As fábricas de celulose se dedicam ao processamento da madeira para a obtenção da principal matéria-prima para a produção de papel: a polpa ou pasta. Trata-se geralmente de grandes fábricas localizadas nas mesmas áreas onde a madeira é colhida, isto é, perto de florestas ou plantações de monoculturas de árvores, onde se facilite o transporte de troncos, abaratando desse jeito as despesas com o transporte.
Basicamente a madeira está constituída por lignina e fibras de celulose e o primeiro passo para a obtenção da pasta consiste em triturar a madeira sólida. De acordo com os processos utilizados, distinguem-se dois tipos de pasta:
* A pasta mecânica. Os processos mecânicos trituram a madeira e liberam as fibras. Esse procedimento transforma até 95% da madeira em pasta, mas conserva a lignina, o que depois fornece uma coloração amarronzada ou amarelenta ao papel. Esse tipo de pasta utiliza-se principalmente para papel de jornal e outros produtos nos que a qualidade de impressão não é tão importante.
* A pasta química. A madeira é transformada primeiramente em pequenas lascas e depois submetida a cozimento com produtos químicos, seguido por um processo de refinação. A extração química separa a lignina da celulosa para que ela fique como produto final. Isso se consegue através de hidrólise (reação com água) sob condições de maior temperatura, com uso de produtos químicos e com grande consumo de energia. Conforme o produto químico utilizado, distingue-se: 1) o processo “kraft” ou “ao sulfato” (atualmente o mais comum) que coze as lascas de madeira com soda cáustica; 2) o processo “ao sulfito” (que prevaleceu na indústria do papel desde o final do século XIX até meados do século XX), que coze as lascas de madeira numa solução ácida; e 3) o processo termomecânico químico, onde as lascas são aquecidas ao vapor e tratadas com produtos químicos antes de serem moídas.
Conforme o processo e o tipo de madeira utilizada, obtêm-se diferentes tipos de pasta: de fibra longa (coníferas) e de fibra curta (o resto, com algumas exceções). A importância dessa diferença com relação ao papel é que o de fibra longa é mais flexível e portanto é utilizado geralmente para papel de jornal. A pasta produzida, tanto por processos mecânicos quanto químicos, geralmente deve ser branqueada. Existem diferentes métodos para isso: 1) com cloro gás (também chamado cloro elementar), 2) livre de cloro elementar (ECF), que utiliza dióxido de cloro (dentro dessa técnica desenvolveu-se também o ECF que emprega ozônio nas etapas iniciais do processo de branqueamento e dióxido de cloro na etapa final, e o ECF “melhorado”, que elimina a maior parte da lignina que dá a cor amarelada antes do branqueamento, reduzindo assim a utilização de energia e de produtos químicos para o mesmo) e 3) “totalmente livre de cloro” (TCF), isto é, trata-se de um branqueamento sem compostos clorados, que utiliza oxigênio e peróxido de hidrogênio ou ozônio.
Em meados da década de oitenta começou a discussão pública a respeito do processo de branqueamento da celulose. As análises revelaram uma alta concentração de AOX (um parâmetro que mede a concentração total de cloro vinculado a compostos orgânicos em águas residuais) nos despejos de fábricas de celulose; depois também foram achadas dioxinas. Dioxina é o nome comum para uma família de compostos químicos (existem 77 formas diferentes de dioxinas), que apresentam propriedades e toxicidade similares; aparecem como conseqüência de processos térmicos que envolvem produtos orgânicos em presença de cloro e têm graves efeitos sobre a saúde e o ambiente que se agravam por suas propriedades de persistência e acumulação.
A produção mundial de pasta química branqueada tem aumentado nos últimos 15 anos de 56 milhões de toneladas para aproximadamente 90 milhões de toneladas. De acordo com cifras do ano 2002, aproximadamente 20% da produção mundial de celulose é branqueada quimicamente com o tradicional cloro gás e aproximadamente 75% é branqueada com dióxido de cloro no processo ECF, enquanto apenas pouco mais de 5% é branqueado pelo processo TCF.
