Recentemente, cerca de quarenta professores e estudantes universitários e dirigentes de ONGs que trabalham com as comunidades no nível local (por mais informação, ver http://www.nnfp.org e http://www.ncfc.org) reuniram-se durante quatro dias na Federação de Cooperativas do Sul (Federation of Southern Cooperatives, http://www.fsclaf.org), em Epes, no estado do Alabama, Estados Unidos, para discutir as tendências do manejo florestal comunitário e o manejo comunitário de ecossistemas nos Estados Unidos.
Boletim Nro 63 – Outubro 2002
Manejo florestal comunitário
O TEMA CENTRAL DESTE BOLETIM: MANEJO FLORESTAL COMUNITÁRIO
Durante séculos, as comunidades locais beneficiaram-se através do uso sustentável das florestas. Porém, faz muitos anos que o controle centralizado dos recursos naturais erode os direitos locais e causa processos de desmatamento em grande escala. O atual desastre (produto das atividades do Estado e das grandes empresas nas florestas) revela às claras que é necessário mudar o curso dos acontecimentos, restituindo o manejo das florestas às comunidades locais. O modelo industrial falhou rotundamente em garantir a conservação das florestas, enquanto as abordagens baseadas na comunidade revelam que a melhoria da base de sustento dos povos e o uso sustentável das florestas são objetivos compatíveis. Para ajudar a divulgar essa mensagem, decidimos promover um esforço conjunto tendente a compartilhar experiências de manejo florestal comunitário, dedicando a totalidade deste boletim do WRM a essa questão e convidando todas as partes interessadas a participarem de sua elaboração. Como resultado, recebemos uma grande quantidade de artigos do mundo todo, refletindo pontos de vista diferentes (embora complementares) sobre a implementação dessa abordagem em realidades sociais e ambientais diversas. Certamente, essa diversidade nos ajudará a aprofundar nossa compreensão dos problemas que devem ser resolvidos para que essa abordagem se torne viável. A tod@s aquel@s que escreveram artigos ou enviaram suas sugestões (ou ambas as coisas!), agradecemos por terem compartilhado conosco e com tod@s noss@s leitor@s seu conhecimento e experiências.Boletim WRM
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Outubro 2002
COMPARTILHANDO EXPERIÊNCIAS LOCAIS
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10 Outubro 2002A rede National Network of Forest Practitioners (NNFP) é uma aliança das organizações de base da população rural, que luta por uma economia racional baseada nas florestas, cujos benefícios sejam acessíveis às comunidades que tradicionalmente dependem da floresta para garantir seu bem-estar. A NNFP conta com 500 membros, incluindo grupos de base comunitários, sem fins lucrativos, pequenas empresas, grupos indígenas, trabalhadores florestais, pesquisadores, órgãos oficiais e fazendeiros. Seus membros realizam diversas atividades, incluindo proteção das bacias, turismo ecológico, capacitação para o trabalho, produtos florestais não madeiráveis e fabricação em madeira com valor agregado.
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10 Outubro 2002As Ilhas Salomão, no Pacífico ocidental, vêm sendo devastadas por quase três anos de guerra civil. A economia foi arrasada, Honiara, a cidade mais importante, está nas mãos de grupos beligerantes, e a maior parte dos serviços públicos, como educação e saúde, não funciona. Nesse contexto, a corrupção leva vantagem e o setor madeireiro industrial -nocivo e, com freqüência, ilegal- continua incólume.
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7 Outubro 2002Advertem-se tendências-chave entre a superabundância de primeiros avanços do Manejo Florestal Participativo (MFP). Entre elas, o crescente fortalecimento das comunidades locais e o surgimento dessas populações como viveiros de manejadores de florestas por direito próprio. Tem sido apontado que, em parte, isso é resultado de uma reivindicação local cristalizada através da participação. Também surge pelo reconhecimento, por parte das autoridades florestais, das elevadas e às vezes desnecessárias quantias de dinheiro e tempo que demandam suas funções, quer elas ajam diretamente ou apenas supervisionem as comunidades.
