A lógica dos lucros das corporações está determinando o nosso futuro e o das gerações futuras, conformando o sistema internacional emergente, atualmente dominado por instituições que favorecem os interesses das corporações. O resultado mais evidente do atual processo de globalização (a privatização e desregulação) permitiram às corporações usurpar as bases naturais das quais depende a vida.
Na medida em que se aproxima a Cúpula Mundial de Desenvolvimento Sustentável (WSSD, por sua sigla em inglês), intensificam-se os conflitos entre o norte e o sul, entre a sociedade civil e a indústria. Os governos do norte defendem a globalização dirigida pelas corporações, que inclui a liberalização do mercado e a privatização dos serviços públicos, como parte do "desenvolvimento sustentável", uma frase que o abrange tudo e que usam todas as partes para descrever suas respostas, não importa quão inadequadas possam ser, diante da aceleração da crise social e ecológica a nível mundial. E o plano fundamental baseia-se em debilitar a capacidade das Nações Unidas como instituição capaz de defrontar em forma significativa as crises gêmeas da pobreza e da deterioração ambiental.
As profundas contradições entre as políticas de globalização neoliberais de um lado, e as metas sociais e ambientais do outro, refletem-se principalmente nos conflitos que surgem em torno a assuntos comerciais e financeiros, e nas tentativas de desandar as conclusões de Rio, desdizendo-se dos seus resultados chave, tais como o princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas (que os países que tiveram um papel mais importante nas origens do problema levem a dianteira na hora de contribuir com soluções), e o Princípio Precautório (que é preferível que os governos errem por inclinar-se para a precaução diante da possibilidade de danos ambientais devastadores e irreparáveis).
Em Johannesburgo, as conversas concentram-se num Plano de instrumentação e ação destinado a desenvolver políticas nacionais e mundiais, e uma Declaração Política, na qual se espera que os governos renovem seu compromisso com a Agenda 21 e a procura do "desenvolvimento sustentável": eles recebem o nome de Resultados tipo I (obrigatórios). Os Resultados tipo II (voluntários) constituem uma categoria nova e controvertida: projetos em parcerias, que apontam a instrumentar o "desenvolvimento sustentável", com forte ênfase na participação de setor privado através de parcerias público-privadas.
A direção atual do Texto do Presidente da WSSD para o fornecimento de serviços baseado no mercado, ajusta-se como uma luva às campanhas das corporações na preparação da WSSD. Lord Holm de Cheltenham da companhia mineira transnacional Rio Tinto, por exemplo, é vice-presidente da BASD (Business Action for Sustainable Development - Ação Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável), uma campanha conjunta do World Business Council for Sustainable Development (uma coalição de 150 grandes corporações, presidida atualmente por Phil Watts da Shell, criada para dar entrada às posições das empresas na Cúpula da Terra de Rio de Janeiro (1992) e que contribuiu a bloquear as tentativas de regular as atividades do setor empresarial), e a Câmara Internacional do Comércio.
A receita da BASD para o "desenvolvimento sustentável" é uma combinação de projetos empresariais de parcerias com uma melhora nas práticas de governo no Sul. O representante chave da BASD na África do Sul, Reuel Khoza, presidente da companhia de energia elétrica sul-africana Eskorn, referiu-se ao Compacto Global das Nações Unidas (uma associação voluntária entre as Nações Unidas, o setor empresarial e algumas ONGs em torno de um grupo de princípios sociais, ambientais e de direitos humanos, que foi criticada por amplos setores da sociedade civil devido à ausência de mecanismos de controle e implementação) e à Global Reporting Initiative (grupo de diretrizes sobre a apresentação de relatórios sobre os resultados sociais, ambientais e de direitos humanos) como garantias de transparência nos projetos do Tipo II.
Anunciou que alguns projetos de parceria apresentados pela BASD também apontariam a instrumentar a Nova Sociedade para o Desenvolvimento Africano (New Partnership for African Development - NEPAD). A NEPAD, o "caminho do desenvolvimento" elaborado pelo governo sul-africano e outros governos africanos, promove a privatização da água potável, da eletricidade, do transporte e das telecomunicações, além de continuar com o repagamento da dívida e uma maior liberalização dos mercados e o fluxo dos investimentos internacionais, e é amplamente resistida pela sociedade civil africana.
Outros planos do WBCSD para Johannesburgo incluem a promoção de seis projetos setoriais por conta dos grupos de trabalho criados por corporações do WBCSD. O projeto para o setor florestal é um dos mais controvertidos.
