No Uruguai, todas as florestas são protegidas pela legislação e a sua exploração é proibida, a não ser que exista uma autorização expressa dos órgãos encarregados de cuidar de sua conservação. Portanto, nesse país, a certificação é um instrumento totalmente desnecessário para garantir a conservação das florestas. Não obstante, basta entrar na "lista de florestas certificadas", da página web do FSC, para descobrir a existência de 75 mil hectares de "florestas" certificadas no país. É claro que, atentando para os detalhes, a gente fica sabendo que, em todos os casos, trata-se de plantações e não de florestas.
Independentemente da nossa discordância total em relação à pretensão de querer considerar as plantações como "florestas", interessa mostrar algumas das contradições existentes entre a certificação dessas plantações e os próprios lineamentos do FSC. Essa contradição surge da leitura das duas primeiras linhas da introdução aos princípios e critérios do FSC, onde se afirma que "É amplamente aceite que os recursos florestais e as terras a eles associadas deveriam ser manejados para satisfazer as necessidades sociais, econômicas, ecológicas, culturais e espirituais das gerações presentes e futuras".
Visto que o FSC equipara as plantações às florestas, e que, no princípio 10 (plantações), estabelece claramente que "As plantações deverão ser planejadas e manejadas conforme os Princípios e Critérios 1 a 9, e o Princípio 10 e seus Critérios", é evidente que aquilo que se afirma na introdução é aplicável às plantações.
A pergunta, pois, é a seguinte: será que, no Uruguai, essas plantações (em especial, as certificadas) satisfazem "as necessidades sociais, econômicas, ecológicas, culturais e espirituais das gerações presentes e futuras"?
Embora no presente artigo vamos pôr em foco a questão das necessidades sociais e econômicas, cabe apontar que as monoculturas florestais em grande escala implantadas no Uruguai atentam às claras contra a sua ecologia. Com efeito, nesse país, as plantações são mormente instaladas em ecossistemas de pradaria, implicando a destruição dos mesmos e da fauna associada. Portanto, é absurdo achar que elas possam "satisfazer as necessidades ecológicas" do país; antes, trata-se de um processo comparável ao que todos nós vimos denunciando nos trópicos (a substituição de florestas por pastos), mas, neste caso, ao contrário: a substituição de pradarias nativas por "florestas".
Feito esse esclarecimento, agora, vamos nos voltar para as necessidades sociais e econômicas. O plano de promoção do florestamento, lançado pelo governo em 1988, prometia a geração de postos de trabalho e a entrada de divisas, através do aumento das exportações de produtos florestais. A fim de atingir esses objetivos, o Estado uruguaio realizou um forte investimento, incluindo subsídios diretos, isenções tributárias, créditos brandos e investimento em infra-estrutura. Para o ano 2000, o Estado tinha destinado a esse setor US$ 69 milhões em subsídios diretos. O total de isenções tributárias (para a área plantada e bens importados) atingia US$ 56 milhões, ao passo que os empréstimos brandos estimavam-se em US$ 55 milhões. Finalmente, o investimento em infra-estrutura totalizava US$ 234 milhões. Resumindo, a sociedade uruguaia como um todo contribuiu com US$ 414 milhões para o desenvolvimento florestal. Qual foi o benefício recebido por essa sociedade?
Em matéria de geração de postos de trabalho, o resultado é um desastre. No Uruguai, no que diz respeito à quantidade de postos de trabalho gerados por hectare, de todas as atividades agropecuárias, a pecuária extensiva de vacuns e ovinos sempre foi considerada a pior. Porém, não é mais não: o florestamento revelou-se mais negativo ainda.
