As florestas do Peru estão sendo assediadas. Em toda a Amazônia peruana, os madeireiros ‘legais’ destruidores e os ilegais dedicam-se à extração em grande escala e destruidora do ‘mogno’ de alto valor (Swietenia macrophylla) e cedro (‘cedro tropical’ - Cedrela odorata) remanescentes. Estimativas recentes sugerem que 90% da madeira extraída na Amazônia peruana é ilegal. Os números oficiais denunciam que a maior parte das madeiras duras peruanas se exportam ao México, aos EUA, ao Canadá e à Bélgica. Grande parte dessa madeira é importada em violação de acordos ambientais internacionais (como CITES). A extração da madeira peruana também tem envolvido às vezes a violação de direitos humanos dos povos indígenas, particularmente seu direito à propriedade, à consulta prévia e seu direito a meios de vida e integridade cultural.
Como áreas mais acessíveis já tem sido cortadas, a máfia madeireira peruana tem introduzido suas operações ilegais na profundidade da floresta em busca de espécies madeireiras valiosas. A maioria dessas áreas remotas fazem parte dos territórios tradicionais de povos indígenas, incluindo comunidades não contactadas vulneráveis. Em Ucayali, por exemplo, os madeireiros ilegais têm aberto caminhos dentro da Reserva Murunahua, que ameaçam a integridade de territórios de povos indígenas em isolamento voluntário. Em resumo, a maioria da madeira ilegal no Peru está agora sendo extraída das reservas comunais de Comunidades Nativas, reservas para povos indígenas não contatados em isolamento voluntário ou de áreas de conservação protegidas.
Organização da extração ilegal:
A organização da atividade madeireira no Peru se baseia em uma economia amazônica regional antiga e exploradora conhecida como habilitação (habilitación), que é financiada e controlada por intermediários e uma máfia madeireira poderosa. Os membros superiores dessa máfia estão às vezes vinculados com estruturas locais de poder, incluindo o governo regional. Os distribuidores (habilitadores) adiantam crédito a pequenos bandos madeireiros que estão equipados (habilitados) para ir à floresta a cortar madeira, transportá-la para serrarias “de limpeza” para “legalizá-la”, e depois enviá-la a depósitos de madeira em centros urbanos. Os bandos madeireiros ilegais são móveis e bem armados e sabe-se que usam armas de fogo para resistir quaisquer tentativas de confiscar sua madeira na floresta. A atividade madeireira é realizada por trabalhadores empobrecidos, enquanto o comércio de madeira é facilitado por intermediários e grandes barões de madeira em povoados e cidades.
Conflitos entre madeireiros e comunidades indígenas:
A atividade madeireira tem resultado em conflitos entre comunidades indígenas (possuidoras de títulos de propriedade ou não) e madeireiros ilegais, que invadem seus territórios ancestrais para cortar madeira sem licença. Desde 2002, os chefes madeireiros ilegais em Madre de Dios e outras partes têm promovido invasões massivas anuais dos territórios dos povos indígenas em isolamento voluntário, com o objetivo explícito de deslocá-los pela força, para alegar que esses povos não ocupam áreas florestais ricas em madeira valiosa. Os choques entre comunidades indígenas e madeireiros estão virando comuns. Mais recentemente, em maio de 2005 em Madre de Dios, dois madeireiros foram mortos por setas, enquanto derrubavam árvores no alto Rio Piedra. As mortes causaram um clamor nacional, apesar de que os líderes indígenas salientam que ainda não se sabe quantos indígenas foram mortos pelas balas dos madeireiros na confrontação. Há receios reais a respeito de que os madeireiros podem estar massacrando comunidades indígenas remotas, apesar de que essas atrocidades ainda são desconhecidas para o mundo exterior.
