Costa Rica: conservacionismo comercial atinge camponeses, mulheres e crianças da floresta tropical

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Costa Rica tem sido desenvolvida como uma economia orientada às exportações, sem independência política ou econômica. A pressão das exportações sobre os recursos pelo sistema mundial resultou em grande desigualdade. Desde o Protocolo de Kyoto, os neoliberais têm redefinido as florestas como 'geradoras de oxigênio', um conceito que a Costa Rica tem adotado. Neste quadro, as comunidades locais, especialmente as que vivem nas florestas tropicais e que dependem para a sobrevivência do que as florestas providenciam, têm visto seu sistema de suporte básico minado.

A crise ambiental global tem salientado o fato de que a vegetação das florestas armazena carbono que, se for liberado, contribuiria com o aprisionamento de calor na atmosfera, aumentando as temperaturas e acelerando a mudança climática. No quadro do desenvolvimento sustentável, as florestas têm virado 'capital natural', mas na realidade elas são bem mais do que isso. A floresta é um mecanismo essencial para o controle das enchentes. Na floresta, as árvores estão conectadas diretamente entre elas através da multidão de criaturas que se relacionam com elas como alimento, abrigo ou lugar para aninhar; através de seu acesso compartilhado à água, ao ar e à luz do sol; e através de um sistema subterrâneo de fungos que relaciona todas as árvores como um super-organismo. Os povos das florestas tropicais também fazem parte desse super-organismo.

O chamado desenvolvimento sustentável agravou o acesso desigual aos recursos intensificando o antecipado cercado da terra através do Sistema de Áreas de Conservação criado em 1989 pelo então Ministério dos Recursos Naturais, Energia e Minas (MIRENEM, atual MINAE). Através do SINAC (Sistema Nacional de Áreas de Conservação), o modelo de área de conservação foi implementado para manejar a vida silvestre e a biodiversidade do país. O país foi dividido em 11 áreas de conservação compreendendo vida silvestre, terras particulares e assentamentos humanos sob a supervisão do atual Ministério do Meio Ambiente e Energia (MINAE), expandindo o modelo de cercado, e cercando 25,58% do território nacional. A terra expropriada tem sido organizada ao longo das linhas dos parques nacionais na América do Norte dos que as pessoas são excluídas e lhes é negada qualquer função na sustentação dos ecossistemas. Estas terras expropriadas estão ligadas às redes transnacionais e políticas para forjar "atores" locais e globais através de categorias de manejo, como por exemplo Patrimônio da Humanidade, parques nacionais, zonas úmidas, reservas biológicas, áreas protegidas, reservas de florestas e refúgios da vida silvestre. Ao mesmo tempo, constroem-se limites internos, separando os povos locais que dividem vulcões, quedas de água, rios, águas termais, macacos congo e abrigos para desova de tartarugas. As terras cercadas transformam-se em sítios para mineração, pesquisa, ecoturismo e venda de oxigênio.

O Protocolo de Kyoto apresentou uma nova conceituação das florestas tropicais do mundo. Agora são valorizadas economicamente em termos da quantidade de carbono que seqüestram. As Áreas de Conservação são consideradas elegíveis para receber pagamentos pelos "serviços ambientais" que fornecem. Na Área de Conservação de Arenal (ACA), organizada pelo World Wildlife Fund-Canadá, os parques nacionais, como por exemplo o Parque Nacional do Vulcão Arenal e do Vulcão Tenorio, e as reservas de florestas como por exemplo a de Cerro Chato, vendem oxigênio. Mas para colocar o oxigênio no mercado, em 1994, a anterior reserva do Vulcão Arenal teve que ser declarada Parque Nacional do Vulcão Arenal. De 5 hectares foi estendido para 12.010 hectares. Em decorrência disso, comunidades inteiras foram deslocadas pela força. Uma injunção tramitada na Suprema Corte da Costa Rica (Divisão IV do sistema judicial), informou grandes perdas pelos camponeses que viviam na área da Bacia da Área de Conservação de Arenal (ACA). Perderam terras, pastagem, casas, estabelecimentos de laticínios e caminhos. Os antigos donos das propriedades se têm transformado em arrendatários de cabanas ou habitantes de tugúrios. Os efeitos pessoais dos camponeses, como por exemplo carros e pequenos aparelhos elétricos foram apropriados pelos bancos comerciais quando eles não puderam repagar seus empréstimos adquiridos para o desenvolvimento econômico. Quando, no desespero, alguns deles retornaram a sua terra para plantar iúca, feijão, milho e outros cultivos de subsistência, acusaram-lhes de terem violado a lei e alguns deles foram prendidos.

