Às vezes, é preciso juntar muitas peças pequenas para poder reconhecer a figura completa. No caso do demorado debate sobre os benefícios e desvantagens dos projetos de sumidouros de carbono ligados ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Kyoto, muitos ainda querem visualizá-los como a fonte de financiamento longamente esperada para projetos em pequena escala de restauração de florestas geridas pela comunidade. Porém, a informação recentemente publicada, sobre estudos de viabilidade realizados pela Japanese Sumitomo Forestry e sobre a participação do Banco Asiático de Desenvolvimento (ADB, em inglês) na promoção de projetos de sumidouros de carbono na Indonésia, oferece indícios adicionais sobre qual vai ser a oferta do futuro mercado de sumidouros: créditos de carbono gerados por plantações industriais de monoculturas de árvores. E se os comentários do ministro de Indústrias Primárias malaio, o Sr. Lim, feitos durante a sua recente visita à Europa, são uma amostra do que está sendo debatido, então, o financiamento de projetos de carbono do MDL poderia subsidiar não só plantações industrias de eucalipto (como o projeto PCF Plantar, do Banco Mundial, no Brasil), mas, também, a expansão das plantações de dendê no sudeste asiático.
Financiada pelo Fundo Canadense de Cooperação para a Mudança Climática, a "assistência técnica" do Banco Asiático de Desenvolvimento ao governo indonésio incluirá "um documento de posicionamento a respeito de projetos de seqüestro de carbono do MDL na Indonésia, para a sua discussão na COP9", e dois projetos piloto de sumidouros de carbono. A COP9 (Nona Conferência das Partes da Convenção sobre Mudança Climática) deverá tomar uma decisão a respeito das normas para projetos de sumidouros de carbono que pretendam obter créditos através do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Ainda existem muitos pontos conflitantes entre os governos quanto à forma dessas normas, sendo que o fato do governo canadense financiar o projeto do ADB faz com que a gente se pergunte quão "puramente técnica" será essa assistência. Essa pergunta surge com maior força dos "Termos de referência para consultores", onde fica estabelecido que o consultor deve garantir que "o resultado do inventário do uso da terra e a modelagem do LULUCF [Uso da terra, Mudança no uso da terra e Silvicultura] estejam em conformidade com os objetivos da assistência técnica".
Mas a Indonésia não é o único país onde o ADB está promovendo o comércio de créditos de sumidouros climaticamente inúteis (para uma crítica detalhada das deficiências do comércio de créditos de sumidouros de carbono, veja www.sinkswatch.org e http://www.wrm.org.uy/actors/CCC/index.html). No Laos, o ADB contratou a consultora em carbono Ecosecurities, para avaliar se as plantações financiadas pelo ADB no Laos eram elegíveis para o MDL do Protocolo de Kyoto. A Ecosecurities é uma grande realizadora de projetos para o MDL; foi ela quem participou no desenho do projeto Plantar no Brasil. A decisão de contratar uma das maiores consultoras que fornecem serviços essenciais para projetos de sumidouros de carbono do MDL coloca um problema de conflito de interesses: contratar alguém comercialmente envolvido na inclusão de projetos florestais no marco do MDL para assessorar o ADB sobre a viabilidade de projetos de sumidouros para o MDL no Laos é como perguntar para um vendedor de produtos láteos se beber leite é saudável.
Além disso, tem toda a história das plantações financiadas pelo ADB no Laos, substituindo florestas naturais por monoculturas de eucalipto para a produção de lascas de madeira, e contribuindo, através de sua consultoria e implementação de políticas, para a liberação de carbono na atmosfera. Embora o ADB argumente que o plantio foi feito apenas em terras "degradadas", na realidade, o ADB vem financiando a substituição de florestas comunitárias locais, terrenos de cultivo, pastos e terras comunais por plantações de monoculturas de eucalipto (veja, também, o artigo "Laos: segredos, mentiras e plantações de árvores", no boletim 68 do WRM).
No caso da Indonésia, o ADB descreve 12% dos 108 milhões de hectares de floresta do país como "atualmente ocioso e improdutivo" e como "áreas em potencial para o seqüestro de carbono através de florestamento, conforme o MDL". Potencialmente, a quantidade de créditos que poderia ser gerada é enorme, tanto quanto o risco dessas terras não serem nem "ociosas" nem "improdutivas" do ponto de vista da população local.
Esses números, somados aos antecedentes do ADB na promoção de plantações industriais de árvores, na Ásia toda, e ao vivo interesse por essas iniciativas manifestado pelos governos do Japão e do Canadá (firmes partidários de uma maior abertura do Protocolo de Kyoto para sumidouros de carbono), não são um bom presságio para aqueles que visualizam o MDL como fonte de projetos em pequena escala de restauração de florestas geridas pela comunidade.
Por: Jutta Kill, SinksWatch, correio eletrônico: jutta@fern.org ; http://www.sinkswatch.org