Função e posição da mulher no controle e manejo do uso da terra

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O papel dos povos indígenas e dos sistemas de conhecimento tradicional na conservação da biodiversidade é uma realidade tão conhecida, que dispensa maior fundamentação. Não obstante, o papel desempenhado pelas mulheres em particular é menos reconhecido, e mesmo nos casos em que há tal reconhecimento, ele não vem acompanhado da correspondente provisão de espaço para participar nas respectivas plataformas de discussão e tomada de decisões, em especial, nos processos dominantes. A região nordeste da Índia é rica em florestas e áreas alagadas, e é habitada por mais de 250 nações indígenas. Historicamente, essa região da Índia é vizinha da região norte da Birmânia e de Bangladesh. A existência de vilarejos de diversas nações coabitando o mesmo território, interligados num intrincado mosaico, determina que o autogoverno e a autonomia no nível dos vilarejos, com alinhamentos tribais em territórios não exclusivos e geograficamente não integrados, sejam a configuração política característica.

Apesar das diferenças entre essas culturas, elas possuem a mesma base econômica característica, de caça e colheita, que levou ao desenvolvimento de intrincados códigos de uso da terra e colheita de recursos naturais entre a população das aldeias, entre as aldeias e entre as diversas tribos. A única agricultura praticada de forma tradicional está voltada para a produção de cereais básicos, algodão, pequenas hortas e a criação de aves de curral.

Entre os diversos povos indígenas existe um vasto leque de direitos à água e à terra e práticas tradicionais de uso adaptadas às especificidades do terreno variável da região, todos eles controlados mais pela comunidade ou clã do que por indivíduos isolados. Embora a legislação do sistema indiano vigente reconheça bem pouco esses sistemas, esses povos ainda se apegam a práticas consuetudinárias, desde que não existam barreiras ou impedimentos. Geralmente, isso resulta eficaz nos assuntos internos da comunidade, mas é problemático quando os direitos coletivos da comunidade exigem a interação com processos estatais, como a aquisição de terras para projetos de desenvolvimento ou bases militares, ou programas de reassentamento.

O arroz é plantado em pequenos vales entre as montanhas e na parte de baixo das encostas das montanhas. Na parte de cima, é feito o cultivo migratório ou de roça e queima, geralmente, para a produção de algodão, outros cereais, como o milho, e legumes. Da água, rios, lagos, reservatórios e florestas vêm recursos como insetos, plantas, ervas, animais e peixe. Vastas extensões de terra são tradicionalmente mantidas, segundo práticas religiosas e culturais, como reservas de biodiversidade. Por milênios, arvoredos sagrados, florestas e cursos de água foram preservados da contaminação e da colheita de produtos por meio de poderosos tabus.

Com o advento das estruturas estatais de controle e manejo dos recursos, as formas tradicionais de controle e manejo sofreram deterioração. Em parte devido ao grande aumento da pressão migratória de populações dominantes rumo à região e à publicidade contra práticas de lavoura migratória, até terras à margem estão sendo ocupadas para a lavoura de arroz com irrigação. Terras que outrora ficavam protegidas contra a exploração intensiva por um tabu religioso viraram fonte de riqueza para indústria da madeira e bambu, para as monoculturas, os projetos de conservação da fauna e do meio ambiente e até a mineração. O controle indígena sobre essas terras foi deslegitimado, pois o Estado se apropriou de todas as terras dentro de seus limites territoriais, graças a diversas leis e políticas baseadas no princípio de terra nullius típico das práticas coloniais.

Embora cada uma das numerosas nações indígenas da região possua atributos sociais e culturais de gênero únicos, desde o matriarcado até um acentuado patriarcado, geralmente, as mulheres são responsáveis por boa parte da economia, do sustento, da indústria artesanal e do mercado indígena. Suas atividades incluem a agricultura, mas também a colheita de produtos não provenientes de lavoura, como a realizada em cursos fluviais, pântanos e florestas, além do manejo do estoque de alimentos e sementes. Segundo a legislação consuetudinária, a mulher tem direitos inalienáveis sobre a colheita de produtos para consumo e venda. A mulher adulta sozinha, quer solteira, viúva ou divorciada, também tem direitos tradicionais à moradia e a terras de cultivo pertencentes ao clã, tribo ou povoado. Cada mulher pode exigir terra e recursos para a construção de uma moradia tradicional em terras comunitárias de propriedade do clã ou do povoado. Ela também pode exigir uma parte das terras agrícolas ou outras terras e recursos geradores de receita pertencentes a sua família, clã ou tribo.

Com base em linhas parentais ou alinhamento de povoados, as mulheres contam com poderosas redes e instituições tradicionais que facilitam e dão apoio a suas responsabilidades para com a família e a comunidade. Essas redes são a principal forma de organização do acesso aos recursos e sua distribuição, e dão apoio individual ou grupal em face de qualquer tipo de disfunção temporária, como uma doença ou a perda de uma colheita, que impeça a pessoa de providenciar o seu próprio sustento e o de seus dependentes. Essas associações, quer parentais ou de amizade, formais ou institucionais, também conservam, compartilham e transmitem informação sobre diversidade agrícola, conhecimentos e estoque de sementes tradicionais e métodos de plantio.

Considerando o relevante acesso e controle do uso da terra e da água das mulheres indígenas dessa região, não espanta que tenham criado instituições e redes, tanto formais quanto informais, para a proteção da biodiversidade. Como a maior parte da colheita de plantas e ervas é feita por mulheres, naturalmente, elas são também a autoridade em matéria das diversas espécies e suas características, o seu uso e valor. Nas comunidades que carecem de sistemas formais, esse conhecimento é transmitido de geração para geração, de forma oral entre parentes, ou através do aprendizado das mulheres jovens com as mais velhas. Embora poucas, algumas nações criaram sistemas formais de fideicomisso de mulheres, para a preservação do conhecimento e os recursos naturais, como os Meitei no vale Imphal. Essa nação conta com uma instituição formal de sacerdotisas, conhecida como Maibi Loisang, que tem sob seus cuidados o conhecimento tradicional e também é responsável por sua transmissão aos diferentes setores da comunidade, através de diversos métodos formais. A Maibi Loisang é responsável também pela manutenção e preservação dos santuários das numerosas deidades da terra e da água, santuários naturais em lugares que, obviamente, são reservas de biodiversidade. Muitos outros povos indígenas da região possuem associações semelhantes – embora menos formais –, formadas por mulheres xamãs, curandeiras e anciãs.

A relação entre fertilidade e regeneração, entre espiritualidade feminina e o caráter sagrado da terra e sua diversidade, entre sustentabilidade e fideicomisso, em vez de propriedade e exploração, é a essência da cultura indígena, a essência da relevância da condição feminina e da mulher na sociedade indígena. É possível que seja também a única ética capaz de preservar e conservar o nosso mundo para o futuro, seja lá qual for.

Por Anna Pinto, CORE, correio eletrônico: anastasiapinto@coremanuipur.org