As porções de floresta de comunidades locais que as usam para sustentar-se tansformaram-se em uma sentença de morte para os pequenos e médios proprietários de terras. Em decorrência disso, suas necessidades são ignoradas e os membros das comunidades que costumavam depender da floresta são declarados inimigos da floresta tropical. Em 1996, La Cuenca de Aguas Claras também foi declarada uma reserva de florestas e chegaram as mudanças na área. Em 2001, eu assisti a uma reunião pública na Câmara Municipal em La Cuenca de Aguas Claras na que mais de 200 granjeiros, homens e mulheres, chegaram prestes a ser entrevistados. Como o número era alto demais, escolheram Abel Fuentes e Luis Guimo para falar em sua representação. Declararam-se testemunhas do seguinte relato. De acordo com o Sr. Fuentes, o MINAE disse que "nossa forma de vida de sobrevivência está produzindo desmatamento e poluição e reduzindo o nível de água de La Cuenca de Aguas Claras. O MINAE exagerou o nível de desmatamento para expulsar quase todos os habitantes porque está reflorestando nossa terra para vender o oxigênio a outros países e obter 'doações'". O Sr. Martín Guimo, outro pequeno proprietário que ainda vive dentro da terra expropriada acrescentou "Quando pedimos informação aos funcionários do MINAE, eles decidem quando e onde podemos obtê-la. Quando propomos uma reunião, eles propõem quando e onde podemos fazer a reunião, eles podem mudar a hora, a data ou podem cancelar a reunião sem avisá-nos. Muitos de nós vivemos longe do local da reunião e às vezes devemos cavalgar por 3 horas para assistir a uma reunião e é decepcionante chegar e inteirar-se que a reunião foi cancelada" (Guimo, entrevista, julho de 2001).

O poder do mundo industrial para redesenhar a floresta como produtora de oxigênio exacerba as desigualdades. Enquanto uma nova estrutura de acumulação surge, a desintegração do ecossistema que suportou os meios de sobrevivência das comunidades locais tem efeitos poderosos sobre a divisão sexual do trabalho e a opressão das mulheres. Quando as famílias são desintegradas violentamente ou deslocadas e se empobrecem, as mulheres rurais são incentivadas a migrar para San José e áreas turísticas, esperando obter rendas para elas e suas desapossadas famílias. Introduzidas na economia baseada no dinheiro, as mulheres empobrecidas se ganham a vida em todo ou em parte como prostitutas. As prostitutas na Costa Rica são mulheres trabalhadoras que sustentam crianças e membros da família. Elas não estão no mercado por eleição mas por necessidade. Junto com elas, há um incrível número de crianças que são compradas, vendidas e maltratadas pela sociedade.

As relações de poder dos credores, que incentivam a transformação da natureza em mercadoria, estão escritas nos corpos da floresta, as mulheres e as crianças da endividada Costa Rica. Enquanto os habitantes são despejados de sua terra, desapossados e as mulheres e crianças vulneráveis voltam-se para a indústria do turismo sexual, forçando-os em uma nova forma de escravidão do século XXI –escravidão sexual massiva. Os homens brancos do primeiro mundo, com a cumplicidade dos governos locais, vão explorar as dificuldades econômicas da crise da desigualdade criada pelo capitalismo global.

Esse tipo de 'solução' permite ao mundo industrial continuar poluindo enquanto possa comprar créditos do carbono de países com densas florestas tropicais. Enquanto isso, as emissões produzidas por um aumento no carvão e petróleo queimados –principalmente no mundo industrial- continuam sem impedimentos. O comércio do carbono é uma relação colonial com tendências marcadas de classe e gênero que afetam a natureza dos países endividados, junto com a produção de subsistência e as vidas das mulheres e dos homens da floresta tropical.

Extraído e editado de: “The Tragedy of the Enclosures: An Eco-feminist Perspective on Selling Oxygen and Prostitution in Costa Rica”, por Ana Isla, Professor Assistente na Universidade de Brock, Canadá. Ela também é membro da Toronto-Women for a Just and Healthy Planet, e-mail: aisla@brocku.ca. O documento na íntegra em inglês está disponível em: http://www.wrm.org.uy/countries/CostaRica/Eco-feminist_Perspective_Costa_Rica.pdf