A Orinoquia abarca os territórios cobertos pela imensa bacia do Rio Orinoco, na Colômbia e na Venezuela. Há predominância de terras planas, por isso é conhecida como região dos llanos, ou planícies. É uma das maiores áreas de savana do planeta, junto a outras, como a savana africana ou o Cerrado brasileiro. Na parte colombiana, ela se concentra principalmente nos departamentos de Arauca, Casanare, Meta e Vichada, cobrindo aproximadamente 310 mil km2. (1)
Em uma área tão vasta, habitam povos indígenas, camponeses, colonos, afrodescendentes e população urbana. Esta última cresceu muito nas últimas décadas. Cidades como Villavicencio, capital de Meta, cresceram com a chegada de populações que foram deslocadas de outras áreas das planícies devido ao conflito armado que continua afetando o país.
A Orinoquia passou por drásticas transformações territoriais desde a época da ocupação europeia, com a introdução da pecuária extensiva. Depois veio o extrativismo, nessa região se explora o maior volume de petróleo da Colômbia. No início da década de 1960, o Estado empurrou milhares de famílias para essa região por meio de programas de colonização direcionada. Muitas dessas propriedades acabaram nas mãos de latifundiários e, novamente, as populações locais foram expulsas.
Na década de 80, a economia baseada em cultivos ilícitos, principalmente a coca, ocupou grandes áreas e o conflito armado se intensificou, tornando essa região uma das mais afetadas. (2) Posteriormente, uma nova atividade econômica, que se apresenta como lícita, surgiu para transformar e impactar novamente o território e seus habitantes: as grandes monoculturas de árvores.
Plantações de árvores para o mercado de carbono
As plantações de árvores, ou monoculturas, têm várias características. Este artigo busca abordar e alertar sobre as peculiaridades e os impactos de um tipo específico: as plantações destinadas ao mercado de carbono.
Não se trata de algo novo. Essas monoculturas já tiveram uma fase de implementação durante a primeira década deste século, quando foram promovidas como sumidouros de carbono. Nos últimos três anos, as solicitações para estabelecer e registrar plantações de árvores como projetos de carbono aumentaram significativamente, tanto em número quanto em tamanho. (3)
Mas de onde vem o interesse nessas plantações? Basicamente, elas representam uma oportunidade (para empresas de madeira e celulose) de fazer mais negócios e ganhar mais dinheiro, além de lavar a imagem de muitas empresas que compram “créditos de carbono” ou, em outras palavras, licença para poluir. (4) Adota-se o postulado de que as árvores absorvem carbono da atmosfera e o armazenam em folhas, troncos e raízes. Então, qualquer um que cultive essas plantações e afirme estar plantando apenas em função do incentivo oferecido pelo mercado de carbono, pode ganhar dinheiro vendendo créditos de carbono para empresas que alegam não conseguir reduzir sua própria poluição. (5) No entanto, isso não costuma ser verdade, entre outras coisas, porque quem cultiva essas plantações o faria de qualquer maneira, para continuar vendendo madeira e lucrando.
O mercado de carbono e seus projetos não têm funcionado para o que se propõem, ou seja, solucionar a crise climática. Entretanto, funcionaram muito bem para as empresas que lucram com o negócio e oferecem seus serviços de consultoria, certificação, criação de padrões de carbono, comercialização de créditos, entre outros. Além disso, o mercado de carbono beneficia as empresas que são as principais responsáveis pela crise climática, que, ao invés de eliminar ou reduzir suas emissões, as mantêm ou aumentam, impulsionando seus lucros.
Uma publicação da Amigos da Terra oferece uma extensa lista de impactos e ações equivocadas dos responsáveis por projetos de plantações relacionadas à compensação de carbono. (6) Entre eles:
• violação de leis relacionadas ao acesso à terra para comunidades e do direito à consulta prévia, livre e informada;
• expulsão de famílias de agricultores de suas terras; compra de terras a preços muito baixos ou expropriação violenta;
• nos casos de projetos em que agricultores firmam contratos para plantar árvores, obrigações que vão além do tempo estipulado nos contratos, por exemplo, manter árvores plantadas por 50 ou 100 anos, em contratos que duram apenas sete;
• impactos sobre a soberania e a segurança alimentar, pois as famílias são forçadas a abandonar suas plantações para se dedicar às atividades do projeto;
• e, inclusive, algumas empresas têm até causado incêndios acidentais.