Na região inteira os madeireiros informais ilegais e as chamadas companhias madeireiras “legais” usam estratégias intrincadas e manipuladoras para ter acesso aos recursos de Comunidades Nativas. Os madeireiros e as companhias madeireiras às vezes fazem contratos escritos informais ou fazem contratos formais com líderes comunitários sem o conhecimento nem o consentimento da comunidade mais ampla. Em muitas comunidades, não existem estruturas coletivas efetivas de tomada de decisões e os madeireiros aproveitam essas debilidades para fazer acordos com indivíduos ou pequenos grupos.
Iniciativas do governo malsucedidas:
Sob pressão de organizações de povos indígenas regionais como a Federación Nativa del Rio Madre de Dios y Afluentes (FENAMAD) em aliança com ONG e organizações da sociedade civil, o governo peruano tem lançado uma série de iniciativas para abordar o assunto da atividade madeireira ilegal. Também tem tomado medidas para estabelecer proteções para povos indígenas não contactados. Em abril de 2002, uma Resolução Ministerial estabeleceu uma Reserva para Povos Indígenas em Isolamento Voluntário, sediada no Rio Piedra em Madre de Dios. Em agosto, a FENAMAD assinou um contrato com o governo para estabelecer postos de vigilância e controle no limite sul da reserva (conhecido como linha 343).
Em outubro do mesmo ano, o governo estabeleceu uma Comisión Multisectorial de Lucha Contra la Tala Ilegal en el Perú, que depois redigiu um plano de ação para combater a atividade madeireira ilegal. O governo também tem convidado à apresentação de propostas sobre como combater a atividade madeireira ilegal como parte de suas mesas redondas nacionais e regionais sobre política florestal. Numerosos decretos e resoluções governamentais têm sido aprovados para regulamentar as atividades madeireiras, punir os madeireiros ilegais e investigar a corrupção.
Apesar de todos os compromissos assumidos no papel e de todos os decretos, resoluções, leis e planos de ação, há pouca ação na prática. O governo possui mais de 50 postos de vigilância na região amazônica, mas eles são muito ineficazes devido ao pessoal corrupto que permite o tráfico de troncos roubados e madeira serrada em troca por subornos. Até nos casos nos que o pessoal do governo não é corrupto, os postos são incapazes de operar devido a uma séria falta de recursos. Quando há confiscação de troncos ilegais, essa confiscação oficial de troncos cortados por companhias madeireiras tem estado até agora limitada em escala e tem sido infreqüente.
A polícia e as autoridades florestais não têm apoiado os postos de vigilância geridos pela FENAMAD na Linha 343 e em decorrência disso, os madeireiros ilegais invadem continuamente a área protegida. Em maio de 2005 estimou-se que pelo menos de 150 campos madeireiros foram localizados dentro da linha 343, apesar de que o governo não tem tomado qualquer medida efetiva para remover os madeireiros. Alguns dos postos de vigilância têm sido saqueados ou queimados por equipes madeireiras ilegais.
Em nível local e regional, a máfia da madeira e as grandes empresas são os principais obstáculos para reformas progressivas. Por essa razão numerosas reservas propostas para povos indígenas não contactados, incluindo Napo Tigre, Yavarí Tapiche e Cashibo Cacataibo, ainda devem ser legalmente estabelecidas.
As demoras na designação dessas áreas se devem em parte à pressão de poderosos interesses comerciais e industriais que se opõem fortemente a todas as áreas florestais protegidas, incluindo reservas de povos indígenas não contatados e maiores extensões para títulos existentes de Terras Comunitárias Nativas.
