Traçar o histórico da pressão estadunidense sobre a política equatoriana poderia nos fazer voltar bem longe no tempo e levaria muitas páginas. Não obstante, para analisar os recentes acontecimentos, podemos mencionar a conferência ministerial da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), realizada em Miami em novembro de 2002, onde os Estados Unidos perderam poder e tiveram de aceitar a proposta do Brasil de uma “ALCA mais flexível”. Também foi decisiva a formação do Grupo dos 22 (por iniciativa do Brasil, da China e da Índia, exigindo a eliminação dos avultados subsídios agrícolas do Norte) durante a conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio, celebrada em Cancún.
Diante dos obstáculos contra seus interesses de expansão comercial, os Estados Unidos conceberam uma estratégia que inclui a assinatura de tratados bilaterais, fortemente impulsionados pelo governo Bush. Através deles, os EUA conseguem manter barreiras protecionistas em alguns setores industriais e introduzir novos mecanismos para mascarar tarifas adicionais.
No dia 18 de novembro de 2003, o representante comercial dos Estados Unidos, Robert Zoellick, apresentou perante o Congresso desse país uma carta onde descreve as razões de política exterior e comercial para negociar uma área de livre comércio com a Colômbia, o Peru, o Equador e a Bolívia.
Ora, uma coisa leva à outra. Para subscrever um tratado bilateral com os Estados Unidos e “ter acesso ao seu mercado”, o país em questão deve fazer uma série de mudanças. A embaixadora Kristy Kenney declarou que, para sentar à mesa de negociação de um pacto bilateral de livre comércio, o Equador deverá implementar uma série de mudanças na legislação ambiental, de biodiversidade, de propriedade intelectual e trabalhista, entre outras.
É nesse contexto que surge a pressão para o Equador aprovar uma polêmica Lei de Biodiversidade que promove, entre outras coisas, o controle estratégico das áreas ricas em biodiversidade. Em 15 de janeiro último, teve lugar uma importante reunião no escritório da The Nature Conservancy (TNC) em Quito. Além de integrantes da ONG anfitriã, estavam ali reunidos representantes das ONGs ambientalistas equatorianas CEDA (Centro Equatoriano de Direito Ambiental), Ecociência, Fundação Natura, Fundação Rumicocha – algumas “parceiras” da TNC – e da Agência para o Desenvolvimento Internacional (AID), dos Estados Unidos.
O objetivo da reunião era “apresentar uma estratégia de lobby em alto nível, definindo as funções e tarefas das organizações sócias da TNC, da AID e da embaixada americana, com o intuito de pressionar os membros do Congresso Nacional a aprovarem em segundo debate a Lei de Biodiversidade”. Assim, foi concebida uma primeira fase de “baixo perfil” (dois meses), durante a qual seriam abordados os integrantes da Comissão de Saúde, Meio Ambiente e Proteção Ecológica do Congresso Nacional, para a aprovação do Relatório da Lei de Biodiversidade. A seguir, um intenso lobby com setores dos partidos políticos, para a aprovação da Lei na plenária e por parte do Presidente da República, com aproximação e lobby junto à Consultoria Jurídica da Presidência e membros do Partido Sociedade Patriótica. A segunda fase teria um “perfil alto”, com pressão através de uma intensa campanha publicitária na mídia, de curta duração, para divulgação e promoção da Lei.
As perguntas são óbvias: será que isso não é uma ingerência aberta em assuntos internos de um país soberano?; é aceitável que uma embaixada estrangeira conspire abertamente para pressionar um Congresso eleito pelo povo a aprovar uma lei feita à sua medida?; para quem é tão importante essa lei?; quais interesses beneficiaria e a quem prejudicaria?
A questão é que esse projeto de lei permite, entre outras coisas, a privatização de áreas protegidas e o desconhecimento dos direitos coletivos. O artigo 21 autoriza “a participação de […] organizações não governamentais de conservação e centros de pesquisa” no planejamento, coordenação, fiscalização e avaliação do manejo do sistema nacional de áreas naturais protegidas. O artigo 29 permite que o Ministério do Ambiente dê participação a entidades públicas, privadas ou mistas, através de concessão, delegação e outras figuras legais, nos bens e serviços do Patrimônio de Áreas Protegidas. É aí que entra a TNC.
A TNC é uma poderosa ONG dos Estados Unidos, cuja estratégia para aceder e manejar áreas protegidas no mundo todo harmoniza perfeitamente com a estratégia dos Estados Unidos para controlar o espaço de países – como o Equador – ricos em biodiversidade (veja também o artigo sobre a Indonésia nesta edição). Assim, pois, a TNC recebeu generosas doações do governo dos Estados Unidos, para contratos ou aquisição de terras: 147 milhões de dólares, de 1997 a 2001, e mais 142 milhões de dólares, no ano 2000.
Em seu afã por casar resultados ambientais com negócios, a TNC trabalha com grandes empresas. Aliás, várias delas fazem parte da diretoria. Algumas das empresas com má reputação ambiental que contribuíram com a TNC para a aquisição de terras e outras atividades são a petroleira BP, General Motors, Orvis, MBNA, Centex House, Georgia Pacific Corp., 3M, Bank of America, Busch Entertainment, The Republic of Tea, The Home Depot, American Electric Power, Boeing, General Electric, Merril Lynch e Millstone Coffee.
A estreita ligação de certas ONGs conservacionistas e centros de pesquisa dos Estados Unidos com o setor empresarial privado deve ser analisada bem de perto por tod@s aquel@s que são a favor de uma proteção real da natureza, da qual o ser humano também faz parte e é responsável. Outrora, alguns povos assim o entenderam e agiram em conseqüência, mas o desenvolvimento neoliberal moderno, com seus conhecimentos econométricos e técnicos e suas urgências de ano fiscal, cada vez mais está perdendo pé em matéria de sabedoria e até de instinto de conservação.
O povo do Equador sabe disso e, mais uma vez, fica alerta em defesa de seu passado e seu futuro.
Artigo baseado em informação de: “Alerta urgente desde el Ecuador. The Nature Conservancy conspira con Embajada de Estados Unidos y la AID para la aprobación de Ley de Biodiversidad”, release da Ação Ecológica enviado por Cecilia Chérrez, Ação Ecológica/Instituto de Estudos Ecologistas do Terceiro Mundo, correio eletrônico: instituto@accionecologica.org ; “El TLC bilateral Ecuador-Estados Unidos oculta demasiado”, Ação Ecológica, http://alainet.org/active/show_text.php3?key=5639 ; “Ayuda Memoria Reunión de Estrategia Ley de Biodiversidad”, 15 de janeiro de 2004.