O projeto "Indústria Florestal Sustentável" do WBCSD começou em 1994 quando um grupo de empresas chefiadas por Aracruz Celulose do Brasil e UPM-Kymmene da Finlândia, iniciaram um estudo centrado na produção de papel. O estudo foi encomendado a uma organização externa (o International Institute for Environment and Development - IEED). O relatório "Towards a Sustainable Papel Cycle" (Para um Ciclo Sustentável do Papel) foi publicado em junho de 1996. O passo seguinte foi a criação do "Diálogo dos Bosques", que incluiu os proprietários de terras, a indústria florestal, algumas ONGs e o Banco Mundial. A meta do diálogo, co-presidido pelo WBCSD e o World Resources Institute (WRI), era desenvolver uma visão de consenso sobre os bosques do mundo e uma variedade de temas concretos, como o reconhecimento mútuo dos programas de certificação para as práticas da indústria florestal.
A credibilidade da autoproclamada procura de uma indústria florestal sustentada está seriamente questionada pelos vergonhosos antecedentes das duas corporações que deram início ao projeto. UPM-Kymmene é uma empresa muito criticada pelos grupos ativistas em favor dos bosques por suas atividades daninhas na Indonésia, uma atitude que continuou depois de ter lançado o projeto de "Indústria Florestal Sustentável". Em 1977, o gigante finlandês dos produtos de madeira adquiriu uma usina de papel em Changsu, China, onde processa celulose proveniente de PT Riau Anadalan Pulp and Paper (RAPP), a segunda produtora de celulose da Indonésia. A usina de RAPP em Riau, Sumatra, foi ampliada graças a um pacote de investimento de $ 750 milhões com o apoio de agências de crédito à exportação finlandesas e suecas. Esta usina produz 750.000 toneladas de celulose ao ano, a partir da tala de bosques úmidos tropicais, e substitui mais de 50 espécies tropicais de madeira de lei por plantações de acácias. As comunidades locais sofreram impactos graves; o rio, essencial para seu sustento, foi poluído, os povoadores foram expulsados das suas terras sem receber compensação alguma e foram submetidos a repressão com violência física quando protestaram. UPM-Kymmene retirou-se de RAPP, mas ainda utiliza a celulose desta empresa para sua produção de papel na China.
O outro fundador do projeto florestal do WBCSD, Aracruz Celulose, especializa-se em polpa esbranquiçada de eucalipto. A empresa causou impactos sociais e ambientais muito destrutivos nos estados brasileiros de Espírito Santo e Bahia. Aracruz inundou as regiões com extensas plantações de monoculturas de árvores e promoveu o despejo das suas terras a povos indígenas como os Tupiniquins e os Guaranis. Transformou o que costumava ser o bosque tropical da Mata Atlântica num deserto verde de eucaliptos. Os impactos sobre as comunidades locais e o meio ambiente levaram à criação de um amplo movimento de oposição, o Movimento de Alerta contra o Deserto Verde, que reúne grupos de povos indígenas, comunidades de origem africana, pescadores artesanais, agricultores e o movimento dos camponeses sem terra, além de ONGs ambientalistas e sociais, dentre outros.
As contradições existentes entre a companhia e a sociedade local ficaram em evidência no início de agosto quando se abriu a terceira usina de processamento de celulose na presença do Presidente do Brasil, enquanto que uma manifestação popular se reunia no exterior para protestar contra a empresa. Essa foi apenas uma das atividades organizadas pelo Movimento de Alerta contra o Deserto Verde durante a "Primeira quinzena de Resistência contra o Deserto Verde". Entre outras incluíram-se manifestações contra Aracruz diante da sede do Parlamento, às portas do Banco Safra (um banco brasileiro que possui 28% das quotas ordinárias de Aracruz), e também diante dos escritórios da consultora finlandesa Yaakko Poyry, que trabalha para Aracruz, em Vitória, a cidade capital do estado. Ao mesmo tempo, o presidente noruego de Aracruz, Erling Sven Lorentzen, não se apresentou junto à Comissão Investigadora do Parlamento do Estado de Espírito Santo, que investiga irregularidades nas atividades da companhia, aduzindo que "não era a pessoa indicada para ser escutada pela Comissão, na medida em que não participava diretamente da administração da empresa".
Essas são as "credenciais verdes" das duas corporações que lideram a Indústria Florestal Sustentável. Dará a WSSD mais credenciais de "desenvolvimento sustentável" ao setor das corporações, que só pode ser descrito como social e ambientalmente consciente mediante o mecanismo de canalizar milhões de dólares a empresas de relações públicas ansiosas de voltá-lo "verde"?
Artigo baseado em informação obtida em: "Countdown to Rio+10: 'Sustainable Development' and the Public-Private Pantomime", Corporate Europe Observer, Número 12, agosto 2002, http://www.corporateeurope.org/observer12/wssdlobby.html#02 ; "Social Responsibility and the Mechanical Bull: The International Chamber of Commerce Dresses for Success", http://www.corporateeurope.org/observer12/iccdenver.htm ; "Exporting Enron Environmentalism: The Bush Vision for Johannesburg", Victor Menotti, International Forum on Globalization, http://www.ifg.org ; Comunicado de Imprensa do Movimento de Alerta contra o Deserto Verde, Vitória, 14 de agosto de 2002. Correio eletrônico de contato: fasees@terra.com.br