O objetivo da empresa privada de investimentos Terra Global Capitalis é “facilitar o mercado para crédito de carbono pelo uso de terra e outros créditos ambientais ... oferecendo conhecimento técnico para avaliação e monetarização do financiamento dos créditos de carbono pelo uso da terra por meio de um fundo de investimentos específico...”.
A Terra Global se associou à Administração Florestal cambojana e à ONG internacional Pact Cambodia para realizar o primeiro projeto de REDD do país, nas florestas profundas da província de Oddar Meanchey, no noroeste do Camboja. Oddar Meanchey tem uma das mais elevadas taxas de desmatamento no país, causada por projetos de mineração, plantações agroindustriais, instalações militares em resposta a disputas de fronteira, corte ilegal de madeira e outros conflitos que afetam as comunidades locais.
O projeto planeja obter receitas da venda internacional de créditos de carbono supostamente gerados pela garantia fornecida pela firma de investimentos de que o carbono que arriscava ser liberado através do desmatamento continuará armazenado nas árvores dos 64.318 hectares de floresta – emissões de carbono evitadas – durante os 30 anos em que duraria o projeto.
Essas receitas, afirma a empresa, serão usadas para “financiar atividades que reduzam o desmatamento, incluindo patrulhas florestais comunitárias e controle de incêndios, projetos comunitários de desenvolvimento de recursos hídricos, fortalecimento e esclarecimento da propriedade da terra, sistemas agrícolas sustentáveis, intensificação agrícola e fogões eficientes no uso de combustíveis”.
Em novembro de 2011, um órgão do governo dos Estados Unidos, a Overseas Private Investment Corporation (OPIC), que oferece financiamentos e seguros a investidores estadunidenses em projetos em países do Sul, deu 900.000 dólares em seguro de risco político para a Terra Global Capital.
Historicamente, o apoio da OPIC tem consistido principalmente em financiamento direto e em seguros a investidores privados de projetos em países do Sul, mas, desde 1987, o órgão tem apoiado um número cada vez maior de fundos de investimento em participações, muitos dos quais servem como intermediários financeiros que, por sua vez, financiam projetos no Sul. A OPIC comprometeu até agora pelo menos 3,6 bilhões de dólares com mais de 50 fundos de participação. Os críticos dos projetos de REDD dizem, entre outras coisas, que esses fundos muitas vezes exigem um lucro alto demais para que sejam adequados a projetos de desenvolvimento e muitas vezes buscam liquidar o investimento em poucos anos, em detrimento do desenvolvimento sustentável de longo prazo.
A OPIC está mudando seu portfolio de energia de grandes projetos relacionados a combustíveis fósseis para os chamados projetos de energias renováveis, e agora agrega projetos tradicionalmente definidas como de energias renováveis numa categoria mais ampla de projetos, a que chama de “recursos renováveis,” os quais incluem projetos de REDD e agrícolas. Os compromissos da OPIC com “recursos renováveis” passaram de 10 milhões no ano fiscal de 2008 a 1,1 bilhão no de 2011.
O governo dos Estados Unidos considera agora os projetos relacionados a “recursos renováveis” financiados e segurados pela OPIC como compromissos internacionais do país com o “financiamento climático”, ou seja, os compromissos dos países do Norte com verbas para ajudar países do Sul a responder à mudança climática. Entretanto, o apoio, o financiamento e o seguro proporcionados pela OPIC aos “recursos renováveis” são direcionados aos clientes privados do órgão, que geralmente incluem investidores dos Estados Unidos. Ao fazer isso, o país busca um clima e um caminho de desenvolvimento que cada vez mais é definido por interesses privados, e os beneficia.
A OPIC está usando o seguro de risco político, que deveria proteger contra ações políticas prejudiciais, para proteger os investidores em REDD contra a implementação de regulamentações de controle desse tipo de atividades em níveis nacional e provincial, que possam vir a ser implementadas por algum país no futuro – neste caso, o Camboja. Essas regulamentações poderiam incluir a definição de metas nacionais e provinciais de redução de emissões, sistemas de contabilização e monitoramento, até mesmo a determinação de como se estabeleceria a propriedade dos créditos e o compartilhamento da receita oriunda deles, bem como outras regras para projetos de REDD. Esses requisitos podem alterar a forma como um patrocinador de projetos de REDD os conduz, com implicações financeiras potencialmente grandes para quem esteja fazendo investimentos antes das negociações e assumindo um conjunto potencialmente diferente de condições para esses investimentos.
O apoio da OPIC ao projeto de REDD de Oddar Meanchey, no Camboja, estabelece um precedente global – incluindo a primeira apólice de seguro por risco político concedida a um projeto dessa natureza.
A OPIC e os responsáveis pelo projeto de Oddar Meanchey afirmam que ele trará importantes benefícios climáticos, bem como em termos de meio ambiente e desenvolvimento locais. Mas a viabilidade dos projetos de REDD depende em grande parte dos mercados de carbono, que não são confiáveis. Na verdade, o seguro contra risco político da OPIC protege os investidores dos projetos, e não necessariamente as comunidades locais, em caso de os riscos políticos cobertos se concretizarem. Na verdade, as comunidades locais que residem no entorno das florestas parecem ser as últimas da fila para receber os benefícios dos projetos e a proteção contra riscos de mercado e políticos.
Perversamente, o apoio da OPIC a projetos de REDD e outros projetos com recursos renováveis está incluída no compromisso com financiamento climático do governo dos Estados Unidos para com os países em desenvolvimento, embora esse apoio seja fornecido a grupos privados, em vez de governos, e possa proteger contra ações que o governo do Camboja venha a tomar para defender seus próprios interesses no caso de o projeto não proporcionar os benefícios prometidos.
Artigo baseado em trechos editados de: “Precedent-Setting Insurance for REDD Project in Cambodia Raises Concerns,” um documento de Pacific Environment, Fern, Focus on the Global South, enviado por Shalmali Guttal, Focus on the Global South, s.guttal@focusweb.org