Em dezembro passado, quatro pessoas (um camaronês, um casal suíço e um uruguaio) percorríamos o caminho público que atravessa as plantações de dendezeiros da Socapalm (Société Camerounaise des Palmeraies) na região de Kribi. Ao chegarmos à barreira de controle instalada pela empresa –que já tínhamos atravessado mais cedo nesse mesmo dia- fomos detidos por um guarda de segurança particular, que nos exigiu nossos documentos de identidade. Ao perguntar-lhe a razão dessa demanda, informou-nos que isso tinha sido exigido por "agentes secretos" da Socapalm que estavam em conhecimento de nossa visita. Também acrescentou que lhe disseram para levá-nos ao escritório de informação da empresa. Logicamente que nem lhe entregamos nossos documentos nem aceitamos que nos levasse ao escritório de informação, porque a empresa não tem o direito legal de exigi-lo. No entanto, a anedota serve para ilustrar o poder da empresa e o controle de tipo policial que exerce sobre os povoadores da área.
Apesar do nome, a Socapalm não é uma "sociedade camaronesa", mas pertence ao poderosos grupo francês Bolloré, que também é proprietário de outra grande plantação de dendezeiros na região de Kribi (Ferme Suisse), que no conjunto totalizam 31.000 hectares.
No boletim do mês passado publicamos um artigo sobre os graves impactos sociais e ambientais de uma plantação de caucho na mesma região de Kribi (pertencente à empresa Hevecam). O interessante é que o presente artigo e quase igual ao anterior, com a única diferença que o nome das empresas não é o mesmo.
Efetivamente, os indígenas Bagyeli ("pigmeus") que moram nas proximidades das plantações de dendezeiros disseram quase o mesmo que os Bagyeli afetados pelas plantações de caucho. A Socapalm os despejou de suas moradias, prometendo-lhes casas modernas. Os dendezeiros foram plantados, cresceram, frutificaram, foram colhidos, mas a empresa não construiu nem sequer uma casa.
Agora estes Bagyeli estão cercados de plantações às que não podem entrar. Se o fizerem, os guardas os pegam e os expulsam a chicotadas. Estão forçados a viver em uma área inundável onde abundam os mosquitos e as doenças associadas.
Quanto aos meios de vida, apenas podem sobreviver. De um lado, a empresa não lhes dá trabalho e as poucas vezes que o faz lhes paga bem menos que a outros trabalhadores. O único que resta para caçar dentro da plantação são ratas. Somente se caça alguma coisa nas margens da plantação e mais longe, na montanha.
Tudo isso é conseqüência da destruição da floresta tropical, levada a cabo pela empresa para transformá-la em plantações de dendezeiros. Antes os Bagyeli (espertos caçadores e coletores) achavam na floresta o que precisavam para viver (carne, fruta, etc.). Agora nem sequer têm água limpa, já que a mesma está poluída por adubos químicos e por sedimentos decorrentes da erosão. Em matéria de saúde, os problemas vinculados à má alimentação, a água poluída e o sitio malsão onde vivem se agravam por já não ter as plantas utilizadas em sua medicina tradicional. O hospital é propriedade da Socapalm, e como não estão na folha de pagamentos da empresa, devem pagar em caso de serem hospitalizados.
A respeito dos trabalhadores da empresa a situação também não resultou diferente à das plantações da Hevecam. Também aqui habitam amontoados em moradias propriedade da empresa, também trabalham sob subempreiteiras, também têm problemas nos olhos pela inexistência de proteção contra o pó que cai do cacho de frutos, também aplicam agrotóxicos sem o necessário equipamento de proteção, também têm problemas com a água potável e o saneamento.
Em matéria sindical, trabalhadores da empresa nos disseram que não há sindicato independente e é muito difícil que possa haver. Em 1992 houve uma greve reivindicando melhores condições de trabalho e aumento do "salário miserável" que recebiam. O resultado foi que os dirigentes da greve foram presos e despedidos.
Neste momento no que se promovem as plantações de dendezeiros para fornecer de combustível os países do norte, é preciso que os consumidores desses países saibam que esse não é de nenhum jeito um combustível "verde" mas que sua verdadeira cor resulta da combinação de explotação social, violação de direitos humanos e destruição ambiental.
Por: Ricardo Carrere, com base em informação compilada durante a visita realizada na região em dezembro de 2006 com os pesquisadores Sandra Veuthey e Julien-Francois Gerber. O autor agradece o apoio recebido do Centre pour l'Environnement et le Développement (CED), que fez possível a visita.