Sistema de concessão madeireira defeituoso:
Uma parte central da resposta do governo à atividade madeireira ilegal tem sido a introdução de uma nova Lei Florestal desde 2001. Supunha-se que essa lei ia promover a colheita de madeira sustentável nas florestas do Peru. Lamentavelmente a implementação da lei tem sido feita às pressas, as salvaguardas para os direitos dos povos indígenas têm sido desrespeitadas e a atividade madeireira destruidora e ilegal tem continuado sem diminuir. As organizações de povos indígenas como a Asociación Interétnica de Desarrollo de la Selva Peruana (AIDESEP) apontam que o organismo do governo a cargo de supervisar a demarcação e a venda de concessões conhecido como o Instituto dos Recursos Naturais (INRENA), tem violado numerosos requisitos de acordo com a lei florestal. Queixam-se de que o organismo do governo tem designado concessões sem prévia consulta e sem prévio zoneamento social e ecológico em contravenção de obrigações do Estado de acordo com a Convenção 169 da OIT e diferentes leis ambientais e proteções legais para Comunidades Nativas. Em decorrência disso, as concessões florestais têm sido impostas em terras indígenas em muitas partes da região amazônica.
Ao mesmo tempo, os titulares de concessões estão usando o sistema de concessões para lavar madeira ilegal roubada de terras indígenas e áreas protegidas adjacentes. A madeira legal e a madeira ilegal se misturam usando as licenças de transporte de concessões de madeira legal para evitar a detecção. Um número crescente de companhias madeireiras agora oferece proativamente e avidamente apoio às Comunidades Nativas para obter Licenças de Extração de Madeira para ‘legalizar’ e branquear sua própria madeira ilegal extraída de fora da área licenciada. Como o antigo Presidente de ORAU, Kruger Pacaya, já falecido, explicou em 2004:
“É trágico! Os novos titulares de concessões estão usando seus contratos com o governo para encobrir a atividade madeireira ilegal. Continuam ingressando em territórios indígenas e áreas protegidas adjacentes a suas concessões para colher mogno e cedro. Estão fazendo o mesmo com licenças madeireiras de Comunidades Nativas e códigos de impostos que usam para lavar a madeira ilegal extraída ilegalmente de outras áreas. O que deixam é uma florestas empobrecida e enormes passivos tributários que a comunidade não tem condições de pagar…”
As companhias pagam às comunidades preços terrivelmente baixos por sua madeira e descontam a grande maioria dos custos da companhia como “crédito” estendido à comunidade, que as comunidades devem reembolsar com trabalho ou madeira. O grosso grau de exploração e de abuso fica evidenciado por relatórios recentes da região do Alto Purus, que revelam que as comunidades indígenas recebem USD 30 por uma árvore de mogno madura, enquanto a mesma árvore é comerciada por USD 11.000 em Pucallpa. Como Arlen Ribeira, um líder Huitoto e membro da AIDESEP explica:
“A escala da atividade madeireira ilegal e o roubo de madeira através de operações fraudulentas é massiva no Alto Purus. Todo dia nossos irmãos são mais pobres. Estão sofrendo sérios danos a suas terras, o que faz com que fiquem em pior situação econômica. É uma situação terrível de exploração que deve ser detida...”
Os relatórios indígenas do Alto Purus confirmam que o organismo do governo IRENA e os militares estão envolvidos no comércio ilegal de madeira. Os funcionários do governo são acusados de serem cúmplices da máfia madeireira que extrai mogno e explora as Comunidades Nativas.
Luta popular para combater a atividade madeireira ilegal:
Enfrentados com a ampla corrupção das autoridades do governo e sua relutância a confrontar poderosas e perigosas máfias madeireiras, as comunidades indígenas da floresta têm tomado medidas diretas para confiscar troncos roubados de suas terras e áreas protegidas adjacentes. Na Selva Central, por exemplo, as comunidades Ashaninka têm formado seus próprios Comitês de Vigilância, Controle e Defesa Florestal. Esses grupos de defesa territorial têm confrontado madeireiros armados e os têm expulsado de terras de florestas indígenas. Similares ações locais têm sido adotadas em Loreto, Ucayali e Madre de Dios, apesar de que muito freqüentemente o governo não tem compensado a comunidade e em alguns casos tem até subtraído e vendido a madeira como propriedade do governo!
