Se a intenção for deter a mudança climática, o comércio do carbono não é a solução.
Em 1992, uma infame nota vazada à imprensa, de Lawrence Summers, o economista chefe do Banco Mundial da época apontava que "a lógica econômica de despejar resíduos tóxicos nos países de salários mais baixos é impecável e deveríamos enfrentá-la".
A recentemente emitida Revisão Stern sobre mudança climática escrita por um homem que exerceu o mesmo cargo no Banco Mundial de 2000 até 2003, aplica-se a um tipo similar de ambientalismo de livre mercado com a mudança climática.
Sir Nicholas Stern alega que a relação custo-benefício de fazer reduções nas emissões é o fator mais importante, defendendo mecanismos como por exemplo de demarcação de preços do carbono e comércio de carbono.
Enquanto despejar resíduos tóxicos no Sul global poderia parecer uma grande idéia da perspectiva do mercado, ignora o notoriamente obvio fato de ser muito injusto com os que recebem os resíduos.
De forma similar, a análise custo-benefício de Stern reduz importantes debates sobre o complexo assunto da mudança climática para uma discussão sobre números e gráficos que ignora variáveis não quantificáveis como por exemplo, perda de vidas humanas, extinção de espécies e grande convulsão social.
Economia lixo
A análise custo-benefício pode ser uma ferramenta útil para fazer escolhas em situações relativamente simples quando há um número limitado de opções simples para escolher.
Mas como Tom Burke, professor visitante no Imperial College London tem observado: "A realidade é que aplicar a análise custo-benefício a assuntos como [a mudança climática] é economia lixo...É vaidoso que os economistas acreditem que todas as opções podem ser reduzidas a um conjunto de cálculos de valor monetário. Alguns comentaristas têm aplaudido a Revisão Stern por falar no jargão econômico que os políticos e a comunidade empresarial podem entender.
Mas enquadrando o assunto somente em termos de demarcação de preços, comércio e crescimento econômico estamos reduzindo o alcance da resposta à mudança climática às soluções baseadas no mercado.
Essas "soluções" adotam duas formas comuns:
- com o comércio de emissões os governos alocam licenças a grandes poluidores industriais para que possam comerciar "direitos de poluição" entre eles, conforme suas necessidades.
- outro enfoque envolve a geração de créditos do carbono excedentes de projetos que afirmam reduzir ou evitar as emissões em outros lugares, geralmente em países do Sul; esses créditos podem ser comprados para compensar qualquer defasagem na redução das emissões.
Esses sistemas nos permitem evitar a resposta mais eficaz à mudança climática: deixar os combustíveis fósseis no subsolo. Evidentemente, não se trata de uma proposta simples para nossa sociedade, muito dependente desses combustíveis; no entanto, todos sabemos que é justamente isso o que se precisa.
Portanto, qual é o incentivo para começar a empreender essas custosas mudanças no longo prazo, quando a gente pode limitar-se a comprar créditos de carbono mais baratos no curto prazo?
Forçando o mercado
No atual contexto econômico neoliberal, as normas do comércio sucumbem inevitavelmente às pressões dos grupos de grandes empresas e à desregulação com o fim de garantir que os Governos não "interfiram" no fluido funcionamento do mercado.
Já temos presenciado essa corrosiva influência no Sistema de Comércio de Emissões da União Européia (ETS), quando, submetidos a pressão das empresas, os governos outorgaram licenças de emissões demais às indústrias mais poluidoras na rodada inicial. Isso provocou uma queda no preço do carbono de mais de 60% com o que se eliminaram ainda mais incentivos para a redução pelas indústrias de suas emissões na fonte.
A indústria tem todo tipo de lacunas e incentivos para que a indústria exagere suas emissões com o fim de obter mais licenças e portanto, adotar ainda menos medidas.
O analista de mercados Franck Schuttellar estima que, durante o primeiro ano de funcionamento do sistema, as indústrias mais poluidoras do Reino Unido ganharam, no conjunto, 940 milhões de libras (USD 1.792 milhões) em benefícios imprevistos graças às generosas alocações do ETS.
Levando em conta tudo o que sabemos sobre o vínculo entre poluição e a mudança climática, essa grande concessão pública a empresas muito pouco limpas é quase indecente.
Pedem que confiemos em que a flexibilidade e a eficiência do mercado garantirão que as emissões de carbono se reduzam da forma mais rápida e eficaz possível, enquanto que a experiência nos demonstra que a falta de regulamentos estritos tende a criar problemas ambientais, não a resolvê-los.
Interesse comunitário
Há toda uma corrente de opinião que defende que a "mão invisível" do mercado não é a forma mais eficaz de enfrentar a mudança climática.
A Declaração de Durban sobre justiça climática, subscrita por organizações da sociedade civil no mundo inteiro, exprime que transformar o carbono em uma mercadoria representa uma privatização em grande escala da capacidade da Terra para reciclar carbono. O bolo atmosférico se divide e entrega aos maiores poluidores do mundo.
Uma ação eficaz perante a mudança climática exigiria reivindicar, adotar e respaldar políticas que reduzam as emissões em sua origem e não um sistema para compensá-las ou comerciar com elas. O comércio de carbono não é uma resposta efetiva; as emissões devem ser reduzidas de forma geral, sem cláusulas de escape para os principais poluidores.
Urge aplicar uma regulação, uma supervisão e multas mais estritas aos poluidores, no âmbito comunitário, local, nacional e internacional, bem como apoiar ativamente as comunidades afetadas pela mudança climática. Atualmente, essas políticas são quase invisíveis, já que vão contra as vacas sagradas do crescimento econômico e o livre mercado.
Lamentavelmente, quando se trata de abordar a mudança climática e manter um crescimento econômico baseado na permanente e crescente extração e consumo de combustíveis fósseis, não há soluções daquelas nas que "todo mundo sai ganhando”.
Os mecanismos baseados no mercado, como o comércio do carbono, representam um engenhoso estratagema de contabilidade criativa que desvia a atenção do fato de que não há um cenário "convencional" viável.
As políticas sobre mudança climática deveriam ser algo bem mais sério.
Por Kevin Smith, Justicia Medioambiental, um programa do Transnational Institute (TNI), e-mail: kevin@carbontradewatch.org.