Como a industria da celulose tenta manejar a resistência

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Em se tratando de produção em grande escala das plantas de celulose, é necessário que elas simplifiquem, sob uma autoridade central, não apenas paisagens, diversidade biológica e diversidade genética, como também sistemas políticos. É que o tamanho das plantas e a paisagem que reorganizam ao redor delas implica que, para sobreviver, elas precisam, a todo momento, captar subsídios, estimular demandas - e acima de tudo, controlar a resistência tanto das pessoas quanto da paisagem.

Nos lugares em que a oposição não desafia os mais importantes interesses da indústria da celulose e do papel, esta tentará contê-la, redistribuindo internamente seus consideráveis recursos de diferentes maneiras, apaziguando tensões em uma área através da liberação de outra. Por exemplo, a indústria tentará:

- Subornar os opositores ou esforçar-se por demonstrar-lhes como seus assuntos podem ser "resolvidos" dentro do sistema industrial, através , por exemplo de subornos, projetos de contratos agrícolas, promessas de "desenvolvimento econômico".

- Ajudá-los a ver que os opositores são esmagados à força, que devem assumir que estão isolados, são proporcionalmete menos, estão escassamente coordenados e são desconhecidos pelo grande público enquanto o governo se interessa por eles para pagar a conta militar.

- Insistir com a discussão pública dos assuntos mas apenas no jargão usado pelos economistas ortodoxos e pela "demanda global", em lugar de se adequar à linguagem dos agricultores ou dos políticos.

- Aceitar algumas demandas feitas pelos oponentes, se não puderem ser subornados ou persuadidos a modificar suas demandas, se a repressão for difícil ou se os interesses das indústrias não forem muito afetados. A indústria japonesa do papel, por exemplo, teve simplesmente que aceitar a resistência dos ambientalistas à exploração das terras da Costa Oeste da América do Norte e deslocar a procura de matéria prima a outros lugares. Pelos mesmos motivos, a indústria da Costa Oeste está lentamente capitulando em favor da oposição a respeito do uso de cloro no tratamento da polpa e encontra fácil que a indústria ceda diante das demandas por mais reciclagem devido a que está acostumada, há muito tempo, a usar resíduos de papel como matéria prima.

Alguns opositores, porém, apresentam ameaças mais profundas. Nenhuma corporação do papel possui os recursos para adaptar-se à queda da demanda de seus produtos, nem enfrentada à oposição comunitária dos plantios através de grandes áreas do Sul, pode subornar, em qualquer lugar que aparecer, destruir a venda atacadista, nem deslocar sua procura de matérias primas a outro planeta.

Tais desafios, impossíveis ora de adaptar ora de destruí-los completamente, são resolvidos mais inteligentemente pela antiga estratégia de dividir e vencer. Abandonando tentativas tanto de conciliar quanto de suprimir aqueles grupos com os que tem conflitos irreconciliáveis nas camadas populares, a indústria concentra sua atenção em manter esses grupos separados de potenciais aliados em burocracias e em urbanas classes médias do Norte.

Desse modo, os interesses do papel e da celulose, na Indonésia e em outros países têm recorrido à repressão e a abusos internos ao mesmo tempo que contrata empresas de relações públicas tais como a americana Burson Marsteller para apresentar uma imagem mais leve a clientes e legisladores da Costa Oeste, bem como para infiltrar, minar e monitorar grupos ambientalistas da Costa Oeste. As empresas de relações públicas contratadas pela indústria tentam também marginalizar por serem "radicais" ou "irresponsáveis" os movimentos para a redução do consumo de papel na Costa Oeste.

Há alguns anos, O. Fernandez Carro e Robert A. Wilson, executivos da Arjo Wiggins Appleton resumiram estas estratégias quando urgiram seus colegas a não apontarem para a " aparente oposição " se isso significa "esquecer a grande quantidade de pessoas que está no meio: o público"; a não " responderem à agenda variável de outros" mas preferirem "escrever a agenda e atenuar assuntos negativos". Diplomaticamente, eles continuam, "fornece o embrulho e o meio para atingir os objetivos da indústria. O sucesso é ponderado pela liberdade para plantar fibras, reconhecendo a soma total de todas as forças políticas (no mais amplo sentido). Há dois elementos no subsistema político [do sistema de qualidade total da indústria florestal]: a mensagem e o alvo.
A mensagem deve ser curta, sem tecnicismos, e fundamental: por exemplo, 'Árvores são boas. Necessitamos mais árvores e não menos'
Nosso objetivo deveria ser criar e atrair um círculo sempre crescente e amigável de opinião pública"

Além de frases como "árvores são boas", muitas outras "mensagens" extremamente simplificadas provaram ser úteis para a indústria do papel e da celulose nessa estratégia de dividir e vencer:

- O crescimento indefinido da demanda de papel é tanto inevitável quanto conveniente ou as duas coisas.

