Colômbia: por lei, a floresta tem que sumir

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Que a floresta desapareça parece ser a premissa promulgada nos diferentes instrumentos de política criados na Colômbia para o setor florestal. A maior parte deles, no entanto, apresenta eufemisticamente objetivos de conservação e proteção.

O país já teve declarações oficiais de política florestal em 1974, 1984, 1989, 1993, 1996 e 2000; além de ter se amparado nos diversos convênios e tratados internacionais que propendem para a conservação das florestas. Porém, as circunstâncias atuais pelas quais atravessam as coberturas florestais e os povos estreitamente relacionados com elas mostram que os objetivos foram atingidos apenas de forma parcial; esta é uma das conclusões de um dos relatórios da Controladoria da República sobre o estado dos recursos naturais e do ambiente (Controladoria Geral da Nação, 2002). Assim, os próprios organismos governamentais de controle dão conta da ineficiência das políticas, que acarretaram, junto a outras causas, o desmatamento e a degradação das florestas do país.

As declarações de política mencionadas, junto ao Plano Nacional de Desenvolvimento Florestal são antecedentes que serviram de base para a elaboração da lei 1021 ou lei geral Florestal, expedida em abril de 2006 e que norteia as atividades do setor florestal e que, como veremos mais adiante, está facilitando ações em detrimento das florestas e das comunidades que habitam nelas; o que é agravado pela política nacional de fomento dos agrocombustíveis, aplicada desde 2002.

A preocupante situação atual do patrimônio florestal e sua semelhança com o que ocorre nos outros países da região intertropical responde a uma lógica extrativista, que se limita a considerar a natureza como uma fonte de riqueza e acumulação revelando grande desprezo pelos povos das florestas e os direitos ambientais. É assim que o país conta com um volumoso pacote de providências e normas para beneficiar a exploração de florestas e o estabelecimento de plantações, muitas delas importadas pelo modelo florestal de países que se erguem como protótipo, por exemplo do Chile.

As primeiras normas formuladas, que afetam o patromônio florestal, mostram o rastro desta lógica nociva. É o caso da lei 200 de 1936 sobre regime territorial, que estipula como propriedade privada “os terrenos possuidos por particulares sendo que tal posse consiste na exploração econômica do solo através de fatos positivos próprios do dono, como as plantações ou sementeiras, a ocupação com gado e outros de igual significado econômico.” (Senado da Colômbia, 1936). É promovido, portanto, o desmatamento e as plantações como um fato positivo, conceito que foi perpetuado até hoje, mesmo que a redação dos textos recorra a eufemismos para indicar o contrário. Tal consideração de destruição de ecossistemas como melhoras, é promulgada pelo Fundo Monetário Internacional no livro de estatísticas de finanças públicas (FMI, 2001).

Desse modo foi regulamentada a forma para adquirir a posse territorial, que ainda permanece e que faz a Colômbia ter um dos maiores níveis de concentração de propriedade privada no mundo, acumulada nas mãos de cinco mil latifundiários (Mondragón, 2003). Cabe salientar que essa concentração foi construída através de um processo de violência que vai do desapossamento dos índios até o paramilitarismo e a narcocracia (Mejía, 2007).

Pois bem, as diretrizes da política nacional não se limitaram ao plano do aproveitamento, que no caso foi entendido como exploração; também fizeram questão de estimular a criação de empresas de investimentos agroindustriais, responsáveis, em grande medida, por arrasar os ecossistemas e violar direitos humanos e ambientais no país, como no caso da apropriação violenta de terras das comunidades no pacífico chocoano para dendezeiros (Mejía, 2007). Um exemplo dessas políticas é o documento CONPES 2786, de 1995. Mejía, em seu trabalho de 2007, realiza o seguinte inventário dos estímulos, incentivos e isenções que pretendem estimular lavouras de rendimento tardio, de exportação e para combustíveis, conforme referência do Ministério da Agricultura:

- CIF -Certificado de Incentivo Florestal-, Lei 139 de 1994: doação de até 75% dos custos de estabelecimento e de 50% dos custos de manutenção de plantações, do segundo ao quinto ano.

- ICR -Incentivo de Capitalização Rural-: até 40% do crédito para modernização rural, estabelecimiento e sustento de pequenos produtores.

- AIS -Agro Receita Segura-: para pequenos produtores cobre até 100% do projeto. Para médios produtores até 80% dos custos diretos, com o DTF menos dois pontos, prazo de 15 anos e 3 anos para começar a pagar.

