Camisea é o maior projeto energético da história peruana. Este projeto envolve a extração de gás natural de uma área conhecida como Lote 88, localizado às margens do rio Camisea, uma das áreas mais ricas em biodiversidade do mundo. O custo da construção da totalidade do projeto será de 1,6 bilhões de dólares incluindo a exploração, o processamento do gás e a construção de dois gasodutos que passarão pela cordilheira dos Andes antes de chegar ao litoral para sua distribuição.
Estima-se que a jazida contém 11 trilhões de pés cúbicos de gás e 600 milhões de barris de condensado. Metade da produção será exportada aos Estados Unidos para fornecer os mercados de energia da costa oeste. O custo dessas exportações já vem sendo pago pelos povos indígenas, devido a que cerca de 75% das jazidas de extração de gás estão localizados dentro da reserva de povos indígenas, que já têm sido forçados a ter contato com o consórcio Camisea, com a conseqüente violação de seus direitos reconhecidos internacionalmente.
Por outro lado, Camisea é o lar dos Machiguengas, e das comunidades nativas em isolamento voluntário como os Nahua, os Yora ou Kugapakori, e possivelmente dos Kirineri. As comunidades de Camisea Shivankoreni, Segakiato e Cashiari têm assentamentos próximos aos poços, com uma população de aproximadamente mil habitantes. Para sobreviverem, estas comunidades dependem da agricultura, colheita, caça, pesca e extração dos produtos da floresta, atividades ameaçadas pela expansão dos projetos de extração de gás.
Além disso, a planta de extração de gás natural do Proyecto Camisea está localizada em uma região de abundante biodiversidade. De acordo com a Smithsonian Institution, foram identificadas 747 espécies de árvores, 150 espécies de mamíferos, 75 de anfíbios, 83 de répteis, 156 espécies de peixes, 420 de aves e centenas de espécies de invertebrados.
Uma vitória importante da campaña contra o projeto Camisea foi conseguir que o Export-Import Bank (a agência oficial dos EUA para o financiamento de exportações) negasse empréstimos ligados ao projeto Camisea (Lote 88) em agosto de 2003. A diretoria deste Banco levou em consideração os riscos sociais e ambientais do projeto que não puderam ser minimizados pelos proponentes do investimento.
Contudo, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) igualmente decidiu conceder um empréstimo por 135 milhões de dólares ao projeto, desconsiderando o fato de a empresa não obedecer a padrões internacionais como evitar o contato com povos indígenas em isolamento voluntário. Também não deu importância ao fato de a planta de fracionamento estar localizada na zona de amortecimento da Reserva Nacional de Paracas, que é a única área marinha litorânea protegida do país.
Dessa forma, o BID desconheceu seu próprio mandato, que diz que: “Os dois principais objetivos do Banco são reduzir a pobreza e promover a eqüidade social, e conseguir o crescimento econômico sustentável”. De fato, o projeto já está incrementando a pobreza, aumentando a ineqüidade social e fazendo impossível um desenvolvimento sustentável.
Um acordo entre a sociedade civil e o BID incentivou o início do funcionamento de um ‘monitoramento independente’ do Projeto do Gás de Camisea, que ainda não garante que os impactos do projeto sejam revertidos mas com maiores informações sobre eles.
Entre os impactos sociais já sofridos pelas populações da área de influência do projeto podem ser citados os seguintes: diminuição dos recursos pesqueiros, atingindo a alimentação das famílias; devido à poluição da água com óleos, gorduras, detergentes e detritos inadequadamente manejados, a saúde da população indígena tem se deteriorado; as comunidades atingidas pela passagem do gasoduto manifestam que as empresas não pagaram direitos administrativos; não deram trabalho aos habitantes locais; destruíram caminhos, pontes e canais de regadio; e provocaram danos a moradias, etc.
Menos de cinco meses depois de iniciadas as operações do projeto, no dia 22 de dezembro de 2004, no Km. 8,8 ocorreu o rompimento do gasoduto do Projeto Camisea, provocando derramamento do hidrocarburo, que passou à quebrada Kemariato e daí ao rio Urubamba. “Nossas comunidades têm sido gravemente atingidas e até o dia 20 de janeiro, quando estive na zona, continuavam encontrando animais mortos à beira do Urubamba”, constatou Roger Rivas do Conselho Machiguenga do Rio Urubamba.
Por outro lado, entre os impactos ambientais surgem: o desmatamento produzido pelo direito de via, a poluição dos rios, poluição provocada por ruído, erosão dos solos e a conseqüente alteração da flora e fauna na área de influência do projeto.
No que diz respeito aos impactos sobre o ambiente mundial, as reservas da jazida de Camisea vão liberar aproximadamente 687,2 milhões de toneladas de dióxido de carbono à atmosfera. Este projeto será o sexto na América financiado por uma instituição financeira internacional, em ter o maior potencial de emissões de dióxido de carbono. Camisea vai gerar, após seu período de vida, mais de 23 vezes o total de combustível fóssil em relação com o CO2 que, atualmente, é liberado no Peru a cada ano (Caffrey, 2002, Relatório de assessoria independente para COMARU e AIDESEP). Isso tudo em um planeta cujo futuro está comprometido pela mudança climática relacionada com as emissões de dióxido de carbono. O BID, portanto, está contribuindo para a mudança climática.
No Urubamba, os impactos ambientais e sociais continuam e a capacidade das populações de defender seu território é limitada. Para agravar a situação dos ecossistemas, um novo projeto de exploração aumentará ainda mais os impactos sobre as florestas, reservas de água natural e a flora e fauna de uma região cujo valor natural é de alcance nacional e internacional.
Na realidade, em setembro de 2004, a Perupetro assinou o contrato de concessão do Lote 56 com o Consórcio Pluspetrol de Camisea I. O lote 56 está localizado também no Baixo Urubamba, com uma extensão de 58.500 hectares, ao noroeste do atual Lote 88. Dentro do Lote 56 se encontra una área classificada como floresta primária e é o lar dos Kirineri, população em isolamento voluntário altamente vulnerável. Haverá um investimento de 500 milhões de dólares na extração do gás líquido; e uma quantia de 1.100 milhões de dólares será destinada a aumentar a capacidade do gasoduto Camisea para transportar o gás até a costa. A exploração do Lote 56 (Camisea II) chega a ser o primeiro componente de um projeto de exportación de gás liqüidificado.
O segundo componente consiste em uma Planta de Liqüidificação (Gás Natural Liqüidificado) que transformaria o gás em líquido para sua exportação. Esta planta será construída na Pampa Melchorita no sul de Lima.
A grande distância do projeto impossibilita a difusão pertinente dos impactos que ocasiona; apenas as populações que se encontram na área de influência podem ver dia após día como seu ambiente natural, que fornece a elas segurança alimentar e social, vai se transformando em um cruzamento de tubulações imensas, por onde passa um elemento que talvez para eles nunca signifique melhorar sua qualidade de vida.
Este projeto vai fazer com que desapareçam populações nativas em isolamento voluntário como os Kirineri e devastará um território de inigualável importância. Pior ainda, agora o governo está propiciando a exploração de mais lotes (57 e 58) na mesma zona de Camisea, acumulando ainda mais impactos aos já existentes.
O BID também financiará estes novos projetos destruidores?
Por Patricia Patrón, Amigos de la Tierra Perú, correio electrónico: ppatron@labor.org.pe