Orinoquía Colombiana: Entre o esquecimento, o extrativismo e a reserva agrícola

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Guarda Indígena do Tejido UNUMA da Orinoquía, no âmbito da reunião do Comitê político dessa organização, 2023. Comunidade Trompillo Kuwai, La Primavera, Vichada. Créditos: Daniel Ávila (Corporación Claretiana)

A Orinoquía é uma das cinco regiões geográficas da Colômbia, abrangendo os departamentos de Arauca, Casanare, Meta, Vichada e a parte norte de Guaviare. Também conhecida como Los Llanos, essa região inclui uma grande diversidade ecossistêmica e cultural, entre sopé, selva de transição, savana, savana inundável e rios caudalosos, com uma grande variedade de fauna e flora, parte dela em perigo de extinção.

A narrativa do “vazio” (1) foi usada para descrever a Orinoquía, daí o seu nome comum, “llanos”, que se refere ao plano, ao desabitado e ao selvagem. Porém, nessa região existe uma diáspora de Povos Indígenas nômades que habitaram a região em épocas ancestrais e hoje estão confinados em algumas reservas já estabelecidas (2) e em assentamentos ainda não reconhecidos pelos órgãos competentes do Estado (Ministério do Interior). São populações que, na sua maioria, foram declaradas em risco de extinção física e cultural pelo Tribunal Constitucional (auto 004). (3) Devido ao etnocídio e ao racismo estrutural de que foram vítimas, atualmente elas não têm meios físicos nem culturais para sobreviver. (4)

O Estado colombiano continua promovendo a interpretação desse território como “vazio” e disponível como reserva agrícola. Para tanto, concedeu o direito de uso da terra aos grandes capitais nacionais e estrangeiros, sem levar em conta a existência e a participação das comunidades nessas decisões nem aplicar uma abordagem diferenciada a esse tipo de atividades e projetos que têm efeitos diretos sobre territórios e territorialidades indígenas. (5)

À cultura ancestral do povo se opõe a estratégia de desenvolvimento violento, (6) que se atualiza no território através de programas de colonização direcionada, exploração de borracha, cinchona, anil ou hidrocarbonetos, além de monoculturas e pecuária. Soma-se a isso a recente designação da região como “grande despensa agrícola” para expansão do agronegócio, captura e compensação de carbono, bem como mineração de terras raras.

Em 2014, com a aprovação do documento CONPES 3797, (7) o Estado colombiano projetou uma parte da Orinoquía, denominada altiplanicie (planalto), como área de expansão agrícola, destacando seu potencial para grandes projetos de cultivo de dendê e mineração. O documento não menciona os Povos Indígenas, seus projetos produtivos nem seus processos de organização.

Vejamos três exemplos recentes de intervenção externa no território.

Vichada e a mineração: arco mineiro da Orinoquía

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(Imagem de Auxico Resources https://www.auxicoresources.com/colombia)

As reservas minerais da Orinoquía colombiana têm alto valor no mercado internacional devido à presença de minerais raros. (8) Em 2012, o Estado colombiano declarou e delimitou zonas do departamento de Vichada como Áreas Estratégicas de Mineração (AEM) por meio da resolução 0045 da Agência Nacional de Mineração (ANM). (9) No entanto, essa resolução, assim como outras de natureza semelhante, foi anulada pelo Tribunal Constitucional em 2015, devido à violação dos direitos à Consulta Prévia, à diversidade cultural, à participação cidadã e ao território. (10) Porém, antes dessa decisão do Tribunal, entre 2003 e 2012, haviam sido apresentados às autoridades 190 pedidos de concessões para mineração, cobrindo uma área total de 895.908 hectares, o equivalente a 9% do departamento. (11)

Em 2022, a comunidade da Reserva Indígena Guacamayas-Maiporé, em Vichada, começou a expressar preocupação com a mineração em sua reserva e em uma área próxima. Em um projeto da multinacional canadense Auxico Resources, foi negociada uma propriedade adjacente à reserva onde havia um processo de concessão para mineração artesanal desde 2010. A Agência Nacional de Mineração concedeu a licença em 2023 e, em 2024, a autoridade ambiental (Corporinoquía) aprovou o Estudo de Impacto Ambiental do projeto. (12)

A multinacional garante que tem um acordo com a Reserva de Guacamayas-Maiporé para explorar a mineração dentro do território. (13) A situação é desmentida pela maioria dos habitantes da Reserva, segundo os quais apenas uma pessoa assinou esses documentos, sem participação da comunidade. Agora eles temem que, dentro de alguns anos, a exploração desses metais dentro da Reserva tenha início sem o seu consentimento. Os estudos de impacto ambiental não levaram em consideração os efeitos sobre as comunidades do entorno, e não há prevenção nem compensação ambiental de qualquer tipo.

