, é "a estratégia que norteia a indústria ... a chave de uma competitividade diferenciadora"

As plantas de celulose estão, geralmente, integradas com os novos plantios do Sul. Isso não é apenas porque é mais econômico combinar a produção de madeira e polpa que produzi-las separadamente e exportar a fibra como polpa- sua forma mais concentrada, antes que em sua forma aquosa de cavacos de madeira, mas também porque as regulamentações ambientais são mais flexíveis no Sul do que no Norte, os subsídios estrangeiros são mais fáceis de conseguir, e o consumo, em especial na região asiática do Pacífico, provavelmente cresça mais rapidamente. Assim, embora nem o Brasil nem o Chile, por exemplo, tenham tido, tradicionalmente, uma indústria de papel e celulose forte, agora estão entre os dez maiores exportadores de celulose, sendo seus principais clientes países industrializados. A produção da celulose na Indonésia aumentou de 980 mil toneladas em 1987 a 8 milhões de toneladas no final de 2000.

Em resumo, as grandes empresas de celulose e papel da atualidade, como um organismo biológico, estão restringidas por suas heranças- incluindo imensas, pesadas máquinas e confiança nas fibras de madeira- e devem sua sobrevivência, principalmente, à força de todos os atores que estão nos bastidores: companhias consultoras, fornecedoras de tecnologia, associações e alianças industriais, agências bilaterais, investimentos estatais, agências de crédito para a exportação, agências multilaterais, governos nacionais, institutos de pesquisa e ONGs, com quem se desenvolveram em cooperação ou em simbiose. Como uma planta ou animal, uma companhia não se adapta passivamente a um meio ambiente fixo, porém, com a ajuda de seus aliados, faz constantes modificações nele- minando, necessariamente, formas de poder para controlar as terras locais enquanto se estende o domínio de regras uniformes de intercâmbio; implementando novos trabalhos em equipe tanto financeiros, físicos, legais quanto culturais com recursos e subsídios que podem ser extraídos de localidades centrais e novas formas de influência podem ser exercidas sobre trabalhadores e opositores; recanalizando costumes e sonhos em formas satisfatórias através do consumo de papel; e tentando substituir relações públicas pelos riscos do debate democrático. Em geral, tecnologias destrutivas que deslancham a demanda dos consumidores e o crescente fenômeno da globalização são produtos menos "econômicos" que políticos.

Extraído e adaptado de: "Pulp, Paper and Power: How an Industry Reshapes its Social Environment", Larry Lohmann, 1995, The Corner House, http://www.thecornerhouse.org.uk/document/pulp.html ; Mercado mundial de la celulosa, http://www.papelnet.cl/celulosa/mercado_mundial.htm ; "Timber Market Trends: Global and Southern Perspectives", Bob Abt and Fred Cubbage, http://natural-resources.ncsu.edu/wps/fps/ABTCUBBA.PDF