Faz tempo que órgãos multilaterais e bilaterais – o Banco Mundial, o Banco Asiático de Desenvolvimento, o Fundo Monetário Internacional, a USAID e o Banco Japonês para a Cooperação Internacional – estão outorgando crédito e subvenções aos países do Sul, empurrando-os na armadilha da dívida. O Sri Lanka não é nenhuma exceção. Para pagar a dívida externa, o país tem explorado em excesso – com importantes impactos para as futuras gerações – seus recursos naturais, realizando atividades que incluem derrubada em grande escala, criação de camarão, plantio de culturas comerciais, mineração e privatização do fornecimento de água.
Por outro lado, os empréstimos e subvenções em grande escala para projetos de conservação errados – como plantações de árvores, manejo de bacias, conservação do litoral, controle da poluição, conservação da flora, fauna e plantas medicinais – estão aumentando a dívida externa do país, sem ter melhorado o ambiente em geral.
Atualmente, o governo do Sri Lanka planeja assinar um acordo, no marco da Lei de Conservação das Florestas Tropicais (TFCA, em inglês) dos Estados Unidos – Lei número 105-214, para a Redução da Dívida de Países em Desenvolvimento com Florestas Tropicais –, que vincula as florestas do Sri Lanka à dívida externa. Segundo as disposições contidas nessa legislação, se um país tropical possui no mínimo uma floresta tropical de relevância mundial, ele está habilitado para subscrever um acordo com os Estados Unidos, podendo, assim, reduzir sua dívida. Isso pode ser feito comprando novamente a dívida, através de troca de dívida por natureza, ou mediante restruturação da dívida.
No entanto, o elemento-chave da mencionada lei estadunidense são os Fundos para Florestas Tropicais. Prevê-se que os mesmos sejam estabelecidos, conforme a legislação do país devedor, como fundos fiduciários a serem manejados de forma permanente. Seriam concedidas subvenções para a conservação, manutenção e restauração das florestas tropicais do país devedor, principalmente a organizações não-governamentais (ONGs) que trabalham com meio ambiente, manejo florestal, conservação e povos indígenas e a outras entidades locais ou regionais.
O fundamento do acordo é garantir que os recursos sejam destinados para a proteção das florestas – coisa que, de outra forma, não aconteceria –, mitigando o peso da dívida. Porém, o objetivo principal da lei é que o governo dos Estados Unidos aceda ao controle dos recursos florestais dos países tropicais. É pouco realista esperar que um país estrangeiro como os Estados Unidos se comporte de maneira totalmente altruística ao manejar os recursos florestais do Sri Lanka.
Um dos motivos para a lei dos EUA é a proteção do banco vegetal e genético apenas existente nos países tropicais. Justamente, uma das atividades previstas no marco desses Fundos para Florestas Tropicais é a pesquisa dos usos medicinais das plantas das florestas tropicais, o que revela que esse aspecto não estava em absoluto longe do pensamento dos congressistas estadunidenses. Certamente, os Estados Unidos vão receber importantes benefícios através da pesquisa dos recursos genéticos e vegetais do Sri Lanka, em detrimento dos interesses da população local. A indústria farmacêutica estadunidense é conhecida por patentear produtos farmacêuticos extraídos de vegetais, às vezes até substâncias que estão sendo utilizadas há milhares de anos.
Além disso, a mencionada lei poderia permitir aos EUA continuar mantendo as altas taxas de emissão de bióxido de carbono (CO2). Se os EUA subscrevessem finalmente o Protocolo de Kioto, da Convenção sobre Mudança Climática, eles poderiam utilizar as florestas tropicais que dizem estar protegendo como sumidouros capazes de absorver suas emissões de CO2, no marco do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.
Segundo essa lei, as florestas seriam manejadas por um comitê formado por representantes do governo dos Estados Unidos e ONGs internacionais, em lugar de representantes locais. Contudo, a inclusão de ONGs internacionais na proteção dos recursos locais importa muitos riscos. Algumas dessas organizações têm péssima reputação por praticarem biopirataria, ao passo que outras mantêm sítios de biodiversidade com apoio militar, além da abordagem de conservação implicar o despejo de moradores da floresta e das zonas de proteção, o que não é uma alternativa adequada para o Sri Lanka.
Portanto, a questão principal continua sendo a soberania. Se o governo do Sri Lanka não é capaz de proteger seus recursos naturais, então, o Estado não é mais viável, visto que não pode defender os interesses do país. Além disso, será que o Estado pode assinar um acordo desse tipo sem fazer uma consulta popular?
Adaptado de “Tropical Forest Conservation Act and Ecological debt”, de Hemantha Withanage, cientista ambiental, editado no The Island Newspaper, 1 de outubro de 2003, enviado pelo autor, correio eletrônico: hemantha@efl.lk