- Os problemas das fábricas de celulose
As fábricas de celulose aumentam cada vez mais seu tamanho e capacidade de produção, agravando ainda mais os impactos de seu processo industrial, que de fato apresenta sérios riscos ambientais. Alguns fatores de risco podem ser identificados:
* o tamanho (a escala)
As fábricas atuais de pasta de papel são megafábricas, cujo tamanho já constitui um risco. Num processo industrial no que são utilizados tantos produtos químicos tóxicos, qualquer pequeno detalhe que for alterado, qualquer vazamento mínimo, transforma-se em grande pela escala da fábrica. Por outro lado, os despejos poderão ser pequenos em comparação com os volumes que se processam, mas não em comparação com os volumes que a natureza pode suportar. Os despejos de uma fábrica grande de 600.000 toneladas métricas são de aproximadamente 1000 litros por segundo.
* o cheiro (emissões)
As emissões aéreas das fábricas de celulose (decorrentes da incineração de toneladas de resíduos que ficam do processo e são utilizados na geração de energia), contêm produtos químicos cancerígenos (fenoles clorados, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e Compostos Orgânicos Voláteis), compostos de enxofre oxidado que provocam danos à vegetação, compostos que provocam transtornos hormonais (como por exemplo fenoles clorados) e compostos de enxofre reduzido, que causam o característicos cheiro penetrante de “ovo podre” que se transforma num problema para os povoadores vizinhos. Estudos epidemiológicos recentes têm evidenciado possíveis efeitos na saúde como conseqüência da exposição a esses compostos a níveis geralmente presentes nas vizinhanças de uma fábrica de celulose. Um estudo finlandês (The South Karelia Air Pollution Study) mostra que a exposição a compostos fétidos do enxofre aumenta o risco de infeções respiratórias graves.
* problemas com a própria produção dos agentes branqueadores
Muitos branqueadores químicos são reagentes e perigosos de transportar, e portanto devem ser produzidos in situ ou nas proximidades. Esse é o caso do dióxido de cloro (ClO2), um gás amarelo esverdeado extremamente reagente que explode facilmente, o que representa um grande perigo, em caso de acidente, para os trabalhadores da fábrica e os povoadores vizinhos. Um outro agente utilizado, o cloro elementar (Cl2), é muito tóxico; trata-se de um gás de cor esverdeada que vira corrosivo em presença de umidade.
* os despejos e a poluição da água
A gigantesca demanda de água das fábricas de celulose pode chegar a reduzir os níveis de água e os despejos podem aumentar sua temperatura, o que é crítico para o ecossistema fluvial. Geralmente as fábricas se instalam perto de um curso de água caudaloso onde possam não apenas abastecer sua demanda (com menos custos), mas também despejar seus efluentes depois. A indústria da celulose é a segunda consumidora mundial de cloro e a maior fonte de despejo direto de organoclorados tóxicos nos cursos de água.
Dos processos de produção de celulose, os que potencialmente mais poluição podem produzir são os métodos químicos, principalmente os de produção de pasta kraft, cujos despejos do processo de branqueamento podem conter compostos orgânicos presentes na pasta e compostos de cloro, cuja mistura pode formar uma série de produtos tóxicos, tais como dioxinas, furanos e outros organoclorados (também conhecidos como “compostos halogenados adsorvíveis” ou AOX, por sua sigla em inglês), cada um deles com diferente grau de toxicidade. O grave problema com esses compostos é que sua capacidade de biodegradabilidade é muito baixa, o que determina sua presença na biosfera, até muitos anos depois de ter sido liberados, acumulando-se nos tecidos dos seres vivos (bioacumulação). Isso determina que as concentrações nos tecidos grassos dos organismos superiores (incluído o ser humano) sejam superiores às concentrações presentes no ambiente no que foram expostos, o que os transforma num importante problema de salubridade humana. De acordo com a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, a exposição a baixos níveis de dioxinas (medidos em milionésimas de miligramas) pode provocar no ser humano alterações do sistema imunológico, do sistema hormonal endócrino, incluindo a atividade de regulação dos esteróides sexuais e o crescimento e mudanças genéticas hereditárias, sem esquecer o câncer. Entre as fontes principais de emissão de dioxinas está o branqueamento de celulose como cloro elementar.
