A mídia no alvo
No último 6 de maio, o jornalista Benoît Collombat e dois responsáveis de Radio France foram condenados por difamação contra o grupo do empresário francês Vincent Bolloré. A reportagem pela qual foram incriminados, dava a palavra à sociedade civil camaronesa sobre as práticas da empresa nos setores ferroviário, portuário e de plantações, todos eles privatizados em benefício de filiais do grupo Bolloré. Perante as acusações de explotação de trabalhadores, de colusão com o regime, de desmatamento e de poluição, nenhum responsável do grupo apareceu disposto a fazer declarações a tempo para que elas fossem incluídas na reportagem. O tribunal condenou os acusados a pagar uma multa de 1000 euros, mais uma por perdas e danos, especificando no entanto que a decisão se referia aos aspectos ferroviário e portuário mas não ao manejo das plantações.
Em 2 de julho próximo, teria sido a vez da fotógrafa independente Isabelle Alexandra Ricq de ser julgada por difamação. Vincent Bolloré tinha apresentado uma denúncia contra ela e dois responsáveis de Radio France, depois de uma entrevista de France Inter, na qual ela expôs os problemas que tinha podido constatar nas plantações de dendezeiros da Socapalm e seus arredores enquanto realizava uma reportagem gráfica (publicada em Le Monde Diplomatique e em Alternatives internationales,http://www.isabellericq.fr/socapalm.html). Convidada por Radio France a narrar sua experiência, descreveu as más condições de vida dos pigmeus Bagyeli, os problemas relacionados com o desmatamento e a falta de terras e a situação deplorável dos trabalhadores que, conforme comentou, "denominam-se a si mesmos escravos da Socapalm”. No entanto, duas semanas antes da audiência, Bolloré preferiu retirar a denúncia, provavelmente por considerar que tinha poucas possibilidades de ter sucesso e que se expunha ao grave risco de que fosse revelada ao público sua atividade em Camarões.
Estratégia de intimidação
Haverá algo menos transparente que as operações produtivas e comerciais, as redes de influências ou as atividades de repressão dos grandes grupos empresariais? Enquanto as críticas se limitaram a publicações relativamente marginais, o grupo não considerou necessário reagir. Mas quando a rádio francesa estatal, Radio France, retransmitiu determinadas opiniões discordes, o grupo decidiu que já era suficiente e que devia "atacar" por sua vez, para que "servisse de exemplo", já que "como o grupo não se brinca", como disse o Sr. Dominique Lafont, o número dois da Bolloré S.A., durante o litígio contra a Collombat. O que acontece é que o grupo Bolloré tem virado muito consciente de sua imagem. "Na África, a Bolloré é uma empresa cidadã. [...] Nossa estratégia consiste em tirar o continente de seu isolamento" através de um "desenvolvimento sustentável", especificou o Sr. Lafont. Quanto às opiniões críticas, foram qualificadas de "miserabilistas e altermundialistas".
Cabe apontar que, na França, Bolloré dispõe de outros meios para influir em seu favor sobre a opinião pública. Efetivamente, é o principal acionista da gigante da publicidade Havas, sexto grupo de comunicação mundial e principal anunciante de numerosos meios de imprensa. Além disso, Bolloré é proprietário do canal Direct 8 e de dois jornais gratuítos, Direct Soir e Direct Matin Plus. É evidente que seus leitores não vão inteirar-se das críticas que recebem os negócios africanos de Vincent Bolloré, da conivência dos regimes locais, da aniquilação da resistência nas plantações ou da destruição relacionada com o oleoduto Chade-Camarões... Não, para o público em geral, toda a atividade desse grupo (uma das mais diversificadas do mercado) se resumirá em sua fachada mais apresentável, a do Bluecar, um automóvel elétrico previsto para 2011, principal armadilha com a que conta Bolloré para atingir o "reposicionamento" ecológico de sua imagem.
Quem é Bolloré?
O grupo Bolloré aparece hoje entre os 500 mais importantes do mundo, com um volume de faturamento anual de mais de sete mil milhões de euros. Expandiu-se principalmente na África, onde está presente em 42 países. Vincent Bolloré -18º entre os mais ricos da França em 2009- construiu um império bem mais extenso do que as antigas colônias francesas. Apossou-se não apenas de plantações e serviços públicos africanos mas, principalmente, dos portos (seu negócio tradicional na África) e da indústria petroleira. O grupo não duvidou em trabalhar em estreita união com diferentes ditadores como Denis Sassou Nguesso, Omar Bongo ou Charles Taylor. Além disso, Bolloré é amigo do presidente Nicolas Sarkozy: ele viajou no iate do empresário depois de sua vitória na eleição presidencial e diz sobre ele que "honrava a economia francesa".
Graças à compra de antigas empresas coloniais e aproveitando a ondada de privatizações impostas pelos "ajustes estruturais" do FMI, Bolloré se tem transformado em um protagonista iniludível da estrutura econômica e da vida política de muitos países africanos. Seu controle de setores estratégicos e a transferência de porção de seus lucros africanos a paraísos fiscais como Luxemburgo ou as ilhas anglo-normandas lhe permitem dispor do capital financeiro que precisa para levar adiante seus negócios bolsistas e sua estratégia expansionista.
