Desde que a Índia obteve sua independência política em 1947, as Áreas de Proteção e os projetos de desenvolvimento como as grandes represas, minérios, indústrias, estradas e acantonamentos militares deslocaram milhões de pessoas no país. As estimativas da Comissão de Planejamento indicam que 21,3 milhões de povoadores foram deslocadas por projetos de desenvolvimento entre 1951 e 1990 somente. As estimativas sobre os povoadores despejados pelo Departamento Florestal (para criar novas Áreas de Proteção e limpar “invasões na floresta”) não estão disponíveis. Conforme vários movimentos que trabalham com as comunidades florestais indianas, umas 300.000 famílias foram despejadas nos últimos cinco anos! Não houve reabilitação e povoadores de todas as idades foram expulsas de suas casas, florestas e terras para dar lugar a plantações e áreas silvestres.
Para os povoadores das florestas indianas, isto é uma longa e antiga história de perseguição, repressão e despejo. Historicamente, o conceito de floresta mantém suas raízes fincadas no “outro” social e político, o espaço que abriga animais selvagens, o marginal e o derrotado e portanto destruído (ou combatido) como alheio e prejudicial. Inversamente, as florestas também têm sido “valorizadas” como terra: para anexar, colonizar e estabelecer sujeitos que o estado pudesse controlar. Não importou que os nativos que moravam nas florestas perecessem -física e culturalmente- durante o processo, em cada período identificável da história indiana.
A independência do país trouxe uma maior miséria para povoadores das florestas. O novo Estado endureceu as velhas leis coloniais, limitando o acesso das pessoas às florestas. Enquanto isso, em nome da produção florestal, a redução das florestas naturais continuou. As florestas continuaram a desaparecer, e o raj da “Máfia Florestal” começou como uma nova classe de comerciantes e empreiteiros que colaboraram com uma administração florestal cada vez mais corrupta. A pilhagem das florestas, seja ela oficial ou não, destruiu a ecologia das comunidades tradicionais. A pobreza, o desemprego e a fome obrigaram tanto migrantes quanto nativos a virarem assalariados sob a Máfia florestal, e assim começou o processo de proletarização dos povoadores das florestas do país.
Também houve, oficialmente, a “necessidade” de tornar 33% da área geográfica da Índia parte da floresta, seguindo a nova Política Florestal Nacional de 1988, e a nova exaltação “conservacionista” do Departamento Florestal assumiu o “desafio”, apesar de que até então tinha cortado e serrado mais da metade das florestas da Índia (entre 1951 e 1979, mais de 3.33 milhões de hectares de floresta natural foram derrubadas para dar passagem às plantações “industriais”). Em lugar de avaliar os vários fatores sócio- econômicos do desmatamento, o departamento propôs a lógica simplificada da “invasão”, como se a extensão da floresta no país milagrosamente aumentasse com o despejo das comunidades sem-terra que ocupam e utilizam a terra florestal para a subsistência. A força impulsionadora da conservação continuou, os despejos começaram em larga escala e nem o Governo da Índia, nem as ONGs conservacionistas deram atenção ao fato de a maioria das florestas indianas terem sido tiradas das comunidades pelo Governo colonial sem estabelecer nenhum direito e o grande usurpador é o próprio Departamento Florestal! O processo de estabelecimento de direitos, o qual é obrigatório antes de declarar qualquer área como Floresta Governamental conforme o decreto Florestal Indiano de 1927, nunca aconteceu em muitas áreas, e em muitas outras as pesquisas foram incompletas
As pessoas com direitos não registrados habitam num “espaço estatal”, onde elas são tratadas como intrusas, usurpadoras e enemigas da floresta e da fauna. O governo não precisa justificar qualquer ação coercitiva contra eles, e até há abusos físicos, assédio sexual e assassinato. Os despejos florestais na Índia estão marcados pela exemplar brutalidade com que foram acompanhados. O recente relatório da Tiger Task Force (apontada pelo Primeiro Ministro da Índia para investigar as mortes de tigres em várias reservas) descreve a situação como uma “verdadeira guerra implodindo desde dentro das reservas e levando tudo no seu caminho”.
No Estado Madhaya Pradesh da Índia central uma aldeia Korku, lar de 10 famílias foi saqueada e queimada em julho de 2003. No distrito de Khanwa, um adivasi foi morto a tiros ao enfrentar os oficiais florestais que tinham apanhado sua esposa depois de ter afastado os moradores de suas terras. A Força Especial de Proteção das Reservas (SRPF, sigla em inglês) estava preparada para entrar em combate nas áreas Adivasi de Gujarat para ajudar os oficiais do departamento florestal. Os moradores são ameaçados, suas casas saqueadas e os homens são freqüentemente arrestados e espancadas. Em locais como Bastar em Chattisgarth, as vilas estão rodeadas pelo CRPF. Diante do menor sinal de oposição, os Adivasis foram estigmatizados como extremistas, arrestados ou baleados e assassinados.
Um Comitê Central Autorizado (CEC sigla em inglês), constituído pelo Supremo Tribunal e integrado por oficiais florestais e protetores da vida silvestre e conservacionistas linha-dura, aumentou a confusão através da pilhagem. O CEC tem percorrido o país emitindo ordens de despejos à vontade. Uns dez mil pescadores que secam peixe na ilha Jambudwip do Sunderban sul no estado oriental de Bengala do Leste foram despejados através dessas ordens. A polícia de Bengala do Leste deu pauladas nos pescadores que foram à ilha em 16 de outubro de 2003, no Dia Mundial do Alimento. Seu equipamento e pacotes de alimento foram destruídos e jogados no mar. O CEC também foi responsável pelo massacre de inocentes Adivasis sem terra que se abrigaram no Santuário de Vida Silvestre de Muthanga no distrito Wayanad de Kerala.