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7 Outubro 2002As 21 comunidades indígenas que integram a Federação de Centros Awá do Equador (FCAE) têm título legal de propriedade de 120 mil hectares no norocidente do Equador, região de florestas úmidas e de grande diversidade biológica, conhecida como Território Awá, possuindo a última extensão de florestas Chocoanas que restam no Equador. A luta fundiária dos Awá, pela defesa de suas florestas comunitárias das pressões das indústrias madeireira e mineira e da colonização, até poucos anos atrás, vinha sendo favorecida devido ao difícil acesso ao norocidente do país. Nos últimos anos, a abertura e pavimentação de duas novas estradas que atravessam a região facilitaram as atividades de várias empresas madeireiras, com a conseqüente destruição de florestas.
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7 Outubro 2002No Chile, 25 anos de implementação do modelo econômico neoliberal causaram fortes impactos nas florestas nativas e comunidades indígenas e locais do sul do país. Mais de dois milhões de hectares de plantações de pinheiro e eucalipto alimentam uma poderosa indústria de celulose voltada para a exportação. Nesse período, centenas de milhares de hectares de floresta nativa tornaram-se monoculturas florestais. Uma acelerada concentração da propriedade da terra, facilitada por subsídios estatais às plantações, gerou graves conflitos fundiários com as comunidades indígenas mapuche até hoje.
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7 Outubro 2002Nos últimos anos a participação das famílias produtoras rurais e suas organizações econômicas e de representação vêm se intensificando nas ações de manejo e conservação dos recursos florestais na Amazônia brasileira. Especialmente para as populações tradicionais -para as quais o enorme déficit sócio-ambiental do Estado brasileiro vem relegando-as ao processo de subordinação econômica ao capital predatório dos recursos naturais-, alternativas de desenvolvimento baseadas na resistência e luta por melhoria em suas condições de vida e de trabalho contemplam a valorização dos recursos florestais e, conseqüentemente, o seu manejo.
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7 Outubro 2002O departamento de Río San Juan fica no sul, na fronteira da Nicarágua com a Costa Rica, e o município de El Castillo fica no rio entre o Lago da Nicarágua e o Caribe. Na década de 1980, os Estados Unidos urdiram contra nós uma guerra de baixa intensidade, a qual, entre outras coisas, enfraqueceu a economia e desarraigou as famílias nicaragüenses. Concluída a guerra, nos anos noventa, emigraram para o município doze mil pessoas oriundas da Costa Rica e de outras regiões do país. Essa migração em massa tornou ainda mais necessário o planejamento adequado para o manejo dos poucos recursos da comunidade: sua população e suas florestas.
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7 Outubro 2002A Associação Coordenadora Indígena e Camponesa de Agroflorestação Comunitária Centro-Americana, conhecida como CICAFOC, atua na América Central -Guatemala, Belize, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica e Panamá- e é uma organização social de base comunitária, sem fins lucrativos, que congrega associações, cooperativas, federações e grupos comunitários organizados de pequenos e médios produtores agroflorestais, indígenas e camponeses. Esses grupos trabalham pelo acesso, uso e manejo dos recursos naturais, procurando garantir a alimentação e a sustentabilidade econômica das comunidades, em harmonia com o meio ambiente.
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7 Outubro 2002Após dez anos de negociações entre funcionários do governo, grupos das comunidades locais e Organizações Não-Governamentais (ONGs), foi elaborado um projeto de lei de florestas comunitárias, que seria a primeira legislação tailandesa em reconhecer a capacidade legal das comunidades que moram dentro e nos arredores das Reservas Nacionais de Florestas da Tailândia de usar, manejar e proteger suas florestas junto com o Departamento Florestal Real.
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7 Outubro 2002A rápida destruição das florestas filipinas, causada pela atividade madeireira, a mineração e a invasão de colonos sem terra impelidos pelas políticas do governo, foi oficialmente reconhecida, no final dos anos 80, como um problema que exigia uma resposta política. A necessidade de restringir e regularizar a atividade madeireira, promovendo alternativas de manejo florestal comunitário, foi reconhecida pelo governo no final da década. Em 1990, o governo aprovou um Plano Mestre de Desenvolvimento Florestal, através do qual procurava-se "aumentar a escala" das anteriores iniciativas comunitárias de manejo florestal.