A multinacional usa a figura da “mineração artesanal” para obter o direito de explorar com padrões de controle menos rígidos. Cabe perguntar que tipo de mineração artesanal pode ser feita por uma multinacional com interesses estratégicos supranacionais nesses minerais e, além disso, com planos de construir uma refinaria de terras raras em território colombiano. Também não está claro sobre quem recairiam as obrigações decorrentes da licença – sobre a empresa ou sobre a pessoa de quem se adquiriu a propriedade – deixando um vazio com relação às responsabilidades que a empresa possa ter pelos impactos ambientais ou sociais. (14)

Casanare: Caño Mochuelo e os conflitos de dois projetos “ambientais”

A Reserva Indígena de Caño Mochuelo, localizada no departamento do Casanare, obteve uma importante vitória em 2010: em assembleia geral impediu a exploração de petróleo em seu território. (15) No entanto, atualmente estão em debate dois projetos relacionados à onda da “economia verde” promovida pelo governo de Iván Duque e aprofundada no de Gustavo Petro: a venda de créditos de carbono e um projeto de “reflorestamento” de 200 hectares com espécies de eucalipto.

A Reserva de Caño Mochuelo tem uma situação única dentro da pluriversidade cultural colombiana. Em uma área inferior a 100 mil hectares, dez povos diferentes estão confinados em 14 assentamentos. Eles têm tradições nômades ou seminômades, e foram exterminados física e culturalmente ao longo da história. (16) As comunidades têm uma Assembleia Geral como forma de governança e participação, mas nem sempre a decisão dessa Assembleia é respeitada, e uma única pessoa pode acabar decidindo por 14 comunidades.

Ano de 2022 – Projeto de venda de créditos de carbono (CO2)

As comunidades que vivem na Reserva de Caño Mochuelo têm sido empobrecidas pela falta de atenção e oportunidades de educação e trabalho, ao mesmo tempo em que são vítimas de muitas violações à sua dignidade humana, reconhecidas pelo próprio Estado colombiano no processo de reparação coletiva às vítimas do conflito armado. (17)

Desde 2022, a empresa CO2CERO – através de uma pessoa física, Henry Andueza Errunuma – vem promovendo um projeto de venda de créditos de carbono que se pretende implementar na Reserva. O acordo seria assinado entre a empresa e Andueza, que atua como sócio coordenador de REDD+ em nome de nove reservas indígenas, sem especificar o tipo de atividade que gerará os créditos de carbono (conservação, plantações de árvores, etc.). No site da empresa, há um projeto cadastrado com o nome de Awia Tuparro +9, no qual, embora sejam mencionados vários territórios indígenas, não aparece a Reserva de Caño Mochuelo (Projetos de Carbono – CO2CERO).

No processo de debate público desse projeto, os proponentes não executaram o protocolo de consulta prévia, livre e informada. Usando como desculpa a natureza comercial do contrato, eles garantem que se trata de um acordo baseado em decisão livre das partes. Apesar de haver ferramentas como as salvaguardas sociais, ambientais e institucionais promulgadas na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, na prática, não existe um garantidor que faça cumprir os direitos mínimos de acesso à informação e à participação cidadã por parte das comunidades. (18)

O contrato tem algumas particularidades que vale a pena mencionar:

    • O contrato é uma procuração (contrato de mandato) em que a Reserva autoriza um terceiro a negociar em seu nome.
    • O contrato possui cláusulas de confidencialidade que afetam as salvaguardas sociais de acesso à informação.
    • O contrato define que a Reserva é que deve assumir as salvaguardas socioambientais, contrariando as obrigações que as empresas têm com relação a essa questão.
    • Apesar de afirmar que os investimentos estão vinculados aos chamados “planos de vida”, atualmente as comunidades da Reserva não contam com eles. Um “plano de vida” é uma ferramenta desenvolvida pelas próprias comunidades para habitar o território a partir de sua cultura e sua identidade próprias, abrangendo diversas áreas, como espiritual, política, ambiental e econômica.
    • As cláusulas de descumprimento que se aplicam às comunidades chegam a 100 milhões de pesos colombianos (25 mil dólares).
    • Se, uma vez realizados os estudos, a análise não considerar o projeto viável, os custos deverão ser assumidos pela Reserva Indígena.

A aprovação do projeto de créditos de carbono não foi feita pela via regular da Assembleia Geral da Reserva, e sim por meio de uma figura que não existe nos seus Estatutos: uma mesa diretora com 14 autoridades, sem levar em conta a vontade das comunidades, que já haviam manifestado suas objeções ao projeto em várias assembleias.