As Comunidades Nativas e as ONG que as apóiam também têm estabelecido suas próprias iniciativas independentes de monitorização local. Um exemplo é o trabalho das ONG CEDIA e Shinai, que têm usado postos de vigilância independente e monitorização de campo GPS (sistema de posicionamento global) para evitar que os madeireiros ilegais ingressem na Reserva Kugapakori-Nahua Reserve. Shinai tem trabalhado diretamente com comunidades indígenas para ajudá-las a colher seus próprios dados de campo GPS para apresentar evidência de incursões ilegais às autoridades do governo. Em poucos casos essa evidência popular levada às autoridades em Lima tem pressionado o governo para tomar medidas com o fim de confiscar a madeira e expulsar os madeireiros ilegais.
Apesar desses sucessos, a maioria das iniciativas populares ainda carecem de recursos e não possuem reconhecimento oficial. As organizações indígenas e os grupos locais da sociedade civil estão virando crescentemente frustrados com numerosos decretos e planos do governo que prometem ação mas fazem pouco ou nada para deter a atividade madeireira ilegal na prática.
“Estamos aborrecidos de todos os diálogos políticos e mesas redondas sobre assuntos florestais. O governo quer continuar falando em formas de combater a atividade madeireira ilegal mas não está preparado para tomar medidas sérias. Até o novo sistema de concessões tem promovido a lavagem de madeira. O que necessitamos agora são medidas reais para aplicar a lei e sustentar as proteções legais para as áreas de florestas dos povos indígenas. É hora de que os Decretos, Resoluções e acordos sejam realmente implementados.” [Jorge Payaba, Presidente, FENAMAD, setembro de 2005]
Em sua longa luta para abordar a atividade madeireira ilegal e a crise florestal no Peru, organizações indígenas e ONG de apoio continuam exigindo:
- Remoção imediata de madeireiros ilegais de Reservas do Estado para Povos Indígenas em Isolamento Voluntário
- Ação urgente para estabelecer um controle e monitorização efetivos dos limites das reservas para povos indígenas em isolamento voluntário
- Investigação e punição de operadores madeireiros ilegais ativos dentro de territórios indígenas e áreas protegidas
- Novos mecanismos e recursos para garantir que leis e proteções existentes para povos indígenas e florestas sejam adequadamente aplicados
- Países importadores deveriam deter suas compras de madeiras duras peruanas até que a atividade madeireira ilegal e a violação dos direitos dos povos indígenas seja detida
- Reforma da Legislação Florestal e mudanças em sua implementação para garantir um devido respeito pelos direitos consuetudinários indígenas ao território, terras e recursos
- Maior reconhecimento e apoio legal e técnico para a defesa territorial e iniciativas de monitorização locais de comunidades indígenas e locais
- Programas globais de desenvolvimento de capacidades e de fortalecimento institucional para as Comunidades Nativas e suas organizações afetadas pela crise florestal
Artigo compilado por Tom Griffiths, Forest Peoples Programme, e-mail: tom@forestpeoples.org
Fontes: (1) FENAMAD (2005) Vulneración de los derechos de los pueblos indígenas en aislamiento vountario Pronunciamento: 26 de maio de 2005; (2) ORAU, ARPI-SC, FENAMAD (2004) Resumen de talleres sobre la situación forestal en las organizaciones regionales de AIDESEP (em colaboração com o FPP e Racimos) Lima, setembro de 2004; (3) AIDESEP (2004) Contra el abuso y la prepotencia de funcionarios del Estado y concesiones forestales en la region Ucayali Declaração pública; (4) Griffiths, T (2004) Indigenous Peoples in Peru call for forest policy reform and major changes in implementation of Forest Law www.forestpeoples.org ; (5) Garcia, A (2004) “Peru y Bosques: privatismo y derechos indígenas” Kanatari(431)VII:14-15; (6) Chirif, A (2002) “Controles y descontroles: extracción ilegal de madera en el Pacaya Samiria” Ideele (2002) 148:81-85; (7) Amazon Alliance (2004) Illegal logging in Peru: working group report Amazon Alliance Reunião anual, Iquitos, junho de 2004