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7 Outubro 2002Desde 1995, o movimento indonésio de ONGs vem apoiando o manejo florestal comunitário (MFC). A principal mensagem transmitida na fase inicial foi que a maior parte dos modelos de manejo florestal comunitário implementados de forma sustentável fundava-se na sabedoria, cultura e hábitos da comunidade.
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7 Outubro 2002Desde a década de 1960, as florestas da Indonésia vêm sendo rapidamente devastadas, em conseqüência da generalização de concessões, para a atividade madeireira, outorgadas a militares de alta hierarquia. A atividade madeireira se espalhou rapidamente, objetivando o fornecimento de troncos baratos para a indústria madeireira japonesa, principalmente para a produção de madeira compensada. Com a dura pressão dos programas de colonização dirigidos pelo governo, o ritmo de destruição das florestas aumentou a passos largos, processo esse agravado, também, por programas em grande escala, alguns deles desenvolvidos com ajuda do exterior, para a expansão do plantio de árvores nas "florestas em conversão".
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7 Outubro 2002As experiências da Índia com o Manejo Florestal Coletivo (MFC) nasceram das tentativas dos funcionários florestais de levarem em conta as exigências "tribais" para o manejo de suas próprias florestas. [Nesse país, os povos indígenas são oficialmente designados pelo nome de "tribos"] Sob o regime de MFC, as florestas continuam sendo propriedade do Estado indiano, na órbita dos Departamentos Florestais, e as comunidades são contratadas para manejar as florestas, ficando com uma parte do lucro resultante da venda da safra. A divisão dos lucros com as comunidades varia consideravelmente de um estado para outro da Índia, como também varia o nível de intervenção de cada Departamento Florestal.
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7 Outubro 2002O germe da iniciativa denominada Política de Boa Gestão das Florestas (Good Forest Governance - GFG, em inglês) da Ásia surgiu durante a reunião do Programa Florestas, Árvores e Povos (Forest, Trees and People Program - FTPP), realizada em Daman, Nepal, em abril do ano 2000. Os participantes na reunião reconheceram a necessidade de uma participação mais ativa da sociedade civil no manejo florestal comunitário, como, também, as possíveis formas de protagonismo de uma associação regional para apoiar esse processo.
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7 Outubro 2002Mudanças recentes na Política Florestal da Tanzânia (1998) e a próxima chegada de uma nova lei florestal que avança na aplicação dessa política têm preparado o caminho para conseguir várias mudanças na forma de trabalhar pela conservação das florestas em Tanzânia, incluindo pautas para o desenvolvimento do manejo florestal comunitário e o manejo florestal coletivo. Essas mudanças implicam, também, modificações nas possíveis funções do Departamento Florestal, nas comunidades locais e nas diferentes ONGs conservacionistas.
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7 Outubro 2002As florestas comunitárias constituem uma nova categoria de mecanismos de responsabilização progressiva das comunidades locais no manejo das florestas e dos recursos florestais. Atualmente, trinta e cinco florestas comunitárias foram atribuídas pelo Ministério do Meio Ambiente. Os resultados apurados dos modelos de gestão desenvolvidos até agora têm sido modestos e limitados. As experiências são novas e muito recentes. A maioria delas ainda está em fase de teste. No plano social e cultural, o modelo desenvolvido em torno de todas as florestas comunitárias da região é um modelo associativo. Depois de algumas instâncias de questionamento, atualmente atingiram uma certa estabilidade, exceção feita da floresta de Bimboué, sujeita a conflitos em vias de solução progressiva.
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7 Outubro 2002Na maior parte dos países africanos, as reivindicações relativas ao manejo comunitário das florestas e dos recursos naturais se apresentam como uma reação à natureza repressiva da legislação florestal herdada do período colonial. A legislação florestal vigente no período pós-colonial comprometeu o direito de propriedade florestal das comunidades locais. Foram impostas licenças e outras obrigações tributárias, até agora não conhecidas pela população local, com o objetivo de controlar a exploração de produtos florestais aos quais os moradores locais outrora podiam aceder livremente, para seu consumo doméstico ou sua comercialização.