- A demanda pelo papel não provém de grupos particulares, classes ou sociedades, mas do "mundo" ou do "país" como um todo, o que parece ter um status moral superior ao das pessoas locais defendendo suas terras e sua água. Esta idéia ajuda na hora de aprovar tanto subsídios inter-regionais e entre classes para a indústria, bem como despejos compulsórios.

- Plantar madeira para produzir celulose é dar um uso economicamente produtivo de terras desocupadas e degradadas. Esta "mensagem" é efetiva apenas com ambientalistas que ignoram que esta indústria pensa e age nas camadas sociais mais baixas. Como O Banco Asiático de Desenvolvimento e a Shell International já salientaram, a indústria não está particularmente interessada em terras degradadas, mas exige parcelas contíguas de "terras adequadas para atingir indices maiores de crescimento das espécies que o mercado pede." Bem como " água o ano todo" e fácil acesso para o transporte A mensagem também não pode ser usada diante de grupos que entendam que o que é levado em conta na hora de definir "degradada" e "não usada" depende inteiramente de com quem esteja falando.

- A expansão dos plantios ajuda os países sub-desenvolvidos a se tornarem "auto-suficientes" no que tem a ver com o papel. Esta "mensagem" pode ser útil diante de um público que ignore, por exemplo, que a polpa produzida tanto na Indonésia quanto no Brasil é exportada, e que a tal "auto-suficiência" em um ou outro tipo de papel tem pouca importância diante das políticas liberais de comércio defendidas pela própria indústria, que introduzirá importações de papel e polpa em qualquer país, sem produzi-los mais baratos.

- Plantios são mais de dez vezes mais produtivos do que florestas naturais. Esta "mensagem" apenas define "produtividade" como "produtividade de árvores com valor no mercado depois de dois ou três ciclos de crescimento". É uma mensagem útil apenas diante de uma audiência que não conheça outras formas de "produtividade" de mais interesse para a população local, como o crescimento das colheitas e a conservação da água superficial e das comunidades das florestas.

- Promulgar "instruções" para os plantios fará com que estes sejam sustentáveis. Esta mensagem recorre principalmente aos acadêmicos do Norte, tecnocratas e ambientalistas que desconhecem ou não se importam com o que realmente está acontecendo no solo das áreas onde os plantios para obter polpa têm sido certificados, por exemplo, pelo FSC.

Estas "mensagens" usadas seletivamente, estimulam a globalização das indústrias de papel e celulose, facilitando alianças entre grupos das camadas mais baixas da sociedade que combatem a monocultura das plantações de madeira para a obtenção de polpa e grupos ambientalistas de qualquer lugar, especialmente do Norte.

Ainda o contrário também é verdade. Só o alcance global das indústrias contemporâneas de papel e celulose - sua habilidade para explorar o rombo tanto espacial quanto cultural entre os habitantes das áreas rurais dos plantios e os intelectuais de qualquer lugar do mundo - que permite espalhar as hiper-simplificações e a falsidade para garantir a conformidade com o desenvolvimento de plantios de árvores entre áreas urbanas e bases de poder do Norte.

Esta apoio é crucial, já que um crescente "mercado livre" em fibras de madeira, polpa e papel pode ser construído e coordenado só se os subsídios outorgados a consultores, guardas florestais, agências de ajuda, e Oragnizações não governamentais para promover plantios, puderem ser justificados perante um grande e difuso público .

Usar tais mistificações, contudo, implica sempre apostar em que elas não serão expostas através de coordenação internacional de opositores dos plantios.

Por: Larry Lohmann, e-mail: larrylohmann@gn.apc.org [de “Freedom to Plant: Indonesia and Thailand in a Globalizing Pulp and Paper Industry in Parnwell, Michael J. G. e Bryant, Raymond, eds. Environmental Change in South-East Asia: Rendering the Human Impact Sustainable, Routledge, Londres, 1996.]