Eliminação de leis consuetudinárias (fundamentando-se no costume) por meio de regulamentações
Em 1950, as florestas da Indonésia cobriam mais de 162.290.000 de hectares, abrangendo 80% dos 192.257.000 hectares de superfície terrestre do país. De acordo com a Lei Florestal de 1999, a área florestal de propriedade do Estado representava 133.876.645,68 hectares.
Quando se trata da política de recursos florestais e fundiários na Indonésia, há dois problemas centrais. Um é a visão do governo sobre as florestas e a forma como ele a traduz na prática; o outro é a diferença entre a forma como esse governo regula assuntos fundiários e como as pessoas regulam a propriedade da terra.
Um exame mais detalhado dos conflitos agrários em curso no país revela que a nação e o Estado não estão situados em um domínio jurídico único e unificado. As comunidades locais e os povos indígenas da Indonésia são dispersos, formando seus respectivos territórios administrativos, cada um governado por leis e culturas diferentes, na forma de clãs ou tribos. O termo tribo, ou suku, é usado para identificar a distribuição da população, enquanto clã, ou marga, identifica um território administrativo. Em alguns lugares, também se usa “clã” para a distribuição da população com base na linhagem genética.
Em quase todas as regiões da Indonésia, as comunidades praticam o manejo territorial, incluindo o manejo do uso de florestas e terras, na forma de leis geralmente conhecidas dos membros da comunidade e transmitidas oralmente, chamadas de leis consuetudinárias/locais. Essas leis são respeitadas e observadas de uma geração para outra, formando um sistema jurídico que garante que os direitos de todos os membros da comunidade sejam preservados e respeitados. Elas não podem ser alteradas sem um acordo entre todos esses membros. Ao mesmo tempo, todos podem atuar diretamente como supervisores e executores da lei, para proteger os direitos de terceiros do descumprimento. Sob esse sistema, terras e florestas são a base da identidade e da existência de um determinado grupo indígena, e parecem estar bem protegidas.
No campo da regulamentação formal, a Constituição de 1945 e a Lei Agrária Básica reconhecem normativamente as leis consuetudinárias que vêm sendo observadas e desenvolvidas pelos povos indígenas ao longo do tempo. O governo define requisitos para o reconhecimento e a aplicação de leis consuetudinárias em uma série de regulamentações, como as da Lei de Investimento Estrangeiro (PMA), a Lei Estadual de Cultivos e a Lei Florestal 41, de 1999. Contudo, as regulamentações implementadas ao abrigo da Lei Agrária Básica contrariam as leis consuetudinárias, bem como o posicionamento do governo como autoridade que comanda as florestas e como regulador agrário.
Centenas de chefes provinciais e distritais, com a autoridade conferida pela Lei Regional de 2004, emitiram milhares de licenças para plantações e, junto com o ministro da silvicultura, emitiram licenças industriais para “plantações florestais” a dezenas de milhões de hectares de terras tradicionais e comunitárias. Esse dualismo de propriedade que surge como resultado das diferentes perspectivas sobre a propriedade da terra agora se aplica a cerca de 80 milhões de hectares nas ilhas da Indonésia. Sob estas licenças de plantio, as leis consuetudinárias e o direito das comunidades a manter e manejar suas florestas são abolidos, levando à destruição das florestas por concessionárias que não podem ser controladas por governos nem pelas comunidades.
Expropriação de espaço de vida por meio de concessões
Em 2010, as plantações de dendezeiros na Indonésia cobriam mais de 7,3 milhões de hectares, dispersos em 17 províncias em Sumatra, Java, Kalimantan, Sulawesi, Molucas e Papua. Em 2012, as plantações tinham aumentado e ocupavam 9,1 milhões de hectares. Com base nos atuais processos regulatórios, pode-se prever que esta expansão continuará até chegar a, pelo menos, 30 milhões de hectares e se estender a mais cinco províncias.
Além da chamada licença para “empréstimo e uso” (izinpinjampakai), o governo está envolvido na degradação florestal através da emissão de licenças para o uso de “florestas de produção”, conhecidas como IUPHHK-HA, que permitem a produção de madeira a partir de florestas naturais, bem como autorizações conhecidas como IUPHHK-HTI, que permitem a conversão de florestas primárias e secundárias em plantações monocultoras para fins econômicos, e motivam as concessionárias a “roubar” (ou seja, assumir o controle de) florestas naturais. Até novembro de 2011, haviam sido emitidas concessões florestais para 34,6 milhões de hectares do total de 77,5 milhões de hectares de “florestas de produção”. Dos restantes 37,1 milhões de hectares, o ministério florestal está tramitando licenças para outros 5,7 milhões.