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7 Outubro 2002Advertem-se tendências-chave entre a superabundância de primeiros avanços do Manejo Florestal Participativo (MFP). Entre elas, o crescente fortalecimento das comunidades locais e o surgimento dessas populações como viveiros de manejadores de florestas por direito próprio. Tem sido apontado que, em parte, isso é resultado de uma reivindicação local cristalizada através da participação. Também surge pelo reconhecimento, por parte das autoridades florestais, das elevadas e às vezes desnecessárias quantias de dinheiro e tempo que demandam suas funções, quer elas ajam diretamente ou apenas supervisionem as comunidades.
NOSSO PONTO DE VISTA
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7 Outubro 2002A conservação das florestas do mundo requer a adoção de uma série de medidas que impliquem uma mudança de rumo em relação ao atual modelo de destruição. Visto que tanto as causas diretas de degradação das florestas como as indiretas foram devidamente identificadas, o próximo passo consiste em adotar as medidas necessárias para a sua remoção.
A ABORDAGEM COMUNITÁRIA: ALGUNS ASPECTOS RELEVANTES
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7 Outubro 2002Além do boletim eletrônico mensal, uma outra ferramenta utilizada pelo WRM, para apoiar e divulgar os temas no quais centra suas atividades, é a página web: http://www.wrm.org.uy. Na seção "informação por tema", aparece uma relação de numerosas categorias, entre as quais está o manejo florestal comunitário. Ali, são incluídos todos os artigos sobre essa questão publicados no boletim do WRM, além de outros documentos de interesse, como, também, enlaces a outras páginas relacionadas com esse tipo de manejo.
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7 Outubro 2002No mês de maio de 2002, um grupo de participantes na 4a Reunião Preliminar da Cúspide Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (CMDS), de Joanesburgo, resolveu se unir em torno a um objetivo comum, para influir nos delegados governamentais quanto à necessidade de reconhecer o manejo comunitário e indígena das florestas, como instrumento viável para mitigar a pobreza e conservar o meio ambiente do planeta. Poucos dias depois de formado o grupo- e apesar das advertências de que seus esforços teriam chegado tarde demais-, eles conseguiram garantir esse reconhecimento, num texto que estava sendo negociado pelos delegados. Assim surgiu o Caucus para o Manejo Florestal Comunitário.
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7 Outubro 2002Para os moradores locais confiarem em que vão receber os frutos de seus esforços, o manejo florestal comunitário requer a garantia de posse da terra. O mapeamento comunitário pode ser uma ferramenta poderosa, para ajudar as comunidades a equacionar a questão de suas terras, representar seu sistema de uso da mesma e fazer vingar seus direitos sobre florestas cujo controle procuram garantir.
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7 Outubro 2002Embora na Guatemala 20% das áreas de floresta estejam sob sistemas de áreas protegidas, o contínuo avanço da fronteira agrícola, produto da distribuição desigual dos meios de produção -em particular, da terra-, fomentou a pobreza e a exclusão social. Essa situação agrava-se nas áreas rurais, onde a maior parte da população depende das florestas.
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7 Outubro 2002Ao que parece pelo discurso do Banco Mundial, das Nações Unidas e de ONGs do mundo todo, está surgindo uma importante corrente a favor das florestas comunitárias. Por exemplo, o Objetivo 3: Meta 4 do Programa de Trabalho para as Florestas, aprovado na sexta conferência das partes da Convenção de Biodiversidade, diz: "Permitir que as comunidades indígenas e locais desenvolvam e implementem sistemas comunitários de manejo adaptáveis, para conservar a diversidade biológica das florestas e fazer um uso sustentável".
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7 Outubro 2002O mundo está perdendo as suas florestas. No planeta todo, são muitas as pessoas sofrendo pelos processos destrutivos que as privam dos recursos naturais que têm sido a base do seu sustento. O WRM, bem como outras muitas organizações no mundo todo, há muito tempo vem denunciando essa situação e apoiando os povos que lutam em defesa das suas florestas e seus direitos.