Esses fatos são motivo de sobra para gerar alerta e preocupação entre as comunidades, principalmente no Sul Global, onde esse tipo de plantação mais está crescendo. Especialmente preocupante é o que pode acontecer na Colômbia, que está entre os três países com maior número de projetos de plantações de árvores voltadas para o mercado de carbono.
Monocultura de árvores para o mercado de carbono na região da Orinoquia
Na Colômbia, a região da Orinoquia tem a maior área ocupada por plantações de árvores destinadas ao mercado de carbono. São pelo menos 28 projetos que se estendem por aproximadamente 178 mil hectares (7), número que é ainda maior quando se considera projetos ainda não registrados. Embora outras partes do país, como o departamento de Antioquia, tenham um número maior de projetos, eles ocupam uma área muito menor.

Assim sendo, a Orinoquia, e especialmente os departamentos de Meta e Vichada, concentram a maior área de plantações e, como consequência, os maiores riscos e impactos. Além disso, o histórico de monoculturas que já existem na região é alarmante. A Orinoquia é uma das regiões mais afetadas pelo conflito armado no país, com milhares de pessoas assassinadas, expulsas, desaparecidas ou submetidas às mais atrozes formas de violência. Parte desses impactos e sofrimentos está diretamente relacionada à implantação de monoculturas. Por sua vez, as monoculturas são uma das causas da desconfiguração do território e da paisagem.
Mas por que as monoculturas de árvores na Orinoquia são tão nefastas?
Muitos dos projetos propostos ou em desenvolvimento envolvem a restauração ou recuperação de territórios, que chamam de ecossistemas, por meio de reflorestamento ou florestamento. E é aqui que começam a aparecer as incoerências e objeções. Primeiro, porque ao falar de “ecossistemas” omitem a referência ao território, que é o que realmente está sendo impactado. E o território inclui não apenas os elementos de um “ecossistema” – como água, solo, vegetação e animais – mas também populações humanas, suas relações e suas culturas, entre outros aspectos.
Em segundo lugar, esses projetos afirmam, a priori, que irão restaurar terras degradadas pela pecuária extensiva ou pela agricultura. Para isso, prometem estabelecer “florestas plantadas” em savanas supostamente degradadas (o que é discutível ou polêmico), a maior parte delas localizada ao sul do Rio Meta, no altiplano ou planalto. A questão é que a savana faz parte da diversidade de territórios terrestres do planeta e nem todos eles são cobertos por árvores. A presença de solos cobertos por gramíneas não significa que eles estejam degradados, como querem sugerir.
