No Chile, 25 anos de implementação do modelo econômico neoliberal causaram fortes impactos nas florestas nativas e comunidades indígenas e locais do sul do país. Mais de dois milhões de hectares de plantações de pinheiro e eucalipto alimentam uma poderosa indústria de celulose voltada para a exportação. Nesse período, centenas de milhares de hectares de floresta nativa tornaram-se monoculturas florestais. Uma acelerada concentração da propriedade da terra, facilitada por subsídios estatais às plantações, gerou graves conflitos fundiários com as comunidades indígenas mapuche até hoje. Multiplicaram-se os grandes projetos de represas hidroelétricas, estradas, plantas de celulose e projetos de exploração florestal em massa, com forte investimento privado, atingindo áreas de floresta habitadas por comunidades indígenas e camponesas.
A posse da terra e o acesso aos recursos naturais por parte das comunidades também sofreram importantes mudanças. No início dos anos 80, as terras comunitárias de grande parte das comunidades mapuche das áreas de vale e parte da cordilheira do litoral foram divididas em propriedades individuais. Em outras áreas, mais isoladas e cobertas de florestas primárias, os processos de regularização de terras indígenas ainda estão em andamento e algumas comunidades optaram por sistemas de posse comunitária, ao passo que outras estão solicitando títulos pessoais, sendo que muitas ainda moram em terras do Estado, ou de proprietários privados que jamais moraram no local.
Apesar das mudanças, as comunidades continuam funcionando como o que são, mantendo a troca de mão-de-obra, sementes, plantas medicinais e conhecimento tradicional, como também se unindo diante de ameaças externas. Vigem ainda o uso diversificado, os sistemas de conhecimento tradicional e a visão que integra produção, cultura e espiritualidade na relação comunidade-floresta. Mas o contato com a sociedade global não é ponto pacífico; surgiram necessidades de renda nas comunidades, os sistemas de organização tradicional debilitaram-se e são acentuadas a falta de continuidade organizacional e a escassa representatividade das grandes organizações indígenas e camponesas. Nalgumas áreas, o enfraquecimento dessas estruturas, a falta de oportunidades e de formação e o relacionamento desigual com o mercado obrigaram as próprias comunidades a destruir suas florestas para sobreviver.
Foi só nesta última década que programas com apóio da cooperação internacional começaram a fomentar o manejo e conservação de suas florestas com comunidades indígenas e camponesas. Finalmente, e como expressão de um movimento internacional, começou a ser valorizado o papel dessas comunidades na conservação das florestas. Não obstante, as conquistas ainda subsistem no âmbito local, sendo vagarosa a mudança de mentalidade, como para introduzir essa nova abordagem entre políticos, congressistas, serviços públicos e universidades que formam profissionais e realizam pesquisas.
É possível que, num prazo médio, o Estado adote a abordagem de manejo florestal comunitário e as universidades formem profissionais e desenvolvam linhas de pesquisa nessa área. Também é possível que os programas de apóio com financiamento internacional ainda consigam se coordenar entre si e com os serviços públicos. É provável que as empresas florestais, em especial as que trabalham com florestas nativas, se associem virtuosamente às comunidades vizinhas. Existe um avanço em direção a uma maior participação das comunidades na administração das áreas selvagens sob proteção. Num prazo médio, é possível esperar um aumento das compras, para devolução de terras a comunidades indígenas por parte da Corporação Nacional de Desenvolvimento Indígena (CONADI). Contudo, vale a pena se perguntar se a celeridade desse processo não será lenta demais diante da tendência contrária de desmatamento e degradação de florestas, distribuição desigual dos proveitos das florestas e enfraquecimento das comunidades.
Como fazer face ao inevitável embate da sociedade global, com agentes como as empresas transnacionais, de sorte que as comunidades fiquem numa melhor situação para negociar, com garantia da terra e do acesso aos seus recursos naturais? A negociação dos atores envolvidos é um caminho necessário, mas exige certo equilíbrio de poder que hoje não existe, para poder funcionar efetivamente, sem afetar de forma negativa as comunidades indígenas e locais.
Algumas mudanças acontecem mais depressa do que desejaríamos, e as condições para encará-las nem sempre estão à altura do desafio. A responsabilidade é grande para quem está comprometido com as comunidades e com as florestas das quais elas dependem, igual que o resto da humanidade. Não há margem para divisões, falsa competência ou ineficiências; é fundamental trabalhar na base, influir nas universidades, no âmbito político, nacional e internacional, de forma coordenada e coerente. São necessárias as parcerias e alianças entre comunidades, conservacionistas e, eventualmente, empresas florestais ou de ecoturismo. A criatividade na busca de alternativas é decisiva, mas mais decisivos ainda são o fortalecimento e a participação das comunidades que habitam as áreas de floresta, por serem elas as maiores interessadas no uso sustentável das mesmas. Para elas, certamente, o manejo comunitário é desejável e possível, mas, para que o mesmo seja viável, requer, além do acima mencionado, mudanças importantes no atual modelo econômico, baseado principalmente no apóio a empresas privadas, como estratégia de desenvolvimento. A questão, pois, não reside em saber se as comunidades podem manejar e conservar suas florestas -coisa que elas, sim, podem fazer-, mas em decidir se o Estado tem disposição para definir as regras do jogo e dar o apóio necessário para que isso se torne possível, trabalhando de maneira coordenada com as organizações da sociedade civil.
Por: Rodrigo Catalán; correio eletrônico: catalanr@terra.cl