- FAG, que apoia o redesconto de créditos apresentados junto ao FINAGRO quando o produtor nao tiver o aval que exige o sistema bancário.

- Decreto 1970 de 2005: isenção da renda líquida gravável por dez anos em culturas de rendimento tardio.

- Fomento seringueiro conforme a Lei 686 de 2001, a partir de um fundo criado com 3% das vendas.

- Fundo de Estabilização de preços do azeite de dendê, Lei 101 de 1993.

- Lei 788 de 2002 que isenta o etanol do imposto ao valor agregado –IVA- e dos impostos e sobretaxas aos combustíveis; isenções calculadas em 100 milhões de dólares ao ano (Mondragón, 2007, citando a Aurelio Suárez Montoya).

Além do acima mencionado, corresponde apontar as isenções tributárias para o reflorestamento contidas no estatuto tributário colombiano, que reduzem os impostos a um nível tão ínfimo que as grandes empresas florestais como a Smurfit- Kappa preferem estas isenções em lugar da outra lista de incentivos, por ser mais benéfico para seus lucros (Funcionário CORPOCALDAS, comunicação pessoal).

Todo esse conjunto de facilidades para o setor florestal e os empresários entram no contexto geral da atual lei florestal, que como já foi mencionado, é altamente lesiva para o patrimônio florestal colombiano e para as comunidades. Isso pode ser percebido ao analisar a lei sob diferentes perspectivas tais como a social, ambiental, cultural e até a jurídica- análise que motivou a apresentação de duas demandas contra a lei. Uma das ações públicas de inconstitucionalidade da lei visa à declaração de inexeqüibilidade da lei na íntegra e a outra à eliminação de vários dos artigos mais nocivos, aqueles que motivaram na época o pronunciamento de diversos setores da população colombiana, entre eles os ambientalistas, negros, indígenas, camponeses e acadêmicos.

Algumas das implicações mais graves da lei dizem respeito à promoção das energias renováveis (agrocombustíveis); ao estabelecimento de condições para que sejam as comunidades as encarregadas de autorizar a exploração de seus territórios coletivos; à eliminação das funções das autoridades ambientais regionais para exercer o controle e a supervisão das monoculturas florestais, como está acontecendo de fato com as plantações para sumidouros de carbono; à definição das florestas como fornecedoras de madeira e à facilidade de ser entregues em concessão; ao uso da certificação florestal para aumentar os benefícios e isenções aos madeireiros; ao fomento do corte ilegal; ao enfraquecimento dos direitos dos povos, comunidades e grupos étnicos, adquiridos através de lutas históricas e que agora estão dizimados pela lei.

Devido à evidente inconveniência da lei, principalmente no tocante aos direitos comunitários, os conceitos solicitados pela Corte Constitucional a importantes entidades tais como a Procuradoria Geral da Nação pedem declarar a INEXEQÜIBILIDADE da lei na íntegra (Procuradoria, 2007); e assim ratifica-se a validade das denúncias dos diversos setores sociais.

Já que as vias legais não são o único meio para atingir as reivindicações dos movimentos sociais, os afetados têm somado esforços e trabalho para resistir a agressão do modelo florestal e suas plantações e constituiram a “Frente pela Vida e Contra o Deserto Verde”, movimento que se une à luta pela defesa do território, os povos e seu patrimônio, impulsionada no continente pelos grupos que conformam a Rede Latino- americana contra as Monoculturas de Árvores (RECOMA).

Este grupo está constituido por organizações de base, comunidades camponesas, organizações sociais e associações indígenas do sudoeste do país, região que concentra plantações de pinheiro e eucalipto sobre a área média das cordilheiras que atentam e ameaçam o território, a água, as formas de vida tradicionais e as culturas indígenas e camponesas. Desde este espaço, adiantamos a resistência do povo colombiano a um modelo que desconhecemos e que portanto carece de legitimidade; e ao mesmo tempo construímos as propostas que permitem recriar a vida nas formas que imaginamos dia a dia.

A conclusão amarga é que no caso colombiano, bem como em outros tantos, a legislação, normatividade, isenções e incentivos desenhados para o setor florestal contribuem para a destruição e a degradação florestal e portanto à piora das condições de vida dos povos e comunidades que habitam as florestas e dependem delas para sua sobrevivência.

Por: Diego Alejandro Cardona, CENSAT, e-mail: selvas@censat.org