“Claramente, a savana do altiplano não foi desmatada recentemente; pelo contrário, as savanas de Orinoquia são dominadas por pastagens há 18 mil anos ou mais”, explica Sergio Estrada. (8) A florestação ou reflorestação de savanas tem múltiplas consequências, principalmente considerando que a maioria dos projetos consiste em monoculturas de espécies exóticas, como pinus, eucaliptos ou acácias. (9)
Alguns impactos ecológicos das monoculturas de árvores no altiplano
De qualquer forma, plantações em monoculturas não são florestas e, seja por meio de reflorestamento ou de florestamento, elas estão levando à perda de biodiversidade de espécies que ficam sem seus habitats ou são substituídas por outras, exóticas. À medida que a savana se transforma, grandes mamíferos como o tamanduá, que depende de cupins e formigas, fogem em busca de outros lugares para se alimentar. As alterações são múltiplas e inimagináveis, por exemplo, espécies de árvores exóticas não produzem frutos carnosos que possam alimentar a fauna local. Apenas alguns papagaios consomem os frutos da acácia (Acacia mangium), o que gera outro desequilíbrio, pois facilita a disseminação dessa árvore altamente invasora para locais distantes de onde foi plantada. (10)
Por outro lado, vários projetos falam em recuperar terras degradadas, mas têm estabelecido monoculturas em áreas reconhecidas por seu bom estado de conservação, como a bacia do rio Bita, que mantém quase 95% de sua cobertura natural. (11) Nas suas proximidades, por exemplo, encontra-se parte das monoculturas do projeto Brújula Verde, da Trafigura, uma das maiores empresas de comércio de combustíveis fósseis do mundo. A empresa investiu mais de 1 bilhão de dólares por meio de uma de suas subsidiárias, a Impala, para adaptar a infraestrutura para o transporte de petróleo ao longo do rio Magdalena, na Colômbia. (12)
O projeto Brújula Verde (com monoculturas majoritariamente localizadas na área destacada em azul na Figura 1) está a cargo da Inverbosques, que até 2024 havia plantado 10 mil hectares, 90% deles com eucalipto em Vichada. A gerente da empresa defende a decisão de plantar eucalipto, alegando razões econômicas. Ela afirma que essa espécie permite a captura acelerada de créditos de carbono para financiar o projeto para, “posteriormente”, plantar espécies nativas, que crescem muito lentamente e cuja eficiência econômica e financeira é difícil de obter. (13)
Uma proporção significativa de todas essas monoculturas está ou será estabelecida nos solos mais férteis do altiplano, pois estão localizadas às margens do rio Meta, o que significa que recebem água da cordilheira oriental, com elevado teor de nutrientes.
Portanto, esses projetos se propõem a recuperar com monoculturas de árvores, territórios que já estão em bom estado de conservação. No entanto, ainda mais alarmantes do que as consequências descritas anteriormente são os impactos sobre comunidades e povos indígenas.
Violência e expropriação no estabelecimento de plantações na região da Orinoquia
A Orinoquia já conta com uma vasta extensão de monoculturas, não só de árvores, mas também de dendê, milho, soja e cana-de-açúcar, entre outras. As plantações para carbono também têm antecedentes, como o projeto Gaviotas 2, que visa plantar em 6,3 milhões de hectares para produção de biocombustíveis e como sumidouros de carbono. (14)
Várias fontes documentam a prática sistemática de expropriação e expulsão de comunidades e povos indígenas, que tiveram seus territórios destinados, em muitas ocasiões, às monoculturas, principalmente no século XXI. O Estado colombiano tem tido participação e responsabilidade de diversas formas, seja por omissão, por propiciar a impunidade ou por práticas sistemáticas, como não reconhecer territórios de povos indígenas, cuja existência, em alguns casos, é até ignorada. Ao mesmo tempo, a terra é titulada para colonos ou indivíduos, que depois a vendem para empresas que estabelecem monoculturas de dendê, madeira ou outras. (15)
Os povos indígenas da região foram dizimados e caçados, com práticas que ficaram conhecidas como Guahibiadas (16), das quais se tem relatos até o ano de 2005, nos limites de Puerto Gaitán (Meta) e Vichada. Portanto, qualquer intervenção que desloque ou ponha em risco o território em que esses povos vivem causa um grave impacto em sua sobrevivência.
Somente no departamento de Vichada, em 2009, a Organização Nacional Indígena da Colômbia (ONIC) e o Conselho Indígena Regional de Vichada (CRIVI) identificaram 41 casos de comunidades em alto risco de deslocamento e expropriação territorial. Os povos impactados foram os Sikuani, Mayerris, Kuivas, Amorúa, Sáliva e Piapoco. Até então, sete casos envolviam expulsões violentas, com a ameaça ou a queima de fato de aldeias inteiras para estabelecer plantações de seringueira ou de matéria prima para agrocombustíveis. Duas empresas estão vinculadas a esses eventos: a Hercaucho e a Llano Caucho. (17)
Em suma, a implementação de plantações em monocultura na Orinoquia tem vínculo direto com práticas de expropriação, violência e expulsão, que acarretam a perda de territórios de povos indígenas.
