Na Amazônia peruana, a atividade madeireira é altamente seletiva, quer dizer, da grande diversidadade de espécies apenas são usadas algumas, o que levou à diminuição da existência de algumas espécies. O consumo de determinadas madeiras- como o mogno- não poupa sequer as áreas de reserva.
A atividade madeireira ilegal que é desenvolvida em torno a estas áreas recorre a variados estratagemas, desde os contratos de extração nas chamadas zonas de amortecimento (faixas de uns 15 km de largura em média, circundando a área de reserva, que é útil para quem extrai a madeira já que fazem de conta que a madeira cortada no interior da reserva provém dessa faixa) até as licenças de trânsito para transportar pelos rios dentro da reserva a madeira que supostamente foi extraída fora dela. Também é costume “branquear” a madeira, isto é, a madeira é legalizada ao serrá-la com serra fita para apagar os rastros de ter sido serrada com motosserra que é uma modalidade proibida porque implica grande desperdício de madeira e são preparados documentos como se saísse de uma área sob contrato. Agora, também é “branqueada” no lugar, com serrarias portáteis de fita.
A sonoridade e visibilidade destas atividades que envolvem pessoas em acampamentos conhecidos e permanentes, chatas que transportam madeira e guindastes fazem com que esta atividade ilegal seja tudo menos clandestina. Na Reserva Nacional Pacaya Samiria, localizada no triângulo formado pela confluência dos rios Marañón e Ucayali, encontrou-se que trabalham em média 20 homens por acampamento, e anualmente, funcionam cerca de 50 deles.
É justamente neste setor da atividade madeireira ilegal onde abunda um sistema trabalhista associado com o não pagamento, a remuneração em espécies, a prostituição de mulheres nos acampamentos madeireiros e com condições de trabalho infra- humanas.
A escravidão do século XXI existe com o nome de trabalho forçoso e suas vítimas são os mais marginalizados- crianças, mulheres, comunidades nativas. Esses que parecem invisíveis. A concorrência obriga à procura por baratear os processos de produção e assim surgem estas modalidades de exploração que deveriam ofender as consciências.
Isidoro Chahuán, operador de motosserras, da etnia quichua, afirma: “Trabalho por um sabonete, sal, um cartucho, uma camisa”. Ele representa o chamado trabalhador habilitado. Na Amazônia, mais de 30 mil peruanos das comunidades indígenas mais afastadas se encontram nessa situação infra- humana. Um relatório para a OIT sobre o trabalho forçoso na extração de madeira na Amazônia, do antropologista Eduardo Bedoya e o cientista social Alberto Bedoya, mostra até três formas de operação. Em duas delas, o sistema de dívidas insufladas e os magros pagamentos pela matéria extraída são um denominador comum. Se bem se trata de um fenômeno histórico, que data da época colonial, agora com o “boom” do cedro e do mogno, a indústria madeireira teve que ir ganhando espaços e por isso viu-se forçada a adentrar-se em territórios virgens, áreas de reserva comunal, parques nacionais e espaços onde há grupos não contatados ou de contato incipiente.
O caso mais freqüente ocorre quando uma “atividade madeireira- habilitadora” vinculada a grandes empresários madeireiros, entrega na cidade uma quantia de dinheiro a “patrões recrutadores” para obter madeira. Estes oferecem dinheiro ou adiantamentos de alimentos ou mercadorias (tais como arroz, sal, botas, rifles, motosserras, etc.) no interior das comunidades indígenas, com a condição de eles, que conhecem a área e suas árvores melhor que ninguém, entregarem a madeira cortada. No geral, estes acordos ocorrem através de contratos verbais ou escritos sem nenhuma referência ao valor da madeira no mercado, sendo então um dado desconhecido para os nativos que se tornam presa fácil da enganação. Assim, quando os trabalhadores entregam a madeira ao “patrão recrutador”, este apresenta diferentes motivos que demonstram que o material não é bom e arbitrariamente reduz o pagamento. Como o dinheiro não é suficiente, os indígenas pedem mais empréstimos e assim engrossam sua dívida. O camponês fica “recrutado” chegando a assinar contratos de até dez anos.
No caso dos acampamentos madeireiros, juntam-se trabalhadores, geralmente alheios às comunidades, que vão realizar a extração da madeira. No relatório mencionado, explica-se que nas cidades entrega-se aos trabalhadores 10% inicial para recrutá-los e posteriormente são levados para trabalhar nas áreas mais remotas da Amazônia. Essas regiões são muito longínquas para os trabalhadores poderem fugir, além de terem seus documentos retirados, de serem afastados das canoas e ameaçados com o não pagamento se pretenderem fugir. Os salários são muito baixos e as mercadorias muito caras. Um refrigerante em um acampamento madeireiro pode custar 10 sóis, um saco de açúcar 50, um de arroz outro tanto. Assim fica iniciado o círculo vicioso de endividamento. “O grande problema destes acampamentos é a incapacidade que os trabalhadores têm de se locomover. Os fiscais trabalhistas não chegam por causa da inacessibilidade da área. Os povoadores também não podem pagar suas dívidas procurando outro acampamento porque recebem, em muitos casos, ameaças físicas”, aponta Bedoya. Trata-se de um trabalho forçoso porque há perda de liberdade.
Em muitos casos, quem pára em um acampamento madeireiro, formado por 10 ou 40 trabalhadores, leva junto sua família. A mulher cozinha, as crianças ajudam mas ninguém recebe um pagamento. Existe, de acordo com o estudo, um alto índice de adolescentes homens e a presença das mulheres com o lugar de cozinheiras e prostitutas, que cobram por seus serviços em tabuões de madeira.
Este é o castigo da madeira. Para os “patrões recrutadores”, que trabalham para as atividades madeireiras habilitadoras, que por sua vez trabalham para grandes empresas madeireiras, enganar os camponeses não resulta tão difícil assim. Eles só têm que aproveitar a miséria gerada pelo próprio sistema de exploração madeireia que devastou as economias locais, despejou os moradores de suas terras tirando deles as florestas que fazem parte de seu sustento de alimentos, medicinas e moradia.
Sob estas condições de miséria prospera o grande negócio florestal, com uma estreita conivência entre as atividades legais e ilegais até o ponto de formarem só uma, e às vezes, inclusive, gozando da garantia de selos de certificação.
Artigo baseado em informações obtidas de: “30 mil peruanos son víctimas de trabajo forzoso en la Amazonía”, Gabriel Gargurevich, Diario La República maio de 2005, e “Controles y descontroles: Extracción ilegal de madera en el Pacaya-Samiria”, Alberto Chirif, Actualidad indígena Nº 99, março de 2005, Servicio de Información Indígena SERVINDI, www.servindi.org, enviados por Carlos Arrunátegui, FAdAmazon (Fundación de Adhesión con los Pueblos Amazónicos), correio electrônico: carrunategui@fadamazon.org; “Esclavos de la madera”, Jimena Pinilla Cisneros, El Comercio, http://www.elcomercioperu.com.pe/EdicionImpresa/Html/2005-05-12/impCronicas0305152.html