A brancura de uma folha de papel encobre escuras histórias de degradação ambiental e desapossamento social. No entanto, essas histórias são raramente conhecidas pelos consumidores que moram longe dos locais onde a matéria-prima –a madeira- é obtida e onde a celulose e o papel são produzidos. Portanto é importante conhecer –e contar- a história.
Boletim Nro 83 - Junho 2004
Os impactos da produção de celulose
TEMA CENTRAL DESTE NÚMERO: OS IMPACTOS DA PRODUÇÃO DE CELULOSE
A produção de celulose e papel tem estado por muito tempo associada com o desmatamento e a poluição ambiental. Mais recentemente, tem sido o motor da expansão das monoculturas de árvores de crescimento rápido para alimentar o crescente consumo de papel e papelão. Como as árvores crescem mais rapidamente nos países tropicais e subtropicais –onde as terras, a água e a mão de obra são baratas e onde a proteção ambiental é menos rigorosa que no Norte- a indústria também tem começado a levar a produção de celulose para o Sul. Em virtude do caráter destruidor das plantações de árvores para a produção de celulose, pensamos que seria útil para as pessoas vinculadas às plantações ou afetadas por elas ou pela poluição relacionada com a celulose, dedicar um boletim inteiro do WRM a esse assunto. A primeira parte do boletim visa a clarificar os aspectos gerais da produção da celulose e seu consumo, enquanto a segunda parte focaliza situações específicas por país.Boletim WRM
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Junho 2004
NOSSO PONTO DE VISTA
O CENÁRIO DA CELULOSE E DO PAPEL
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29 Junho 2004Há muito tempo, a necessidade de nossos primeiros antepassados de transmitir palavras e imagens foi plasmada em paredes de pedra, tábuas de argila, tábuas recobertas de cera, peles de animais e outros meios. Depois, aproximadamente 3000 anos AC, os egípcios começaram a escrever em papiros. Os hastes do papiro eram laminados em tiras (como as lascas de bambu na China). Atribui-se a Ts’ai Lun, um funcionário chinês a invenção do primeiro papel real aproximadamente em 105 DC, transformando amoreiras, redes de pesca de cânhamo e trapos num material que permitia à caligrafia numa superfície lisa. Os rolos de pergaminho continuaram sendo a unidade de armazenagem de informação standard até o aparecimento do códex ou caderno de folhas dobráveis no século quarto DC.
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29 Junho 2004As fábricas de celulose se dedicam ao processamento da madeira para a obtenção da principal matéria-prima para a produção de papel: a polpa ou pasta. Trata-se geralmente de grandes fábricas localizadas nas mesmas áreas onde a madeira é colhida, isto é, perto de florestas ou plantações de monoculturas de árvores, onde se facilite o transporte de troncos, abaratando desse jeito as despesas com o transporte. Basicamente a madeira está constituída por lignina e fibras de celulose e o primeiro passo para a obtenção da pasta consiste em triturar a madeira sólida. De acordo com os processos utilizados, distinguem-se dois tipos de pasta:
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29 Junho 2004O desapossamento, o desmatamento e a poluição causados pela indústria da celulose e do papel estão relacionados a uma dinâmica de crescimento, concentração e intensificação do capital que tem caracterizado a indústria desde a Revolução Industrial. Crucial para esta dinâmica são as tentativas da indústria e seus aliados para remodenizar a infra-estrutura tanto política quanto física, captando subsídios, gestionando demandas, centralizando o poder, e evadindo, digerindo e regulamentando a resistência. Nesse contexto, a pretensão de que a indústria ajude a sociedade a satisfazer suas necessidades pré- existentes "mais eficientemente" faz pouco sentido. Eis aqui algumas suposições freqüentes embora falsas a respeito da indústria do papel e da celulose:
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29 Junho 2004Em se tratando de produção em grande escala das plantas de celulose, é necessário que elas simplifiquem, sob uma autoridade central, não apenas paisagens, diversidade biológica e diversidade genética, como também sistemas políticos. É que o tamanho das plantas e a paisagem que reorganizam ao redor delas implica que, para sobreviver, elas precisam, a todo momento, captar subsídios, estimular demandas - e acima de tudo, controlar a resistência tanto das pessoas quanto da paisagem.