Embora a Assembleia Geral tenha decidido, em abril de 2024, não prosseguir com esse projeto, o contrato já havia sido assinado pelo Governador da Reserva em dezembro de 2023, sem autorização da Assembleia. Isso representa um cenário difícil para que se possa abandonar esse projeto sem consequências jurídicas.

Ano de 2024 – Projeto de reflorestamento com eucalipto

Em dezembro de 2023, o ex-governador do departamento do Casanare, Salomón Andrés Sanabria, e o atual governador da reserva de Caño Mochuelo chegaram a um acordo secreto para realocar dinheiro do Sistema Geral de Royalties. O recurso, que era destinado à infraestrutura educacional em escolas indígenas, foi realocado para a “implementação de ações voltadas à melhoria da qualidade de vida da comunidade da Reserva Indígena de Caño Mochuelo, com reflorestamento produtivo no município de Paz de Ariporo” (código BPIN 2023100010060), no valor de 7 bilhões de pesos colombianos (1,7 milhão de dólares)

Nesse projeto, não houve consulta prévia nem aprovação pela Assembleia, apenas um documento pessoal assinado pelo governador da Reserva. Existiam documentos anteriores sobre negociações com os demais grupos indígenas no departamento do Casanare, e internamente, em Caño Mochuelo, havia sido determinado que o dinheiro que o Estado dá aos Povos Indígenas a título de royalties seria destinado a investimentos na infraestrutura educacional das escolas indígenas do Casanare. (19) Sendo assim, por que a decisão das comunidades foi alterada?

Esse projeto visa plantar 200 hectares com eucaliptos em plena savana do Casanare, argumentando que eles são eficientes para a “reconstrução das florestas” e a “recuperação da identidade indígena”. Mas os impactos negativos dessas monoculturas estão mais do que comprovados, e um deles é o alto consumo de água, inclusive em níveis subterrâneos.


Mais exemplos de colonialismo de carbono e racismo em Orinoquía

Muito antes do projeto em Paz de Ariporo, investidores estrangeiros da empresa Forest First Colombia se apropriaram de 40 mil hectares no departamento de Vichada para estabelecer uma plantação de eucaliptos voltada à venda de créditos de carbono. Em uma entrevista, seus representantes afirmam que “nessa região da Colômbia, não só não há estoques de carbono no solo, mas também não há vegetação para reter esse carbono”, acrescentando que o eucalipto, ao contrário, é “muito eficiente em retirar carbono do ar e armazená-lo na madeira”. Em sintonia com o governo colombiano, que considera a região “vazia”, os representantes do projeto alegaram que “não estão desalojando pessoas”. No entanto, eles acusam as comunidades de base pela destruição ambiental, em vez de sua própria monocultura de eucalipto: “As poucas pessoas que vivem lá ateiam fogo nas pastagens várias vezes ao ano devido a más práticas de manejo da terra” (20).


Ironicamente, dentro do estudo ambiental do projeto em Paz de Ariporo, o reflorestamento com eucalipto se justifica com o objetivo de recuperar a identidade cultural das comunidades indígenas, quando, na realidade, não existe nenhum tipo de relação cultural entre aquelas árvores de origem australiana e as comunidades da Orinoquía.

Vale ressaltar que, se o objetivo do projeto era o fortalecimento dos Povos Indígenas e não apenas os interesses do capital e dos empreiteiros amigos dos governantes da vez, o reflorestamento deveria ter sido planejado com múltiplas espécies da família das arecáceas (palmeiras), que, em função de sua alta demanda e do grave confinamento das comunidades, chegaram a ser extintas na Reserva.

As arecáceas não só são a mais importante fonte de matéria-prima para construção, fabricação de ferramentas, roupas, artesanato, medicamentos, obtenção de alimentos, etc., mas também estão ligadas a um universo teológico entrelaçado a todos os outros organismos com os quais se coabita na Orinoquía. O buriti (Mauritia flexuosa) se destaca por ter complexas relações de associação com múltiplas espécies, razão pela qual foi considerado uma espécie fundamental para a vida. Um caso semelhante é o da bacaba (Oenocarpus bacaba), da inajá (Attalea maripa), da tucumã (Astrocaryum aculeatum) e do açaí (Euterpe oleracea). (21) É nessas espécies de palmeira e em outras plantas que se encarnam as sabedorias dos antepassados.

Apesar desses fatos, as instituições do Estado não assumem responsabilidades pelos impactos ambientais ou pelas garantias dos direitos coletivos, nem pela consulta adequada, deixando as comunidades desprovidas de apoio e acompanhamento do Estado.