Os despejos de celulose branqueada com dióxido de cloro contêm clorofórmio, ácidos clorados e sulfonas. O branqueamento com dióxido de cloro produz grandes quantias de clorato, que atua como herbicida. Comprovou-se que apesar de que os despejos são mais biodegradáveis que os da técnica de cloro elementar e de que foi reduzida a presença de organoclorados, continuam sendo produzidos e afetando o ambiente. Apesar de que os despejos líquidos são menos tóxicos que há dez anos, ainda são perigosos, porque como foi dito, são poluentes persistentes, isto é, vão acumulando-se permanentemente e não se degradam.
Por outro lado, além dos efeitos dos organoclorados, no final de 1994 materializou-se a convicção de que substâncias da madeira transformam-se em compostos problemáticos durante o processo de extração da celulose, já que se manifestaram efeitos tóxicos em peixes afetados por despejos de produção de celulose branqueada e não branqueada. As substâncias da madeira dissolvida, os resíduos químicos e os compostos produzidos por reações entre as substâncias químicas e as substâncias da madeira produzem poluentes que podem reduzir os níveis de oxigênio dos cursos de água aos que forem vertidos, chegando a ser letais para os peixes.
Os efluentes do processo de branqueamento contêm geralmente entre 40 e 50 quilos de substâncias orgânicas (principalmente lignina) por tonelada de pasta. Estudos realizados no Canadá e na Suécia no final da década de oitenta e no início da década de noventa sobre os efeitos tóxicos crônicos dos despejos das fábricas de celulose nos peixes dos cursos de água vizinhos, revelaram alterações reprodutivas, aumento do metabolismo e mudanças na estrutura das populações de peixes. Outros estudos revelaram danos genéticos, mudanças hormonais, alterações hepáticas, problemas da função celular, mudanças na composição do sangue, lesões na pele e brânquias e reações do sistema imunológico dos peixes. Um estudo realizado em 2003 revelou que 80% das fêmeas do peixe Gambusia que habitava águas abaixo de uma fábrica de celulose manifestaram uma masculinização parcial (alteração das barbatanas anais, uma característica relacionada com a atividade hormonal masculina) e 10% dos peixes manifestaram uma masculinização total. Apesar de que os pesquisadores não identificaram um componente hormonal masculino específico nos despejos da fábrica de celulose, subseqüentes provas produziram uma variedade de reações nos receptores de hormônios masculinos.
Em virtude dos problemas apresentados, cabe perguntar-se se os riscos listados associados às fábricas de celulose para a produção de papel estão justificados em favor de algum bem geral, se trata-se de uma atividade destinada a satisfazer necessidades humanas autênticas ou se tem contribuído a reverter a pobreza. Os relatórios e os depoimentos que apresentamos a seguir dizem que não. As fábricas de celulose são apenas um outro elo da cadeia de atividades de um “desenvolvimento” insustentável com o que os grandes interesses econômicos garantem seu poder
Artigo baseado em informação fornecida pelo consultor Rune Leithe-Eriksen, email: rune@rle.se , o Engenheiro Químico Camilo Barreiro, email: camilobarreiro@yahoo.com ; e em informação obtida de: “Industria del papel y de la pasta de papel: sectores basados en recursos biológicos”, Enciclopedia de Salud y Seguridad en el Trabajo, http://www.mtas.es/insht/EncOIT/pdf/tomo3/72.pdf ; Compuestos Organoclorados como Contaminantes Persistentes: el caso de las dioxinas y los bifenilos policlorados http://es.geocities.com/pirineosjuan/organoclorados.html ; “The Case Against Chlorine Dioxide”, Miranda Holmes, Georgia Strait Alliance e Delores Broten, Reach for Unbleached, http://www.bcen.bc.ca/bcerart/Vol7/thecasea.htm , “Missing Monitoring
What should be monitored but isn't”, Reach for Unbleached!, http://www.rfu.org/MonMiss.htm ; “Towards a Sustainable Paper Cycle”, preparado para o World Business Council for Sustainable Development pelo Internacional Institute for Environment and Development (IIED), 1996 ; “Causes for Concern: Chemicals and Wildlife”; preparado para o WWF por Valerie Brown, M.S., dezembro 2003, http://www.wwf.org.uk/filelibrary/pdf/causeforconcern01.pdf ; “Trends in World Bleached Chemical Pulp Production: 1990-2002”, http://aet.org/reports/market/aet_trends_2002.html