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29 Junho 2004Ashis Nandy, o psicólogo hindu e crítico social definiu o progresso como o “Crescimento na conscientização da opressão". O que ele queria dizer, é que temos a sorte de que devido ao auge dos movimentos feministas hoje somos mais conscientes do que antigamente da forma em que as mulheres tem sido explotadas, de que devido às lutas anti-racistas, sabemos mais sobre muitas formas de opressão, que devido às longas horas que os eruditos radicais passam em suas bibliotecas, entendemos melhor a exploração econômica. E quem poderia negar que o consumo de papel –materiais de escrita, livros- tem tido sua participação em tudo isso? Mas isso quer dizer que podemos equiparar o consumo de papel com o progresso?
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29 Junho 2004O cenário atual, no que a maioria dos países transformaram-se em simples mercados para um grupo crescentemente reduzido de poderosas empresas que os dividem entre elas e mantêm uma rede de vinculações comerciais –para os que desejam cada vez mais “via libre”- fabricou-se também com a linguagem e a introdução de conceitos que são impostos como verdades. É assim que no assunto do papel e sua imposição como produtos de consumo crescente, a linguagem também tem sido utilizada para criar uma enganosa identificação entre consumo de papel e alfabetismo, que implica que se requer mais papel (e portanto mais plantações para alimentar mais fábricas de celulose) para fornecer material de leitura e escrita a povos crescentemente alfabetizados.
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29 Junho 2004Fabricar papel branco e limpo a partir de árvores é um negócio sujo. Para fabricar celulose kraft branqueada as árvores são transformados em cavacos que, posteriormente, passam por um processo de cozimento sob pressão, lavagem e branqueamento. No processo de cozimento, são usados produtos químicos tóxicos para remover a lignina, uma substância similar à cola que mantém ligadas as células da madeira e faz as árvores serem fortes. Por ser a lignina a causadora do amarelamento do papel, qualquer lignina remanescente deve ser branqueada.
OS IMPACTOS LOCAIS DAS FÁBRICAS DE CELULOSE
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29 Junho 2004Iniciou-se no Norte do Espírito Santo, Extremo Sul da Bahia e Nordeste de Minas Gerais, um novo ciclo de aumento da produção de celulose de eucalipto para exportação, com a inauguração em 2002 da nova fábrica da Aracruz Celulose. Essa empresa elevou sua produção anual de celulose de 1,2 para 2,0 milhões de toneladas, com previsão de chegar a 2,4 milhões de toneladas. A Veracel Celulose, de propriedade da Aracruz e da sueco-finlandesa Stora Enso, está construindo neste momento sua primeira fábrica de celulose de eucalipto, a maior do mundo, com uma capacidade produtiva de 900 mil toneladas ao ano. A Bahia Sul Celulose, de propriedade da Suzano Papel e Celulose, triplicará sua produção anual de celulose e pretende chegar a 1,7 milhões de toneladas.
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29 Junho 2004Depois de 22 meses de construção e com um atraso de quase cinco anos de acordo com o programado pela Celulosa Arauco y Constitución (Celco), filial florestal do Grupo Angelini, no passado 30 de janeiro, Alejandro Pérez, Gerente Geral da Celco, anunciava o início da produção de seu “Histórico Investimento”: a Fábrica Valdivia na Região dos Lagos. O atraso deveu-se à resistência de organizações da sociedade civil, ecologistas, indígenas, camponesas e particularmente dos moradores da localidade costeira Mehuin, os que por mais de três anos mobilizaram-se com sucesso para impedir que a Celco levasse seus resíduos líquidos à baía de Maiquillahue.
