Uruguai-Argentina: luta conjunta contra planta de celulose

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Como tantos outros países do Sul, o Uruguai foi convencido (pela FAO, o Banco Mundial e a Agência de Cooperação Internacional do Japão, entre outros) de que devia promover o plantio de árvores em grande escala. Desde o início, ficou claro que o objetivo era produzir matéria-prima em quantidade suficiente para a produção de celulose, e por isso foi promovido principalmente o plantio de eucalipto.

Os fartos subsídios diretos e indiretos dados ao setor plantador (calculados em mais de 400 milhões de dólares) tiveram o resultado esperado: foram plantados mais de 600 mil hectares. Agora, chegou a hora de começar a colher a madeira e o país não tem nenhum plano para o desenvolvimento do setor madeireiro. Nesse contexto, chega a Empresa Nacional de Celulose da Espanha (ENCE), com um projeto de planta de celulose a ser instalada no rio Uruguai, e o governo a recebe de braços abertos.

A ENCE não é nova no país. A empresa instalou-se em 1990 no Uruguai, comprando terras e plantando 50 mil hectares com eucalipto destinado para o abastecimento de suas plantas de celulose na Espanha, onde, por sua vez, possui 100 mil hectares com eucalipto. A sua história é obscura demais, tanto no Uruguai, onde foi cadastrada como Eufores, quanto no país de origem.

Na Espanha, após décadas de contaminação da Foz de Pontevedra, ela foi levada à Justiça por crime ambiental. Finalmente, depois de muitos anos, foi sentenciada e seus executivos foram punidos com multas e penas de prisão. No entanto, a sua “herança” ambiental ainda é sofrida por quem mora perto das três plantas de celulose da empresa. Cabe ressaltar que, em Pontevedra (onde teve e ainda tem a maior oposição à ENCE), ela ainda produz celulose TCF (totalmente livre de cloro), ao passo que em Huelva e Navia aplica o processo ECF (com bióxido de cloro). É claro que o processo que pretende implementar no Uruguai não é o mais limpo, mas o que utiliza bióxido de cloro.

No Uruguai, a Eufores (ENCE) jamais foi multada ou sentenciada, não por não ter feito mérito suficiente, mas devido à falta de fiscalização, em particular, no que diz respeito ao cumprimento da legislação trabalhista. Aqueles que trabalham, ou que trabalharam, na Eufores contam histórias terríveis sobre as condições de trabalho imperantes entre os empreiteiros que trabalham para a empresa.

Com esse currículo, não é de estranhar que tenha surgido um movimento contra a instalação dessa planta de celulose, que ficaria situada no rio Uruguai, águas acima da cidade de Fray Bentos, no departamento de Rio Negro. A novidade é que o movimento de oposição não se restringe ao Uruguai, mas inclui também ambientalistas da Argentina, país com o qual é compartilhado o rio Uruguai e, portanto, também poderia ser atingido pela poluição vinda da planta.

No dia 4 de outubro, ambientalistas de ambos os países realizaram uma ação conjunta que devia acontecer no meio da ponte internacional que liga os dois países, nas proximidades de Fray Bentos. Os cidadãos uruguaios foram impedidos de atravessar a ponte pelas forças de segurança, ao passo que, do lado argentino, somente foi permitido o cruzamento de uma pequena delegação (liderada pelo prefeito da vizinha cidade de Gualeguaychú, Emilio Martínez Garbino), impedindo que as mais de 800 pessoas ali reunidas pudessem tomar parte na ação.

Transposta a ponte, juntaram-se aos ativistas uruguaios e todos juntos foram a Fray Bentos, onde o prefeito Martínez Garbino entregou ao prefeito de Rio Negro, Francisco Centurión, a “Declaração de Gualeguaychú”, elaborada em assembléia por entidades da sociedade civil dessa cidade, manifestando sua oposição à instalação da planta.

A ação teve tanta repercussão, que os principais atores do governo uruguaio viram-se na obrigação de se pronunciar (do vice-presidente até o ministro das Relações Exteriores), lançando mão da batida “defesa da soberania” e da “não intromissão em assuntos internos”, jamais alegadas em se tratando do embaixador dos Estados Unidos ou de representantes do Fundo Monetário Internacional. Do lado argentino, o Presidente Néstor Kirchner pediu ao seu chanceler, Rafael Bielsa, que transmitisse formalmente ao governo uruguaio a sua preocupação com a possível contaminação de um curso de água compartilhado, o que ele fez poucos dias depois numa reunião com o Presidente do Uruguai, Jorge Batlle.

A agitação gerada pela “cruzada” abriu portas até então fechadas para o movimento ambientalista uruguaio. Pela primeira vez, emissoras de rádio, imprensa e até telejornais deram à sociedade civil a oportunidade de se informar através da mídia dos motivos daqueles que são contra as monoculturas florestais (e as plantas de celulose associadas) e lutam por um país ambientalmente saudável e socialmente justo. Em face da “cruzada” de um grupo de cidadãos de um povo irmão, a esquizofrenia oficial teve o efeito contrário ao procurado: a abertura informativa de uma questão até então silenciada.

A cruzada foi um sucesso e a luta continua. Ambientalistas dos dois países, reunidos em torno da Rede Socioambiental desde o ano 2001, hoje estão considerando a implementação de novas ações em parceria, para impedir a instalação da planta da ENCE. Enquanto os governos falam em integração, os povos estão começando a se integrar de fato.

Para mais informação, visite o seguinte sítio Web: http://www.chasque.net/guayubira/mbopicua/index.html