Em uma operação coordenada para parar os despejos em larga escala, os Adivasis e outras comunidades florestais nos estados de Orissa, Maharshtra, Gujarat, Rajasthan e Tamil Nadu, Bengala do Leste e Madhya Pradesh começaram a apresentar demandas pelo seu direito de posse das terras junto à repartição dos respectivos Cobradores de Distrito. Este processo de apresentar demandas tomou a forma de um movimento de massas. A Campanha para a Sobrevivência e a Dignidade, uma plataforma de organizações de Adivasis e os moradores da floresta de onze estados, lançou protestos organizados, esclarecendo os detalhes do que estava acontecendo, a situação legal, como esta tinha sido violada sistematicamente e o que deveria ser feito a respeito disso.
Para dissipar a tensão em alta nas áreas tribais do país, e para compensar, o governo emitiu duas novas circulares em 2004 que determinavam a regularização de terras cultivadas por tribos desde 1993 e a transformação de todas as aldeias florestais (as colônias de trabalhadores das plantações nas terras florestais) em aldeias rentáveis em 6 meses. Elas foram suspensas pelo Supremo Tribunal da Índia. Em dezembro de 2004, um conjunto adicional de diretrizes proibiu o despejo de membros de tribos exceto “intrusos não aptos“ (o que significava que os despejos continuariam). Em 12 de maio de 2005, mais uma diretriz proibiu os despejos de qualquer morador da floresta sem o devido processo de verificação. Um conjunto final de diretrizes foi emitido em 3 de novembro de 2005, que pela primeira vez estipulou um processo na aldeia para reconhecer os direitos. Porém, os despejos continuam até hoje, e neste mês, vários povoadores foram despejados das terras florestais no pequeno estado himalaio de Sikkim.
As coerções políticas do presente governo e a pressão constante e eficaz dos movimentos florestais levaram ao controversial Projeto de Lei de Direitos de 2005 que pela primeira vez na História da Índia fala de demarcações tribais e direitos nas florestas e promete cuidar deles. O projeto propõe 13 direitos específicos, que podem ser herdados mas não alienados nem transferidos, como por exemplo, a posse de terras até 2.5 hectares, direitos à produção florestal e pastagem, restituição de cancelações ilegais de títulos, concessões e arrendamentos de terras, direitos tradicionais e consuetudinários, direitos aos recursos comunitários comuns, direitos de habitat para os grupos tribais autóctones, direito de acesso à biodiversidade e direito comunitário à propriedade intelectual e conhecimento tradicional e direito à proteção das florestas.
O projeto indignou o grupo de pressão “conservacionista” indiano, com ONGs e oficiais florestais expressando sua oposição. Eles estão contra o projeto devido a que a lei distribuirá terras florestais a famílias tribais e enfraquecerá a proteção florestal, e porque a vida silvestre e as pessoas não podem coexistir. O projeto foi interpretado como “o final do tigre indiano”! Também se opuseram os movimentos florestais porque achavam que ele era muito impreciso. O Governo teve de mandar o projeto a um Comitê Parlamentar Conjunto que só agora concluiu seu relatório sobre o projeto, depois de registrar os depoimentos de ambos os movimentos florestais e os “conservacionistas” durante os três últimos meses. O relatório ainda não foi publicado e é necessário esperar para ver o que o governo da Índia decidirá fazer a respeito disso. Mas sem dúvida o projeto anuncia um novo capítulo no história florestal da Índia, e vão acontecer mudanças, sejam elas para bem ou para mal.
Com o projeto de lei sobre direitos florestais, a luta das comunidades florestais indianas entra em uma “fase política” mais decisiva, onde os movimentos florestais necessitam estar em constante alerta para conseguir os benefícios possíveis e a ajuda do projeto de lei para os oprimidos e os pobres entre os diversos grupos de pessoas étnica e economicamente diferentes que moram dentro e ao redor das florestas da Índia. Existe uma necessidade de garantir que o programa de trabalhos para estabelecer um controle social das comunidades florestais sobre as florestas da Índia, não seja eclipsado pela repentina e duvidosa “comunalização” do forte grupo de pressão do Papel e Polpa deste país e do Banco Mundial, e o entusiasmo para ver o final da hegemonia do Estado sobre as florestas, não significa colaborar com estas forças que também defendem reformas legislativas e políticas em prol das comunidades para o setor florestal. A luta pelos direitos das pessoas e o projeto de lei florestal vira então uma luta contra a iminente corporatização ou privatização das florestas. Apesar de os contornos desta luta ainda não estarem bem definidos, é sensato ficar alerta e não abaixar a guarda por um falso sentido de segurança e euforia que o projeto de lei possa provocar.
Por Soumitra Ghosh, endereço eletrônico: soumitrag@gmail.com e C.R. Bijoy, endereço eletrônico: rights@rediffmail.com . Fonte: Campanha para a Sobrevivência e a Dignidade, Fórum Nacional das Pessoas da Floresta e dos Trabalhadores Florestais,