Membro, junto com o Fundo Monetário Internacional da “família” Bretton Woods, desde sua criação em 1944, o Banco Mundial tem sido e continua sendo um ator principal na redação e aplicação das políticas macroeconômicas dos países do Sul, financiando empresas públicas e privadas em empreendimentos que qualifica de “desenvolvimento” (desde construção de rodovias até instalação de fábricas de celulose).
Esses empréstimos são outorgados por ele sob condições, que têm sido traduzidas na aplicação de políticas econômicas que têm implicado desde a privatização dos serviços estatais ou públicos, até a desregulação das leis dos trabalho e ambientais. O objetivo tem sido deixar o Estado reduzido a funções mínimas para que seja a concorrência do mercado a que sirva ao “interesse público”. Na realidade, essas políticas de “desenvolvimento” têm servido para inserir os países do Sul na arquitetura mundial baseada em relações de dependência centro-periferia.
A respeito das plantações de árvores com fins industriais, o Banco Mundial tem sido decisivo para a consolidação desses projetos, fornecendo os fundos necessários para oferecer “incentivos” (isenções fiscais, reintegrações, empréstimos suaves, subvenções diretas e indiretas, etc.) às empresas florestais e possibilitar o lançamento dessa produção destinada à exportação. Assim o comentávamos para o caso do Uruguai (vide Boletim Nº 83 do WRM).
Apesar disso, neste país os planos não se têm desenvolvido tão facilmente quanto tivesse desejado o Banco Mundial e os grupos da indústria do papel, para os que o projeto de instalação das fábricas de celulose sobre o rio Uruguay se tem transformado em um empecilho. A oposição que tem causado tanto no país quanto na população argentina próxima às projetadas fábricas -que tem desenvolvido um grau de mobilização tão alto que o governo argentino fez sua a posição dos grupos locais, chegando a um enfrentamento diplomático com o Uruguai- é uma ladeira difícil de subir para a política de participação do próprio Banco Mundial.
A isso acrescentam-se os erros que nesse sentido tem cometido dentro do Uruguai. Como parte do processo de consultas e divulgação relacionado com o rascunho do estudo de impacto acumulado das fábricas de celulosa da Botnia e da Ence, encomendado pelo Banco à consultora Pacific Consultants International em 14 de fevereiro, a Corporação Financeira Internacional (a seção do Banco Mundial encarregada de empréstimos a privados), realizou uma reunião em Montevidéu “para ajudar a informar sua tomada de decisão ao considerar o financiamento” das mesmas.
O Grupo Guayubira -que tem estado questionando sistematicamente a expansão do modelo de monoculturas de árvores em grande escala e seu corolário, as fábricas de celulose- decidiu não participar da audiência por considerar que o objetivo da mesma era conseguir o aval do relatório. Previamente Guayubira tinha dito a funcionários do Banco Mundial que o relatório da avaliação do impacto acumulado das fábricas de celulose está totalmente parcial em favor do florestamento e das fábricas de celulose e que carece da objetividade necessária para constituir-se em base de uma discussão séria e informada sobre um assunto tão importante quanto o presente. Nesse sentido, Guayubira tinha recomendado ao Banco que exigisse à empresa consultora melhorar substancialmente seu relatório para servir desse jeito de base para a consulta ampla que o Banco desejava realizar. No entanto, isso não foi feito e portanto o grupo decidiu não participar, fazer públicas suas críticas fundamentadas ao relatório e manifestar na rua sua oposição ao financiamento das fábricas de celulose pelo Banco Mundial (vide críticas em http://www.guayubira.org.uy/celulosa/audienciaBM2.html e fotografias da passeata em http://www.guayubira.org.uy/celulosa/fotos_IFC_BM.html).
De outro lado, o Banco Mundial não tinha convidado a Rede Uruguaia de ONGs Ambientalistas, a que participa formalmente da Comissão Técnica Assessora do Meio Ambiente (COTAMA), dentro do Ministério do Meio Ambiente. Apesar de que no último momento -e por casualidade- o Banco pôde corrigir sua grave omissão, a Rede acabou sendo convidada tangencialmente a no último momento.
Reconhecendo que se trata de empreendimentos industriais que fazem parte de um dos setores da indústria mais poluentes do mundo, a Rede Uruguaia de ONGs Ambientalistas apresentou na Audiência Pública seus comentários ao Estudo de Impactos Acumulativos. Alguns dos argumentos destacados são: o estudo tem erros técnicos importantes como confundir sábalos (curimbatá) com sardinhas; não foram respeitadas as exigências dos técnicos da Direção Nacional do Meio Ambiente; falta conhecimento científico e dados concretos para poder fazer uma avaliação veraz; há dúvidas sobre os benefícios econômicos, já que não existem dados oficiais sobre a geração de empregos; por estarem em uma Zona Franca não se arrecadarão impostos por esses projetos. A Rede expressa que: “Estimamos que apenas por IRIC (Imposto sobre a Renda da Indústria e do Comércio) o Uruguai deixará de receber um montante de aproximadamente USD 120 milhões anuais. Parte desse montante, que acumulará lucros para a empresa, está sujeito a um imposto similar que arrecadam o estado finlandês e o estado espanhol. Isso significa que o estado uruguaio abrirá mão de um montante de aproximadamente USD 40 milhões anuais, que irão engrossar as arcas dos estados europeus, uma situação inadmissível, em virtude das condições econômicas comparativas de nossos países. Além disso, enquanto o estado deixa de arrecadar os impostos que legitimamente lhe correspondem, deverá realizar uma série de despesas derivadas das necessidades de infra-estrutura e serviços que essas atividades industriais requererão. Além disso, aumentar-se-á o florestamento, sem saber quais são seus impactos ambientais” (vide o relatório completo em http://www.uruguayambiental.com/articulos/RedUruOngAmbCelulosa.pdf).
O Banco Mundial não teve o aval de nenhum dos atores sociais mais destacados vinculados a esse processo. O Grupo Guayubira decidiu não participar da consulta pela falta de seriedade do relatório que ia ser discutido e apresentou suas críticas por escrito. As duas representantes do Guayubira que quiseram fazer uma breve declaração explicando as razões dessa posição não foram autorizadas a falar. A Rede Uruguaia de ONGs Ambientalistas -convidada no último momento- apresentou uma fundamentada exposição de críticas ao relatório de impactos acumulados que motivou a reunião. A Associação Nacional de ONGs não foi nem sequer convidada. O representante da Central dos Trabalhadores (PIT/CNT), cuja presença estava prevista no painel de palestrantes, informou no último momento que não ia estar presente, pelo que também estiveram ausentes os trabalhadores organizados. Agora o assunto tem passado às manchetes das notícias mundiais e o Banco Mundial, artífice do processo, está no alvo...
Por Raquel Núñez, Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais, E-mail: raquelnu@wrm.org.uy