Segundo dados do censo agropecuário de 2000, o número de trabalhadores permanentes cada mil hectares florestados é de 4,49. A pecuária de vacuns para carne gera 5,84 postos de trabalho permanentes na mesma extensão de terra, ao passo que a pecuária de ovinos fornece 9,18 postos de trabalho. Sendo que esses números, juntamente com a produção mecanizada de arroz (7,75), são os piores apresentados. No extremo oposto, encontram-se a produção para o autoconsumo (262 postos de trabalho/mil ha), a criação de aves (211), a viticultura (165), a horticultura (133) e a criação de porcos (128), ao passo que, no meio do caminho, situam-se a criação de vacuns para leite (22), os serviços de maquinaria (20) e os cultivos cerealíferos e industriais (10).
Em síntese, num total de 660 mil hectares, o florestamento só gerou 2.962 postos de trabalho permanentes. Se levarmos em conta que as plantações florestais deslocaram outras atividades agropecuárias, e que todas essas atividades juntas geram mais postos de trabalho permanentes do que o florestamento, conclui-se que essa atividade significou uma perda líquida de postos de trabalho permanentes no setor agropecuário. Com efeito, supondo que a área florestada tivesse continuado ocupada pela criação de vacuns e ovinos, no primeiro caso, os postos de trabalho teriam chegado a 3.854, enquanto no segundo teriam sido 6.058. Fica claro, pois, que o remédio foi pior do que a doença e que o florestamento contribuiu para a expulsão de trabalhadores do meio rural. Se a isso acrescentarmos as péssimas condições de trabalho (baixos salários, falta de segurança, má alimentação e alojamento, dificuldades para a sindicalização), a informalidade (que implica a inexistência de benefícios sociais) e a própria natureza do trabalho safral, é evidente que o florestamento não satisfaz em absoluto as necessidades sociais da população rural.
Quanto à economia, a situação não é bem melhor. Com efeito, através do florestamento prometeu-se incrementar a entrada de divisas, mas 80% das exportações do setor florestal consiste em madeira roliça (ou seja, em troncos), enquanto o 20% restante é composto de madeira serrada. Quer dizer, 80% daquilo que é exportado não gera nenhum posto de trabalho na indústria, ao passo que o 20% restante consiste numa mínima transformação da matéria-prima, o que, em conseqüência, também não constitui um gerador de postos de trabalho relevante.
Por sua vez, se levarmos em conta a área ocupada por esse setor, a renda gerada pelas exportações também não resulta numa entrada de divisas relevante. Com efeito, o setor florestal está exportando anualmente por valores em torno dos 35 milhões e 45 milhões de dólares, quantia essa que o coloca num dos lugares menos privilegiados do conjunto das exportações (as quais totalizam entre 2 bilhões e 2,5 bilhões de dólares ao ano). Se for comparado com o setor arrozeiro (o qual também gera poucos postos de trabalho por hectare), vemos que este, com uma área cultivada, em média, de uns 150 mil hectares (quer dizer, mais de quatro vezes menor do que a área ocupada pelo setor florestal), consegue gerar uns 200 milhões de dólares ao ano através das exportações (ou seja, aproximadamente cinco vezes mais do que o obtido pelo setor florestal). Quer dizer, o florestamento também não atinge o objetivo, presente na introdução dos princípios do FSC, de "satisfazer as necessidades econômicas" do país.
As perguntas que se faz o movimento ambientalista uruguaio são: como é que o FSC está certificando essas plantações, quando elas não preenchem nenhum dos requisitos exigidos pelo próprio FSC? Como é que as ONGs ambientais e sociais que participam no FSC permitem que isso aconteça? Como é que não percebem que cada plantação certificada enfraquece as campanhas que fazemos para evitar que continue sendo destruído o nosso ambiente?
É evidente que alguma coisa vai mal, e esperamos que os membros do FSC se consagrem à procura de soluções, tanto para o bem das pessoas e do ambiente de países como o Uruguai quanto para garantir a própria credibilidade de um sistema de certificação criado para garantir a proteção das florestas, e não para fantasiar de "verde" monoculturas florestais social e ambientalmente insustentáveis.
Por: Ricardo Carrere