Corporação Claretiana NPB (22)
Andrés Tiboche e Daniel Ávila

      (1) Rausch, J. M. (1999). La frontera de los Llanos en la historia de Colombia: (1830- 1930). Tradução de Nicolas Suescún. Santafé de Bogotá: Banco de la República, El Ancora 
    (2) A Reserva Indígena é uma figura político-administrativa retomada da época colonial, que busca proteger o território das comunidades indígenas, com respeito à sua autonomia e sua autodeterminação, em conformidade com a convenção 169 da OIT.
    (3) https://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/autos/2009/a004-09.htm
    (4) Conforme evidenciado no relatório apresentado à Jurisdição Especial para a Paz (JEP) através da Rede Llanos & Selva: “Etnocidio y Racismo Estructural en la Orinoquía”, em 2021.
    (5) No Tribunal Constitucional, as “territorialidades” foram reconhecidas para as comunidades indígenas como lugares que, embora não estejam dentro do seu território delimitado oficialmente, fazem parte da sua cultura devido a relações espirituais e culturais. SU 123 de 2008.
    (6) Gómez G., A. (1991). Indios, colonos y conflictos: una historia regional de los Llanos Orientales, 1870-1970. Bogotá: Siglo XXI Editores, Pontificia Universidad Javeriana.
    (7) Conselho Nacional de Política Econômica e Social, órgão encarregado de assessorar as políticas econômicas e sociais do país.
    (8) As terras raras são um grupo especial de minerais com elevado valor comercial para o desenvolvimento tecnológico.
    (9) Diário Oficial. Ano CXLVIII. n. 48483. 6 de julho de 2012. p. 131. In: https://www.suin-juriscol.gov.co/viewDocument.asp?id=4007264 
    (10) Sentença de Tutela T 766 de 2015, https://justiciaambientalcolombia.org/wp-content/uploads/2016/06/sentencia-t-766-2015-1.pdf
    (11) Rojas, I., Ospina, J. e González O. (2019) Vichada: Tierra Codiciada. In: Território E Desenvolvimento 2019; janeiro-junho. Vol. 3, nº 1, p. 13-19
    (12) https://www.elespectador.com/investigacion/la-historia-no-contada-de-la-primera-mina-de-tierras-raras-en-vichada-colombia/#google_vignette
    (13) https://www.auxicoresources.com/_files/ugd/6f9bc0_4801a8ed522945498617f1d95afbfc12.pdf?index=true
    (14) Atualmente o governo colombiano está negociando com as comunidades indígenas para atualizar o código de mineração. No entanto, conseguimos mostrar que a questão das terras raras não foi abordada diretamente e há um grande desconhecimento sobre esse tipo de projeto.
    (15)  https://sistematizacioncm.wordpress.com/4-el-proceso-de-intervencion/el-proceso-de-intervencion/2010-2/ Art. 1º da Res. 0171 de 2016 da unidade para a atenção e reparação de vítimas. Define o confinamento como uma situação de violação de direitos fundamentais, em que as comunidades, apesar de permanecerem em uma parte do seu território, perdem mobilidade em consequência da presença e da atuação de grupos armados ilegais. Essa restrição implica a impossibilidade de acesso a bens essenciais à sobrevivência em função do controle militar, econômico, político, cultural e social exercido por grupos armados ilegais no quadro do conflito armado interno.
    (16) Auto 098 de medidas cautelares, no âmbito da reparação coletiva às vítimas do conflito armado. Existe um processo de reparação coletiva por parte do Estado colombiano, e nesse contexto, é emitida uma medida cautelar (figura legal preventiva para evitar danos maiores aos atingidos). 
    (17) Durante a elaboração deste artigo, o Tribunal Constitucional da Colômbia, por meio da decisão T 248 de 2024, decidiu sobre essa violação dos direitos coletivos das comunidades e sobre a omissão do Estado colombiano em aplicar uma abordagem étnica ao mercado voluntário de REDD+.
    (18) O Sistema Geral de Royalties (SGR) é um mecanismo que visa garantir a distribuição equitativa e o uso eficiente das receitas provenientes da exploração dos recursos naturais não renováveis ​​do país.
    (19) https://dfcgov.medium.com/a-q-a-with-forest-first-colombia-ceo-tobey-russ-and-cfo-jonathan-dodd-on-climate-change-mitigation-06e33921cd4d
    (20) Schultes, R. E. (1974). Palms and religion in the northwest amazon. Cambridge: Harvard University.
    (21) Organização que acompanha as comunidades indígenas da Orinoquía há mais de 20 anos.