Um novo certificado outorgado pelo FSC a uma importante exploração florestal tem causado surpresa entre profissionais florestais, ambientalistas e ativistas dos direitos humanos. Na Guiana, a SGS Qualifor- uma companhia suíça de certificação acabou de conceder um certificado do FSC à gigante madeireira, Barama Company Limited (BCL), que tem uma concessão de 1.69 milhões de hectares no noroeste da Guiana. A BCL é uma co- propriedade da transnacional sul- coreana Sun Kyong e da controversial corporação malaia Samling Timbres Sdn Bhd, cuja atividade madeireira nas terras ancestrais da nação Penan em Sarawak, na Malásia, continua acendendo protestos.
Em 1991, a BCL obteve a primeira concessão na Guiana sob circunstâncias nada transparentes. O acordo concedeu-lhe uma redução de impostos que era tão generosa que, além de ser denunciada a viva voz, como uma venda total pelos políticos da oposição que alegaram a existencia de corrupção, chegou a ser questionada por instituições tais como o World Resources Institute. Até o governo britânico que mais tarde deu apoio ao “desenvolvimento” do setor florestal da Guiana, admitiu que o contrato tinha sido generoso demais e devia ser revisado.
Durante a década de 1990, a BCL realizou suas atividades madeireiras desde o extremo norte da concessão indo para o sul entrando nas florestas dos arredores da Arakaka e Matthew´s Ridge e transportando por via marítima a madeira derrubada em barcaças fora do Port Kaituma, rio abaixo, rumo ao leste, ao longo do litoral e sendo processada perto da capital, Georgetown, em sua fábrica de madeira compensada em Land of Canaan. A atividade madeireira foi denunciada pela Associação dos Povos Ameríndios, a principal organização indígena nacional, que documentou como as atividades da BCL tinham ignorado os direitos indígenas, arrassado com excavadoras os túmulos, forçado os moradores ameríndios a abandonar suas terras a fim de deixar espaço para a madeira derrubada, e permitido que o meio ambiente fosse esgotado nas mãos de caçadores e mineiros não autorizados que entravam pelos caminhos clareados pelo corte. Foram precisos dez anos para o governo regularizar o direito de posse de terra dos Índios Carib em Baramita no lado oeste da concessão mas inúmeros assentamentos ameríndios na concessão permanecem sem títulos e sem reconhecimento até hoje. Enquanto isso, a fábrica de madeira compensada, próxima a Georgetown, sofreu um barulho constante de persistentes disputas trabalhistas.
A BCL alegou que não obtia lucros de sua maciça concessão no noroeste já que as florestas da região apenas produziam árvores baromalli de diámetro relativamente pequeno. Assim, começou a comprar madeira de maior qualidade de outros concessionários, inclusive chegando a acordos controversiais e não regularizados com comunidades ameríndias que acarretaram uma colheita excesiva e divisões na comunidade.
Nos últimos três anos, porém, a BCL tem mudado sua base de atividades fora do Port Kaituma. Adquiriu direitos adicionais em mais de 300.000 hectares ao longo da beira do rio Essequibo e começou a fazer novos caminhos, desmatando, desde as proximidades de Buck Hall no leste, atravessando essas áreas adicionais e entrando na sua própria enorme concessão. Também se aproximou de órgãos de certificação com vistas a conseguir que sua atividade fosse certificada.
Os engenheiros florestais locais ficaram alarmados com a maneira precipitada em que a BCL conseguiu um certificado. Por um lado, a BCL se uniu a outras companhias florestais e conservacionistas em uma iniciativa nacional para desenvolver os padrões do FSC guianenses e por outro, em forma simultânea, solicitou a certificação sobre os padrões genéricos do FSC, que foram adaptados localmente à Guiana pela SGS Qualifor através de consultas. Houve uma revolta veemente em 2003 quando se difundiram declarações de que a BCL tinha insistido nos reclamos dos ameríndios a respeito de que as operações da BCL tivessem sido excluidas das atas do encontro das múltiplas partes interessadas. Os profissionais florestais guianenses também questionaram a boa fé da BCL no processo de desenvolvimento de padrões nacionais. Por que a companhia não esperou pela Certificação Florestal da Iniciativa Nacional da Guiana e pelo contrário lutou por um certificado genérico da SGS Qualifor?- eles perguntaram.
A SGS Qualifor emitiu o certificado para a atividade da BCL no dia 17 de fevereiro de 2006 e pouco depois divulgou o resumo público na web. É um documento esquisito. Em vez de revisar o plano de manejo e desempenho para a unidade de manejo florestal por inteiro, o certificado apenas é aplicado a 570.000 hectares nas 4ª e 5ª subunidades de um total de sete, nas quais a concessão tem sido dividida. Desse modo, a revisão não leva em consideração as primeiras três áreas da atividade madeireira onde a companhia tropeçou com muitas discussões na área do Port Kaitumo no norte da concessão. Também desconsidera os últimos dois blocos cortados que também colocará a companhia em contato com as comunidades ameríndias no Rio Cuyuni para o sul. Parece que a revisão ignora completamente as preocupações que tinham sido colocadas a respeito das disputas na fábrica de compensado e da controversial compra que a companhia fez da madeira de fora da concessão. Parece que a “Certificação parcial” foi considerada em um novo nível.
Ao anunciar o certificado FSC em uma coletiva de imprensa do dia 26 de março em Georgetown, a capital da Guiana, a BCL reclamou que suas atividades não tinham dado lucros em 15 anos de operações! (Lembrando os cínicos observadores das famosas atividades madeireiras japonesas e malaias em Papua Nova- Guiné, as quais foram manejadas do mesmo modo para mostrar a falta de lucro, principalmente através da armadilha de “transfer pricing” dos auditores). A BCL alegou falta de lucratividade como um fato conferido e confirmado , portanto, como a companhia conseguiu o certificado quando um dos princípios chave do FSC é que as atividades devem ser “economicamente viáveis”? E se não foi a companhia que obteve benefícios de sua atividade madeireira sobre a quinta parte da floresta permanente do estado da Guiana”, então quem foi? A redução de impostos usufruida pela companhia significa que o erário da Guiana recebeu quase nada.Os ameríndios foram clamorosos nos seus reclamos desde que a operação começou. Por sua vez, os residentes de Port Kaituma se lamentam porque o súbito crescimento na demanda local de trabalho da década de 90 está quase terminando e eles ficaram com a caça reduzida, as florestas derruídas e uma infra-estrutura caindo aos pedaços. É esse o “manejo florestal sustentável “ que o FSC tenta impulsionar?
A certificação da BCL foi estrondosamente, talvez incorretamente, proclamada como a maior área de floresta tropical no mundo certificada pelo FSC. Por favor me passe a saco de enjôo…
Por Marcus Colchester. Forest Peoples Programme, e-mail: marcus@forestpeoples.org
Para a revisão da SGS acessar: http://www.sgs.com/9205-gy_-_barama_ma2005-10_-_ad36a-03_gm.pdf