As plantações de Bolloré em Camarões
Camarões, antiga colônia francesa continua estando administrado por uma oligarquia que se ocupa mais com seus próprios interesses e os da França que os de interesse geral (conforme Transparency International, 2009, Camarões é o país mais corrupto da África subsaariana). Nesse contexto, muitos camaroneses consideram que o controle dos setores estratégicos pelas grandes empresas francesas é uma forma de neocolonialismo. Não é estranho ver dirigentes do grupo Bolloré pavonear-se em público com o presidente Paul Biya, sua mulher Chantal ou os principais funcionários governamentais. Para Pius Njawé, diretor do jornal Le Messager, a ingerência do grupo Bolloré na vida política de Camarões é indubitável: "é uma espécie de Estado dentro do Estado. [...] um perfeito exemplo do que se chama de Françáfrica”.
Em Camarões, o grupo Bolloré controla em particular imensas plantações de dendezeiros e de seringueiras, seja diretamente através da Safacam (que explota 8.400 hectares), ou indiretamente através da Socfinal (que administra 31.000 hectares), junto com as duas famílias do grupo Rivaud (retomado por Bolloré em 1995): os Fabri e os de Ribres. Bolloré possui perto de 40% das ações da Socfinal, um dos holdings de Rivaud que são cotados na bolsa de Luxemburgo. Uma de suas filiais, a Intercultures, dirige a Socapalm (Société Camerounaise de Palmeraies), a companhia envolvida nos dois litígios mencionados supra. No balanço da Socfinal, não menos de 45% dos lucros provêm da Socapalm. Esta última é o resultado de um programa governamental iniciado em 1963 com a ajuda do Banco Mundial. Em 2000 foi privatizada e passou a pertencer ao grupo.
A Socapalm é uma fonte de problemas sociais e ecológicos dramáticos, como foi denunciado pelo WRM (Boletins 112, 116 e 134 e Coleção do WRM sobre plantações Nº 13). Quando pertencia ao Estado, confiscou sem indenização terras que eram propriedade consuetudinária das populações locais; atualmente, continua expandindo-se em detrimento dos ecossistemas adjacentes, colocando assim em grave perigo a soberania alimentar dessas mesmas populações. Além disso, os produtos agroquímicos empregados para a monocultura e os resíduos vertidos por sua fábrica de Kienké poluem massivamente os cursos de água da área. Na plantação, as condições de vida e de trabalho são execráveis: barracas e latrinas coletivas insalubres, falta de água e eletricidade, trabalhos principalmente temporários com salários miseráveis, etc. Centenas de operários trabalham seis dias à semana, em alguns casos desde as 6 até a 18 horas, sem cobertura social nem proteção adequada, por aproximadamente 1,6 euros ao dia, sempre que as empreiteiras não se esqueçam de pagar-lhes. Perante esta situação têm havido múltiplas greves e protestos, mas quando surgiu em 2007 um movimento de resistência contra essas práticas, seu líder foi imediatamente detido pela polícia e as autoridades lhe disseram que "se continuava, iam matá-lo".
As plantações de Bolloré em outras partes do mundo
O grupo Bolloré, através da Socfinal, possui outras plantações de seringueiras e dendezeiros na África e na Ásia. Muitas delas originam problemas similares com os trabalhadores e os povos vizinhos. Na Libéria, por exemplo, a Socfinal é proprietária da maior plantação de seringueiras do país. Em maio de 2006, a Missão das Nações Unidas (UNMIL) publicou um relatório que descreve a situação terrível que prevalece nessa plantação quanto a direitos humanos: trabalho de crianças menores de 14 anos, recurso massivo à empreitada, uso de produtos cancerígenos, sindicatos amordaçados, demissões arbitrárias, manutenção da ordem por milícias privadas, desterro dos camponeses que obstaculizam a expansão da zona de explotação.
No Camboja, a situação não é muito melhor (ver boletim Nº 142 do WRM). Depois de duvidar durante meses, o governo outorgou uma concessão para plantação de seringueiras à Socfin KCD, companhia que pertence majoritariamente à Socfinal. Em dezembro de 2008 a pressão virou tão forte que centenas de camponeses do grupo étnico bunong se uniram para protestar contra a companhia que já tinha começado a roçar a floresta e os campos perto dos povoados. Os manifestantes danificaram e queimaram então veículos da empresa em sinal de protesta. Depois do incidente, aproximadamente um milhar de famílias de sete comunidades vizinhas declararam que a terra lhes pertencia, já que a tinham trabalhado por decênios e que seus direitos coletivos, como autóctones, estavam amparados pelo Código de Terras. Esses camponeses acusaram também às autoridades de favorecer à companhia, enquanto ela prometia empregos, hospitais, escolas e casas. A situação não se pacificou ainda.
Conclusão
O assunto dos impactos sociais e ecológicos dos grandes grupos industriais vira cada vez mais impenetrável, conforme salienta o último relatório de Jornalistas Sem Fronteiras titulado “Deforestación y contaminación: investigaciones de alto riesgo" (Desmatamento e poluição: investigações de alto risco). A decisão do Tribunal de Paris de maio de 2010 é um mau presságio para a liberdade de imprensa: vai desanimar os jornalistas -e a sociedade civil em geral- a empreender investigações críticas e alentará as empresas a recorrer cada vez mais à via judicial para silenciar qualquer tentativa de colocar em claro suas práticas frequentemente escandalosas. Junto com outros grandes grupos como Wilmar ou Unilever, Bolloré aposta ao desenvolvimento dos agrocombustíveis, supostos substitutos "ecológicos" do petróleo. Acontecerá que, quantas mais razões haja para investigar a respeito dessas atividades, mais se tentará intimidar aqueles que queiram fazê-lo? Em qualquer caso, a verdade é que os industriais terão muito interesse em cortar de raiz as críticas e impedir que prosperem.