Das licenças de uso emitidas sobre quase 39 milhões de hectares de florestas, apenas 0,5% foram concedidas para benefício do povo, na forma de Plantações de Florestas do Povo (Hutantanaman Rakyat/HTR), abrangendo 189.903 hectares, Florestas Comunitárias (Hutan//Kemasyarakatan/HKM), cobrindo 30.387 hectares, e Florestas de Aldeia (Hutan//Desa), com 18.908 hectares. Enquanto isso, de 40.859 aldeias em 17 províncias, 1.500 – equivalentes a uma área de 11.135.011 hectares – são incluídas como parte das áreas florestais, e outras 8.662 aldeias, cobrindo uma área de 28.456.324 hectares, fazem fronteira com florestas do Estado. Enquanto os moradores dessas aldeias podem ser acusados de violar a lei ao usar as florestas do Estado, o governo fornece proteção às empresas de dendê que operam em suas florestas, segundo a Regulamentação Governamental nº 60, de 2012, que permite a essas empresas usar legalmente a floresta ao se candidatar a licenças de “empréstimo e uso” ou por meio de “renúncia florestal”.
Mudança de identidade da terra e seus impactos associados
O desenvolvimento em grande escala do dendê e das plantações industriais HTI não visa impulsionar a economia, e sim o benefício de uma série de empresas que tentam moldar leis e regulamentações para seu próprio ganho financeiro. Como todos sabemos, os grandes partidos políticos que ocupam o governo e atendem aos interesses de chefes provinciais e distritais são compostos por empresários do setor de plantações e silvicultura. Enquanto o setor de capital arrebata espaço político na posse da terra, no manejo florestal há uma mudança de paradigma dentro do governo como regulador das políticas florestais. O interesse do governo é garantir que a autoridade sobre as florestas permaneça em suas mãos, para não desenvolver políticas que preservem as funções ecológicas da floresta.
Centenas de empresas que detêm concessões florestais não só privam as comunidades de seus direitos por meio de regulamentações formais do governo, mas também violam as próprias regulamentações através de desmatamento e outras práticas ambientalmente destrutivas. Entre os exemplos, estão a destruição de florestas de turfa em ecossistemas de manguezais de Aceh, florestas de turfa na Província de Riau e em todas as províncias de Kalimantan, e as florestas primárias em Papua.
As práticas de empresas plantadoras de dendê e madeira levaram numerosas espécies nativas diretamente à beira da extinção nas florestas primárias remanescentes. Para uma porcentagem cada vez maior da população, essas empresas geraram pobreza e resultaram em comunidades sem identidade. Enquanto algumas comunidades são expulsas de suas terras tradicionais, outras são empurradas à pobreza através da dependência do trabalho mal remunerado nas plantações de dendê.
A crença dos povos indígenas nas leis consuetudinárias que sempre observaram, bem como a distribuição e a socialização reduzidas geradas pelas leis formais do governo, vão prendê-los a uma posição onde podem perder de repente o direito ao seu território. Milhares de conflitos surgiram e estão crescendo, forçando os agricultores a enfrentar a escolha amarga entre perder sua pátria e ter que deixá-la, recebendo indenização insuficiente e trabalhando para a empresa, ou defender seus direitos sob o risco de ser criminalizados (por exemplo, acusados de invasão) pela empresa e a polícia.
Até 2012, a WALHI tinha recebido queixas e defendido comunidades em 113 casos de concentração de terras por empresas, que levaram à criminalização e prisão de 147 pessoas. Além disso, a WALHI recebeu 66 relatos de intimidação e violência, para não mencionar o assassinato de 28 pessoas e a morte de outras dez, incluindo mulheres e crianças.
Na ilha de Sumatra, em particular, além de tomar as fontes de subsistência dos agricultores e gerar trauma através da violência, as plantações de dendê contribuem em muito para a degradação ambiental com, por exemplo, assoreamento dos rios, inundações e secas, bem como a pobreza causada pela poluição entre as comunidades costeiras.
Zenzi Suhadi, WALHI - Amigos da Terra Indonésia, http://zenzie.blogspot.com