Com o incentivo proveniente dos mercados de carbono, o estabelecimento de novas monoculturas tende a exacerbar a já gravíssima situação de direitos humanos enfrentada pelos povos e comunidades locais. Também aumentará a pressão e a demanda por terras, gerando ainda mais conflitos. É importante alertar sobre essa situação para que sejam tomadas medidas que evitem a repetição de um padrão já identificado no estabelecimento de plantações na região.
Tudo isso acontece em um contexto em que tanto a população local quanto os povos indígenas desconhecem quase totalmente esse novo negócio de carbono e suas implicações e, portanto, sua organização e capacidade de resposta são baixas.
Enquanto isso, as monoculturas de árvores para o mercado de carbono estão aumentando na região da Orinoquia, sob o pretexto absurdo de restauração. Pelo contrário, essas monoculturas estão causando diversos impactos na região e em seus habitantes, representando a continuidade de um sistema injusto de apropriação do território, perpetuado por meio da violência e da exploração.
Secretariado do WRM
(1) Universidad Nacional de Colômbia – ODDR. 2013. Caracterización región de la Orinoquia. Bogotá D.C.
(2) O relatório final da Comissão para o Esclarecimento da Verdade, a Coexistência e a Não Repetição, criada no marco do acordo de paz entre o Governo da Colômbia e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo FARC-EP, em seu capítulo Orinoquia, oferece detalhes da situação de violência e violação de direitos naquela região: Comisiondelaverdad.co
(3) Esta publicação do WRM, de 2024, mostra onde e como esses tipos de plantações estão se expandindo, a quem elas beneficiam e como impactam as comunidades: “Plantações de árvores para o mercado de carbono. Por que, como e onde elas estão se expandindo?” Disponível em WRM
(4) Para mais informações sobre o que são os créditos de carbono e quem se beneficia com a sua comercialização, consulte o artigo “O negócio do carbono, as terras e as árvores” em WRM
(5) Esta publicação do WRM de 2024 mostra onde e como esses tipos de plantações estão se expandindo, a quem elas beneficiam e como impactam as comunidades: “Plantações de árvores para o mercado de carbono. Por que, como e onde elas estão se expandindo?” Disponível em WRM
(6) Amigos da Terra Internacional. 2023. Banco de evidências sobre falsas soluções climáticas. Seus impactos nas pessoas e no planeta. Disponível em: https://www.foei.org
(7) Dados provenientes dos registros das certificadoras Verra Verified Carbon Standard, Cercarbono, Biocarbon e Gold Standard, obtidos em janeiro de 2025.
(8) Estrada, V. S. 2024. Evitemos una tragedia ecológica en las sabanas del Vichada. Revista Nova et Vetera. Volume 10, Número 92.
(9) Para mais informações sobre os problemas causados pelas plantações industriais de árvores, recomenda-se a publicação “O que há de errado com plantar árvores? Novos incentivos para expandir as plantações industriais de árvores no Sul Global”. Disponível em WRM
(10) Estrada, V. S. 2024. Evitemos una tragedia ecológica en las sabanas del Vichada. Revista Nova et Vetera. Volume 10, Número 92
(11) Mongabay. 2018. El río Bita se convierte en el undécimo humedal Ramsar de Colombia. Disponível em Mongabay.
(12) Mongabay. 2024. Experts question benefits of Colombian forestation project led by top oil trader. Disponível em Mongabay
(13) Idem.
(14) Bohórquez, D. A; Garcés, A. D; Ayala, R. S. 2012. Análisis de conflictos de la región Orinoquía en relación con proyectos energéticos: 2000-2010. Investigaciones en construcción, Número 27, p. 87-152.
(15) ONIC. 2009. Introducción de la situación de violación de derechos humanos en Vichada.
(16) Comisión de la Verdad. “Afectaciones históricas, continuum de violencias: Guahibiadas”. Disponível em Comisiondelaverdad.co
(17) ONIC. 2009. Situación territorial de los pueblos indígenas del Vichada.