Atividade madeireira ilegal ou atividade madeireira insustentável?

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É a dicotomia atividade madeireira legal-atividade madeireira ilegal a que deveria reger em uma política de conservação de florestas? Entende-se que há atividade madeireira ilegal quando a madeira –transformada em um negócio rentável a ser explorado- é colhida, transportada, comprada ou vendida infringindo as leis nacionais. Mas as leis diferem amplamente de um país a outro, portanto não é possível fazer uma distinção entre atividade madeireira legal e ilegal em nível mundial ao ponto de que não existem normas internacionais nesse sentido. Talvez em cada caso as preguntas a serem feitas são: o que é legal? o que deveria ser legal? o legal é legítimo?

A pesar de serem legais, até que ponto são legítimas as concessões madeireiras industriais outorgadas a empresas européias na África onde exploram mais de 11 milhões de hectares de florestas, em muitos casos privando às comunidades do lugar que lhes corresponderia para realizar um manejo comunitário de seus recursos? É legítimo o corte de mogno no Brasil para a fabricação de móveis suntuários nos EUA, no Reino Unido, na Holanda, na Alemanha e na República Dominicana, afetando milhares de hectares de floresta por cada concessão e alterando o ciclo hidrológico, degradando o solo, aumentando a temperatura da superfície e liberando na atmosfera o dióxido de carbono armazenado nas árvores? Qual é a legitimidade da atividade madeireira na Finlândia pela companhia estatal Metsähallitus em florestas primárias que são território ancestral dos Sami, os que vêem que suas formas de vida e sustentação, sua cultura e seus direitos humanos são ameaçados? Nesse sentido, a definição do que é legal não deveria ficar separada da questão de se o legal se baseia realmente em normas que a maioria das pessoas sente de algum jeito como próprias. Pode acontecer que o que é ilegal para as comunidades indígenas seja perfeitamente legal para o governo e os concessionários florestais. Portanto, a pesar de que o corte ilegal é às vezes apresentado como uma questão de que o que se tenta é aplicar a lei, as disposições legais às vezes reforçam relações injustas ou desconhecem os direitos consuetudinários.

Em países onde a legislação florestal não é considerada legítima por grande número de pessoas, focalizar-se nessas leis ao abordar o assunto da ilegalidade poderia implicar perpetuar as desigualdades sociais. Na Indonésia, por exemplo, a constituição de 1945 determinou que o Estado possui o controle sobre todas as florestas. A legislação florestal de 1999 se constrói a partir desse conceito e classifica explicitamente as florestas dos povos indígenas como florestas estatais e outorga ao Ministério Florestal jurisdição legal para manejar esses recursos florestais. No quadro de uma política econômica de exploração dos recursos naturais para sua exportação, recomendada e apoiada financeiramente por organismos internacionais, o governo outorga às companhias madeireiras, entre outras, direitos sobre vastas extensões de terras de florestas que os povos locais tinham considerado deles. O resultado é a perda de florestas e numerosos conflitos em matéria de direitos humanos.

Além da legitimidade das ações legais das empresas madeireiras, são elas e a cadeia de intermediários as que, ampliando seu negócio com atividades ilegais, constituem a maioria da atividade madeireira ilegal que, vinculada ao comércio internacional ilegal provoca a destruição das florestas, introduz e fomenta a corrupção, faz com que os governos percam milhares de milhões de dólares por sonegação fiscal e financia conflitos armados, entre outros males. Ainda assim, em alguns casos responsabiliza-se às vítimas –comunidades deslocadas e empobrecidas- pela exploração e o comércio ilegal de madeira, omitindo considerar nestes casos suas causas subjacentes mais profundas. Nesse sentido, uma simples política contra as práticas ilegais que igualar as situações e não visar a resolver as causas subjacentes de algumas situações especiais de atividade madeireira ilegal nas que seus atores estão longe de serem agentes de poder, poderia causar mais mal que bem. Ainda quando as pequenas comunidades são as que no longo prazo têm mais para perder quando suas florestas são destruídas e seus recursos são roubados, há casos, como no Peru, de povos indígenas que aborrecidos da pobreza e de ver que todo dia outros se enriquecem com a madeira que sai de suas florestas, querem obter maior benefício com seus recursos e muitas vezes entram na cadeia do corte ilegal, sabendo que são exploradas e roubadas.

Talvez deveríamos falar então de atividade madeireira sustentável. A atividade madeireira legal pode ser insustentável e a atividade madeireira sustentável pode ser ilegal. Se o objetivo principal for a sustentabilidade, então deveríamos visar a atividades sustentáveis e isso poderia implicar, a legalização de atividades hoje ilegais e a ilegalização de outras que hoje são legais. Dito assim pode parecer um assunto simplesmente legal. Achamos que nada mais longe disso. Há processos demais focalizados na aplicação da lei, como o descreverão os artigos referidos ao FLEGT (Aplicação das leis, governança e comércio florestais) impulsionado pela União Européia que não contribuem com soluções reais.

Mais uma vez deveremos considerar o modelo de produção, comercialização e consumo no que se baseia a atividade madeireira ilegal. Veremos que está dominado por grandes empresas que geram benefícios no curto prazo como a exploração indiscriminada dos recursos naturais. Que a comercialização está nas mãos de uma cadeia de gigantes que alimentam um consumo frenético e esbanjador. E que esses agentes dominam o cenário mundial. Como em outros setores, deveremos apostar pelos processos e soluções locais que desde a decisão das comunidades poderão trazer mudanças, seja freando a destruição, como propiciando a construção de outros modelos não destruidores.

Por Raquel Núñez, Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM), E-mail: raquelnu@wrm.org.uy. Baseado em informação obtida de: "The need to control transnational forestry corporations: a European case study", http://www.forestsmonitor.org/reports/solddownriver/cover.htm; “Opciones para Europa. El control de la importación de madera ilegal”, Royal Institute of International Affairs (Chatham House) e FERN, http://www.fern.org/pubs/reports/options2_sp.pdf