Recentemente, a Oxfam da Grã Bretanha lançou um relatório sobre as atividades da empresa inglesa New Forests Company (NFC), que possui 27 mil hectares de plantações de árvores em Uganda, Tanzânia, Ruanda e Moçambique, além de ter contratos com os governos desses países envolvendo cerca de 90.000 mil hectares. A empresa afirma que a madeira que será produzida pode suprir as demandas da população, evitando o desmatamento de florestas nativas. Em Uganda, plantou, desde 2006, cerca de 9.300 hectares de pinus e eucalipto, em terras dadas em concessão pelo governo.
A empresa conseguiu financiamentos para seu empreendimento: 5 milhões de euros do Banco Europeu de Investimentos (EIB) para ampliar suas plantações em Uganda e mais US$ 6,7 milhões do fundo de investimento ´Agri-Vie Agribusiness Fund´, um fundo mantido, entre outros, pelo Banco Mundial. No entanto, o principal investimento para as atividades da empresa vem do banco privado HSBC com US$ 10 milhões.
Se todos esses recursos de investidores não bastassem, a empresa quer atrair mais dinheiro através da venda do serviço ambiental de carbono pelos chamados créditos de carbono, que fazem parte do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Kyoto. Empresas poluidoras do Norte vão poder continuar poluindo e agravando a crise climática se comprarem créditos de carbono supostamente ´armazenados´ em árvores plantadas pelo NFC.
Apesar de a empresa afirmar que mantém critérios sociais e ambientais rígidos e que suas plantações são certificadas pelo Conselho de Manejo Florestal (FSC), a equipe da Oxfam constatou que, no período de 2006 a 2010, mais de 22 mil pessoas nos distritos de Kiboga e Mubende foram expulsas de suas terras, inclusive com uso de violência, para dar lugar às plantações da NFC. Ela admite que pessoas tiveram que ser removidas, mas nega que participou das expulsões.
Cerca de 22 mil pessoas alegam ter morado há 40 anos nessas terras, onde existia toda uma infraestrutura com postos de saúde e escolas. Mas, segundo a empresa, apenas 31 famílias teriam títulos legais, o restante estaria ilegal e a empresa classifica essas pessoas como ´invasoras´.
O relatório divulgado pela Oxfam (1) mostra que as pessoas não foram consultadas e, sobretudo, o desespero dessa população, hoje sem terra e sem perspectivas. Em certos casos, as moradias e roças foram simplesmente destruídas. A soberania alimentar de toda uma população em dois distritos foi profundamente afetada. Uma das pessoas expulsas afirmou: “Eu perdi o que eu tinha. Onde eu estou agora, meus filhos choram todos os dias. Eu não posso mantê-los e eles não podem ir para escola. Até mesmo comer tem se tornado um problema”. (´I have lost what I owned. Where I am now, my kids cry every day. I cannot sustain them and they do not go to school. Even eating has become a problem´).
Enquanto isso, no documento (PDD – Documento de Desenho de Projeto) apresentado pela empresa em 2011 para a ONU para conseguir vender créditos de carbono, alega-se que as pessoas cederam suas terras “voluntariamente e de forma pacífica”. Outros financiadores têm declarado a Oxfam que o projeto está coerente com seus critérios e salvaguardas sociais e ambientais.
A Oxfam está exigindo que haja uma investigação independente urgente para identificar os responsáveis pelas violações que ocorreram e que seja feita a reparação justa de todas as violações. O que chama a nossa atenção é que, mesmo se a suposta legalidade em que a empresa se baseia tivesse algum fundamento, sua prática definitivamente não tem nada de moral ou ético se prestarmos atenção aos depoimentos e às histórias das pessoas expulsas das terras onde viveram tanto tempo, onde mães estavam criando seus filhos. Trata-se de uma violação tremenda dos direitos dessas pessoas.
O que chama atenção também é que a empresa conseguiu o selo FSC, com o qual essa organização de certificação afirma se tratar de uma empresa ´socialmente justa´. Num relatório de avaliação do FSC de 2010, a entidade chegou a afirmar, sobre as expulsões, que “a empresa seguiu meios pacíficos e atuou de forma responsável (..)” ( ´the company has followed peaceful means and acted responsibly (..)´ ) É mais uma mostra de como o FSC, na prática, fortalece as grandes empresas como NFC e contribui para o enfraquecimento e desestruturação de comunidades impactadas pelas plantações de monoculturas certificadas, até mesmo capaz de legitimar a expulsão de nada menos do que 22 mil pessoas!
E se tudo isso não bastasse, o FSC acaba dando aval para talvez o maior interesse desta empresa Inglesa para realizar este empreendimento num país africano: o lucro futuro que pode obter para sua matriz em Londres e seus acionistas com a venda do serviço ambiental de ´carbono´.
(1) Mais informações sobre este caso em Uganda podem ser encontradas no relatório da Oxfam sobre o caso, disponível na internet (http://www.oxfam.org/en/policy/new-forests-company-and-its-uganda-plantations-oxfam-case-study), no qual este artigo se baseou.