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29 Junho 2004O Uruguai tem sido um dos países da região que melhor e mais cedo tem cumprido com os deveres que outros lhe impuseram. Já em 1951, uma missão conjunta da FAO e do Banco Mundial fez uma série de recomendações sobre o desenvolvimento florestal do país, que constituíram a base das leis florestais aprovadas em 1968 e 1987. Sua visão implicava a promoção de plantações de espécies aptas para a indústria madeireira no marco de um modelo exportador, para o que o manejo florestal é mais uma atividade empresarial ou fabril.
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3 Junho 2004A produção de celulose e papel no Quênia está atualmente dominada por uma empresa, a Pan African Paper Mills (Panpaper), que é uma joint venture entre o Governo do Quênia, o setor de investimento privado do Banco Mundial -a Corporação Financeira Internacional (IFC)- e a Orient Paper Mills, que faz parte do grupo Birhla da Índia. A fábrica de celulose foi estabelecida em 1974 e está sediada na cidade de Webuye, com uma população de aproximadamente 60.000 pessoas, nas margens do rio Nzoia que verte no Lago Vitória.
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3 Junho 2004Para muitos grupos e indíviduos, no mundo todo, ‘Pulping the South’(Transformando o Sul em celulose) foi uma publicação icônica, escrita por Larry Lohmann e Ricardo Carrere. As pessoas interessadas já sabiam de muitos dos assuntos e problemas associados à expansão dos plantios de monocultura de árvores nos países do Sul, porém, foi esta publicação do WRM que fez o mundo se surpreender. Na África de Sul, organizações tais como a Timberwatch começaram a prestar mais atenção em assuntos ambientais e socioeconômicos associados aos próprios plantios de madeira, bem como aos impactos negativos das atividades do processo industrial que tinham escapado, até então, da consciência da sociedade em geral.
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3 Junho 2004Desde 1996, em um esforço para controlar a poluição, a Administração Estatal de Proteção Ambiental da China vem fechando milhares de plantas de papel e celulose. "Uma parcela significativa dos problemas envolvendo poluição da água, tanto urbana quanto rural provém das indústrias e, particularmente, da indústria do papel e celulose", apontou o Banco Mundial em um relatório a respeito da indústria chinesa do papel e celulose no ano 2000.
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3 Junho 2004No início da década de 80, o governo indonésio lançou um plano florestal ambicioso chamado “Desenvolvimento das Plantações Madeireiras Industriais (HTI) e da Indústria da Celulose”. Nas etapas iniciais de seu desenvolvimento, alegava-se que as plantações para celulose reabilitavam terras degradadas e reduziam a pressão sobre as florestas naturais. Essa publicidade enganosa pretendia realmente disfarçar um ambicioso plano do governo indonésio para que o país se transformasse num dos principais produtores de celulose e papel.
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3 Junho 2004Estabelecida em 1989, a Advance Agro Public Company Limited está localizada na província de Prachinburi, sendo sua atividade principal a produção e a venda de celulose e papel para escrever e para imprimir. A companhia tem uma capacidade de produção de celulose kraft branqueada de 175 mil toneladas ao ano. Ainda produz celulose branqueada de fibra curta para duas outras plantas que operam sob a Advance Agro Pulp, com uma capacidade conjunta de 427 mil toneladas e papel para imprimir e para escrever, com uma capacidade anual de 250 mil toneladas. Conjuntamente com duas plantas subsidiárias (High Tech Paper e Advance Paper) a Advace Agro tem uma capacidade anual de produção de 500 mil toneladas. Cerca de 70% de sua produção é exportada para China, EUA, Hong Kong e Japão.
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3 Junho 2004Poucos metros além das paredes exteriores da planta de papel Tan Mai, existe uma "próspera indústria" à sombra dos coqueiros. Dos tanques em que são despejados os efluentes da fábrica, os moradores locais tiram sua "matéria prima" usando redes que transbordam a "colheita" do dia: as fibras de papel que ficam nas águas residuais da planta.